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O desastre chamado Euro

A União Econômica e Monetária Europeia (UEM) está em crise permanente desde 2008. Mas nem todos os Estados-membros são igualmente afetados.
por Jörg Bibow e Heiner Flassbeck | Brave New Europe – Tradução de Gabriel Deslandes
(Imagem: Pedro Marin / Revista Opera)

A União Econômica e Monetária Europeia (UEM) está em crise permanente desde 2008. Nem todos os Estados-membros são igualmente afetados – ao contrário, um maior desequilíbrio é resultado de um desenvolvimento econômico desigual e representa uma ameaça especial à continuidade da união monetária.

Os quatro principais países do euro – Alemanha, França, Itália e Espanha – também experimentaram desenvolvimentos muito diferentes sob o euro, em particular desde o início da permanente crise financeira de 2008.

Figura 1: O desenvolvimento econômico das quatro principais nações na Zona do Euro demonstra o desenvolvimento econômico dos quatro grandes Estados da região, vistos em relação ao ano base de 2008: desde 2008, a Alemanha se destacou como um país com desenvolvimento supostamente forte dentro desse grupo. De fato, tem sido a principal competidora – embora a queda de 2009 tenha sido particularmente profunda na Alemanha.

A França, por outro lado, tem visto muito pouco crescimento desde a crise. A situação nos dois maiores países da união monetária se reverteu da seguinte maneira: antes da crise, a Alemanha foi, por muito tempo, considerada o “homem doente” da Europa, atingindo apenas fases muito breves de crescimento de 1999 a 2000 e de 2006 a 2007. A França inicialmente registrou um desenvolvimento muito estável e muito mais robusto sob o euro. Na Itália, que experimentou um desenvolvimento ruim tal qual a Alemanha antes da crise, a situação se deteriorou drasticamente desde então. Parece ter caído em uma armadilha da qual não pode escapar.

A Espanha, por outro lado, experimentou rápidos altos e baixos: primeiro um longo boom, depois um súbito colapso, que, como na Itália, ocorreu durante uma dupla recessão. Há alguns anos, o país do sudoeste da Zona do Euro tem demonstrado um desenvolvimento comparativamente forte em termos de números oficiais do PIB. Todavia, o desemprego continua muito alto.

Portanto, não surpreende que a Alemanha seja geralmente elogiada pela mídia e por políticos como modelo e paradigma entre os grandes países-membros do euro, enquanto a França e a Itália, segundo a interpretação oficial, não adotaram as “políticas necessárias” e parecem não estar fazendo progresso. O dever de casa supostamente negligenciado é, naturalmente, uma “reforma estrutural”. Esse termo se refere à urgente liberalização do mercado de trabalho e à redução do papel do Estado, supostamente indispensáveis ​​para restaurar a competitividade. Mesmo a crise financeira global de 2007 a 2009 e a ainda não resolvida crise do euro desde 2009 não foram capazes de inspirar os formuladores de políticas econômicas a pensarem e refletirem. A Europa continua firmemente comprometida com o neoliberalismo.

Deste ponto de vista, a França e a Itália seguem no caminho de sua própria felicidade, pois se recusam a tomar seu remédio: o milagroso poder curativo do mercado. Hoje, esse mantra é incessantemente repetido por especialistas supostamente instruídos e, posteriormente, repetido ad nauseam pela mídia. A seguinte citação de François Villeroy de Galhau, governador do Banque de France (Banco Central da França), expressa perfeitamente a hipótese central de fraqueza econômica continuada devido a reformas estruturais postergadas:

“Há 25 anos atrás, falamos de uma ‘União Econômica e Monetária’. Desde então, conseguimos o sucesso da união monetária, mas não fomos muito eficazes em relação à união econômica. O desempenho econômico bastante satisfatório na área do euro, em média, ainda oculta heterogeneidades individuais. E assim, em primeiro lugar, alguns países, como a França e a Itália, precisam acelerar as reformas estruturais internas para melhorar o funcionamento e a flexibilidade de suas economias. E, deixe-me ser claro, é do nosso interesse nacional: atualmente, temos menos crescimento econômico e emprego do que alguns de nossos vizinhos, como Alemanha, Espanha e Holanda, que conseguiram realizar as reformas necessárias.”

A hipótese de fraqueza econômica persistente devido às reformas estruturais postergadas está, naturalmente, alinhada com a superstição usual da teoria econômica dominante, segundo a qual os mercados devem ser liberados de toda a “rigidez”, já que eles – sempre e em toda parte – permitiriam o crescimento mais rápido e a felicidade geral máxima. Se algumas economias crescem mais rápido do que outras, isso se deve às reformas estruturais que elas implementaram com sucesso. Se as economias crescem a um ritmo mais lento, isso se deve exclusivamente ao fato de que elas ainda não implementaram reformas estruturais urgentes.

A simplicidade intelectual dessa visão de mundo é impressionante e apela para aqueles que, talvez com um olho no oportunismo político, simplesmente querem se juntar ao rebanho neoliberal. Porém, antes de explicar uma alternativa, vamos primeiro revisar a situação atual e alguns desenvolvimentos históricos nos quatro grandes Estados-membros do euro.

Figura 2: O desenvolvimento econômico das quatro principais nações do euro na era neoliberal mostra o desenvolvimento econômico dos quatro principais Estados-membros do euro desde 1980, comparado com o ano base de 1999, ano em que o euro foi introduzido. A cada dez anos, por exemplo, houve uma recessão, mas, de outro modo, ocorreram desenvolvimentos bastante semelhantes na Alemanha, França e Itália nos anos 1980 e 1990.

