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Mourão, empresários e ianques: em busca da aliança perdida

Nos últimos dias, Mourão, o eminência verde-oliva da república, fez seu próprio giro em busca de bases. Primeiro, na FIESP. Depois, nos EUA.
por Pedro Marin | Revista Opera
Vice-presidente da República, Hamilton Mourão, na Casa Branca, durante encontro com o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. (Foto: Romério Cunha/VPR)

Há três semanas defini a viagem do presidente Jair Bolsonaro aos EUA como “o cachorro procurando poder na coleira.”

Dizia: “Sob ameaça daqueles que lhe asseguraram o poder necessário para se eleger, a viagem de Bolsonaro aos EUA agora é a busca pela consolidação do poder necessário para governar. Ameaçado por aqueles antigos aliados internos – os militares – Bolsonaro busca agora o poder nas armas estrangeiras. […] O problema desta estratégia é que, para perder o poder assegurado pelas armas estrangeiras, bastará que um dos jogadores abra conversas com o seu atual aliado e lhe dê garantias. Enquanto isso, Bolsonaro pode ser atormentado internamente, ter sua governabilidade travada, até que não se sustente. O ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, pode falar o quanto quiser que Mourão é uma “voz dissoante”, mas é precisamente a essa voz que Trump recorrerá quando Bolsonaro dissolver, e é essa mesma voz que estará aberta a conversar.”

Nos últimos dias, Mourão, o eminência verde-oliva da república, fez seu próprio giro em busca de bases. Primeiro, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), onde fez carinho em mais de 600 empresários, falando da necessidade de uma reforma tributária e uma abertura “lenta, gradual e segura” ao capital estrangeiro. Exaltou também o neoliberalismo, de acordo com o relato de Fabio Victor, na Piauí, dizendo: “O Estado organizar a sociedade e as leis e deixar de interferir nos mercados. Neoliberalismo nada mais é do que o direito intransigente à propriedade privada. Pois onde não há propriedade não há o único sistema econômico que deu certo no mundo, que é o capitalismo.” E terminou citando Roosevelt: “Que vivamos sob a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de não sermos forçados a fazer aquilo que não queremos e principalmente a liberdade de não termos medo.

Aplausos, aplausos e aplausos. “Quando o Mourão passa essa imagem de bom senso e de diálogo, acalma muito o mercado e o setor produtivo. É um contraste enorme com a família Bolsonaro”, disse o diretor do Grupo Amazonas. “Votei no Bolsonaro, fiz campanha para ele, mas a campanha acabou. Tem de tirar o celular dele. Ele só vai ganhar a população se mostrar serviço, não tuitando. Gostei bastante do Mourão, é extremamente capacitado, como a maioria dos generais. Passou segurança e estabilidade, está respaldado por essa casa [a Fiesp]. Está bem mais para estadista do que o Bolsonaro.

Mais tarde, na casa do presidente da FIESP, Paulo Skaf, jantou com “um número de convidados bem mais restrito, cerca de 30 empresários pesos-pesados, entre os quais Carlos Trabuco (Bradesco), Josué Gomes (Coteminas), Frederico Curado (Grupo Ultra), David Feffer (Suzano), Marcos Lutz (Cosan) e Flávio Rocha (Riachuelo)”, de acordo com Fabio Victor. Teria recebido, agora ao pé do ouvido, de um público mais restrito, a mensagem de que está respaldado pela FIESP?

Dez dias mais tarde, o próprio Mourão foi ao império. Por lá, participou do “Brazil Conference”, em Boston, evento organizado por estudantes de Harvard e do MIT. Foi aplaudido quando disse, respondendo a uma pergunta comparando os militares de hoje e os militares da ditadura, que, ao contrário de Geisel, ele foi eleito. De acordo com Malu Gaspar, também da Piauí, “em quase uma hora de sessão, as palmas se repetiram sempre que Mourão dizia algo contrário ao que costumam pregar as alas mais xiitas do bolsonarismo – e, por vezes, o próprio presidente.”

Na plateia do encontro, figuravam Fernando Henrique Cardoso, Dias Toffoli – aquele presidente do Supremo com assessores militares – e o bilionário Jorge Paulo Lemann, com quem Mourão teve uma reunião a portas fechadas. Fechou sua fala com a mesma frase: “Que vivamos sob a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de não sermos forçados a fazer aquilo que não queremos e principalmente a liberdade de não termos medo.

Disse também que, ao contrário do que pensam tantos no governo Bolsonaro, “de coração” está com Bolsonaro (como Michel Temer “de coração”, mas não “de intenção” ou “de braços” estava com Rousseff?).

Mourão aproveitou o giro nos EUA para se encontrar com o vice-presidente norte-americano Mike Pence, e discutiu a questão da Venezuela. Saiu confiante, dizendo que não haveria intervenção militar em Caracas. Disse que Pence perguntou a sua opinião sobre a situação do país, e que ele disse que “a situação da Venezuela tem que ser resolvida pela Venezuela. Os EUA têm feito bem a parte deles de pressão política e econômica. Não temos fôrma de bolo.

Teve ainda um encontro com intelectuais, jornalistas e autoridades na residência do embaixador do Brasil. Na lista de convidados, Adrienne Arsht, vice-presidente do Atlantic Council, Bruno Reis, do grupo Eurasia, e Thomas Shannon, aquele ex-embaixador no Brasil que, quando era o “número três” do Departamento de Estado, em 2016, encontrou-se com Aloysio Nunes, um dia após a aprovação do impeachment de Dilma na Câmara.

Traduzindo Mourão: quando diz que “não temos fôrma de bolo” parece dizer que, se os EUA quiserem colocar algo no forno venezuelano, é melhor ter uma; caso contrário a mistura do poder político escorre caoticamente. Curioso que use a tão desgastada expressão “neoliberalismo” ao invés de “liberalismo”. Parece querer sugerir a lembrança daquela América Latina dos anos 60, em que os generais – “extremamente capacitados” – asseguravam o “direito intransigente à propriedade privada” e “acalmavam os mercados.” Assim, os empresários terão a “liberdade de não ter medo”, lembrando a todos daquelas lições liberal-hobbesianas de Golbery. Tendo o respaldo da casa – a Fiesp – tudo fica mais fácil. Faltará o dos norte-americanos. São “aproximações sucessivas” da tábua de logaritmos, como ele mesmo disse em 2017, em busca do poder capaz de dar vazão à abertura “lenta, gradual e segura”. Segura, acima de tudo. Mas como ele mesmo disse, “a sensação é que posso passar a mão no telefone, eu o chamo de Pence e ele me chama de Tony. Quem sabe levamos ele para o Rio e ele joga uma partida de futevôlei comigo.”

Quem sabe, Mourão, trazem ele pro Rio e não deixam a bola cair. Com Bolsonaro, no entanto… “Estou que nem um paraquedas […] estou com ele e não abro.”

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