“O que constitui o baluarte de nossa própria liberdade e independência? Não são as nossas ameias carrancudas, as nossas costas marítimas eriçadas, as armas dos nossos navios de guerra ou a força do nosso corajoso e disciplinado exército… Nossa proteção está na preservação do espírito que valoriza a liberdade como uma herança de todos os homens, em todas as terras, em todos os lugares. Destrua este espírito e serão plantadas as sementes do despotismo em torno da sua própria porta.” (Presidente Abraham Lincoln, 11 de setembro de 1858)
Neste momento, o porta-aviões USS Abraham Lincoln e um grupo de ataque de outros navios de guerra (incluindo o cruzador de mísseis guiados USS Leyte Gulf e quatro destroyers: USS Bainbridge, Gonzalez, Mason e Nitze) estão se dirigindo ao Golfo Pérsico para se juntar a um recém-chegado grupo de bombardeiros com capacidade nuclear B-52, aumentando a já vasta presença militar dos EUA naquela região.
Segundo o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, todos esses navios e aviões e mísseis estão lá para “enviar uma mensagem clara e inequívoca ao regime iraniano de que qualquer ataque aos interesses dos Estados Unidos ou de nossos aliados será recebido com força implacável”.
Houve algumas – muito poucas – vozes de advertência, como o senador Tim Kaine, que disse, em 7 de maio, estar “profundamente preocupado que o governo Trump esteja nos levando a uma guerra desnecessária com o Irã”, mas muitas pessoas e organizações, como a Brookings Institution (“Nossa missão é conduzir pesquisas aprofundadas que levem a novas ideias para resolver problemas enfrentados pela sociedade a nível local, nacional e global”), têm visões diferentes.
Um dos astros da Brookings, Michael O’Hanlon [outra desgraça para os irlandeses-americanos], declarou sem qualquer senso de dúvida: “Aprovo a decisão, na medida em que posso entender o pano de fundo dessa situação, pois ela alerta ao Irã que eles não conseguirão fazer algo ruim por procuração. Nós estamos de olho neles. Isso pode ou não ser suficiente para dissuadi-los, e temos que ser cautelosos ao assumir que um porta-aviões ou bombardeiro é capaz de interromper uma operação secreta, mas eu ainda sou favorável – e também sou favorável de lembrar o Irã de que também realmente não estamos abandonando o Oriente Médio de forma tão dramática”.
Não: os EUA não têm a intenção de “sair” de qualquer parte do mundo em que persista a sua intromissão, do Mar do Sul da China passando pelo Golfo, Mar Negro, Báltico e, é claro, a América do Sul, onde a atenção de Washington está voltada para a Venezuela.
Em 3 de maio, o presidente Trump telefonou para o presidente Putin, e o Washington Post reportou o fato dizendo: “Eu acredito que tenha tido uma conversa muito positiva com o presidente Putin a respeito da Venezuela”. Isso aconteceu a despeito da promessa de Trump de que que “consertaria” a Venezuela, feita no dia em que a esposa de Juan Guaidó esteve como convidada no Salão Oval, em 27 de março. Na ocasião, Trump insistiu que “a Rússia tinha que sair” da Venezuela.
Em 1 de maio, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse à Fox News que, em relação à Venezuela, Donald Trump “tem sido claro e incrivelmente consistente. A ação militar é possível. Se isso for necessário, é isso que os Estados Unidos farão”. No mesmo dia, o homem da “mensagem inconfundível”, John Bolton, disse na CNN que “os russos gostam mais do que colocar um dedo em nossos olhos. Eles gostariam de obter um controle efetivo de um país neste Hemisfério. Nós deixamos claro para os russos por que achamos que esse comportamento é inaceitável para nós”. Eles foram seguidos pelo senador Lindsey Graham, que tuitou: “Cuba e a Rússia envia tropas para apoiar Maduro na Venezuela enquanto falamos sobre sanções. Onde está o nosso porta-aviões?”.
Graças às sanções de Washington, o povo da Venezuela está sofrendo gravemente. As crianças estão morrendo de fome, e os atendimentos médicos estão em crise porque são sempre pessoas comuns que sofrem, enquanto pessoas como os capangas de Trump, Bolton e Pompeo, tentam provocar uma revolução.