A Alemanha experimentou uma breve aceleração do crescimento nos anos em torno da unificação alemã, mas a França se recuperou novamente no decorrer da década de 1990. Em suma, o desenvolvimento da Itália durante esse período foi somente ligeiramente mais lento do que o da Alemanha e da França. A Espanha, por outro lado, tendo apenas aderido à Comunidade Europeia em 1986, foi alçada ao sucesso, experimentando uma recuperação prolongada até 2009. A aceleração do crescimento espanhol, que começou em meados da década de 1980, além da recessão no início dos anos 1990, foi mantida até a grande crise financeira. Para a Alemanha e a França como um todo, a tendência é quase paralela ao período após a introdução do euro: a Alemanha ficou paralisada antes da grande crise, e a França está paralisada desde então. No caso da Espanha, observadores otimistas esperam agora uma retomada do processo de recuperação, que pode ter sido interrompido pela profunda crise financeira; enquanto a Itália parece ter ficado encalhada nas linhas secundárias sob o euro, como é claramente visível aqui mais uma vez.

Figura 3: O desenvolvimento da renda per capita: processo de recuperação e convergência

O desenvolvimento de renda per capita (em estimativas ajustadas de poder de compra pelo FMI), que pode ser visto na Figura 3 para o período desde 1980, também mostra que a Alemanha teve uma ligeira vantagem de cerca de 5% em 2005 entre os três antigos Estados-membros, enquanto a Espanha, por um tempo, conseguiu reduzir significativamente seu grande déficit. Desde a grande crise financeira, a Itália, em particular, perdeu terreno enormemente para a Alemanha e agora está em pé de igualdade com a Espanha. Contudo, a Espanha e até a França também recuaram notavelmente desde então. É, portanto, fácil ver por que a Alemanha é geralmente vista como a vencedora do euro e da crise do euro e por que o resto da Europa é visto como perdedor.

A divisão econômica crítica dentro da Zona do Euro também se reflete na situação do mercado de trabalho (Figura 4): Na Alemanha, a taxa de desemprego hoje é tão baixa quanto era antes da recessão do início dos anos 1980, ou até menor do que durante a “boom da unificação”. Nos outros três países, por outro lado, registros históricos negativos ainda estão sendo definidos. Na França e na Itália, a taxa de desemprego caiu apenas ligeiramente nos últimos anos. Na Espanha, caiu mais acentuadamente, mas de um nível extremamente alto. A Alemanha tradicionalmente tem uma taxa de desemprego mais baixa do que os outros três países, o que só foi diferente nos anos 2000 até a grande crise financeira. Naquela época, o desemprego na Alemanha subiu contra a tendência no resto da Zona do Euro e ultrapassou o nível nos outros três principais estados do euro. Por que a Alemanha estava tendo dificuldades nesse período? Como a Alemanha, tal qual uma fênix, conseguiu se erguer das cinzas, enquanto outros países do euro e a Zona do Euro como um todo ainda não emergiram da crise?

Figura 4: O desenvolvimento do desemprego desde 1980 nas principais economias do euro

O desenvolvimento econômico incomumente fraco na Zona do Euro é particularmente evidente em comparação com outros países desenvolvidos, especialmente ao examinar o desenvolvimento da demanda doméstica desde a grande crise financeira de 2009 (Figura 5). Apesar de as principais economias desenvolvidas não terem se desenvolvido satisfatoriamente após a crise global, a Zona do Euro está muito atrasada e é a retardatária internacional. Segundo dados oficiais, a zona não conseguiu retornar aos níveis pré-crise da demanda interna até 2016.

Figura 5: O desenvolvimento da demanda doméstica – a Zona do Euro está muito atrás pelos padrões internacionais

A imagem da situação geral é inequívoca e não pode ser ignorada de forma convincente: a política econômica da Zona do Euro obviamente fracassou. De fato, se o euro foi concebido como um meio de organizar e garantir a prosperidade comum na Europa, certamente fracassou. De fato, a instabilidade política e social em quase todos os Estados-membros atingiu um nível que faz com que a separação total da UEM pareça uma possibilidade real. Portanto, não é exagero falar da União Europeia como estando em “crise existencial”. Wolfgang Münchau formulou acerca disso apropriadamente sem rodeios, com referências aos principais culpados (Financial Times, 27 de março de 2017):

“O fracasso em superar a crise da Zona do Euro é um dos grandes erros históricos da Europa do pós-guerra – o legado de Ângela Merkel, Nicolas Sarkozy, François Hollande e todos aqueles que desempenharam um papel nesse desastre político. É uma das principais razões para o aumento do populismo. Isso nos tornou vulneráveis ​​a choques adicionais. A saída de um único país da Zona do Euro desencadearia uma crise financeira de proporções inimagináveis.”

As políticas econômicas da Alemanha são as principais responsáveis ​​pela condução da Zona do Euro em sua crise existencial ainda não resolvida. É irônico que a Alemanha, depois de destruir a UEM com suas peculiares políticas de “empobrecer o vizinho”, continue a dar o tom e dificulte a recuperação adequada de seus parceiros. A Zona do Euro precisa, de fato, de reformas estruturais. Entretanto, as reformas urgentemente necessárias dizem respeito às políticas e instituições macroeconômicas, em vez de empurrar a Europa cada vez mais para o purgatório neoliberal. A agenda neoliberal de fazer o Estado passar fome em nome da austeridade e empobrecer trabalhadores em nome da flexibilidade e da competitividade só pode ter sucesso em destruir o que a política vinha tentando construir na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

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