[button color=”” size=”” type=”” target=”_blank” link=”https://revistaopera.operamundi.uol.com.br/2019/04/28/estudo-diz-que-sancoes-dos-eua-levaram-a-40-mil-mortes-na-venezuela/”]Leia também – Estudo diz que sanções dos EUA levaram a 40 mil mortes na Venezuela[/button]
Em 30 de abril, Pompeo tuitou que “o presidente interino Juan Guaidó anunciou hoje o início da Operación Libertad. O governo dos EUA apoia plenamente o povo venezuelano em sua busca pela liberdade e pela democracia. A democracia não pode ser derrotada”.
Sim, pode. Ela está sendo derrotada em muitos países pelas intrigas da máquina de guerra de Washington, que zumbe, rola e abre caminho de país em país, causando caos econômico e incontáveis misérias humanas ao longo de sua rota manchada de sangue.
Uma das últimas alegações de apoio ao golpe veio de Bolton, um grande defensor do fiasco da Guerra do Iraque de 2003, sobre quem pode ser lembrado que, quatro semanas antes dos EUA invadirem o país árabe, o jornal Haaretz informou: “O subsecretário de Estado, John Bolton, afirmou em reuniões com autoridades israelenses [em 17 de fevereiro de 2003] que ele não tinha dúvida de que a América atacará o Iraque, e que depois disso será necessário lidar com ameaças da Síria, do Irã e da Coreia do Norte”.
Bolton não mencionou a Venezuela naquela época, mas agora ela aparece como seu próximo alvo e, em 2 de maio, ele disse à imprensa: “Estamos nos planejando para o que chamamos no dia seguinte – um dia pós-Maduro – por um bom tempo. Isso está em nossa cabeça de tal forma que podemos oferecer muita assistência ao governo de Guaidó assim que ele assumir o poder para tentarmos tirar os venezuelanos [sic] da vala onde Maduro os colocou”. Em seguida, ele afirmou que existem 25 mil tropas cubanas na Venezuela.
Isso levou Sean Hannity da Fox News (muito admirada por Trump) a anunciar que “Maduro é apoiado pela Rússia. É apoiado pelo Irã, pelo Hezbollah. O grupo terrorista financiado pelo Irã vem treinando forças do governo na Venezuela há anos. Cuba está fornecendo 20 mil soldados para proteger Maduro de seu próprio povo”.
Hannity não perdeu a oportunidade de incluir o Irã em seu discurso, pois é sempre importante ressaltar tais ligações, uma vez que prepara os americanos comuns para o dia em que o Pentágono tomar uma ação militar contra o alvo da Segurança Nacional do momento. Se a Venezuela entrar em colapso sob pressão dos EUA, o caminho estará aberto para alcançar a missão principal – bombardear, disparar e destruir a República Islâmica do Irã, cujo nome é arrepiante para todos os cristãos e judeus tementes a Deus.
Parece que não vai demorar muito até que isso aconteça, já que, em 1º de maio (dois dias antes de telefonar para o presidente Putin), Trump afirmou à Fox News que a Venezuela é “uma bagunça incrível… O lugar é muito ruim e muito perigoso. Então, algo precisará ser feito”. Quando perguntado sobre quais seriam as opções de Washington, ele respondeu: “Bem, algumas delas eu nem gosto de mencionar a você porque são muito difíceis. Muitas coisas estarão acontecendo na próxima semana e mais cedo do que isso. Veremos o que acontece”.
Assim, podemos considerar que, não importa o quanto o presidente Maduro tenha ressurgido, após a fracassada tentativa de golpe do compatriota Juan Guaidó, apoiado pelos EUA. Ele está destinado à derrubada e à morte. Poderia ser outro caso de “Nós viemos; nós vimos; ele morreu”, fala de Hillary Clinton quando o presidente da Líbia, Muammar Kaddafi, foi assassinado em 2011 após oito meses de bombardeio aéreo por parte dos americanos e seus aliados.
Então será a vez do Irã, onde, como apontou Jacob Hornberger, da Fundação Futuro da Liberdade, Washington “continua a usar sanções econômicas para atingir o povo iraniano com empobrecimento e morte, como forma de, esperançosamente, efetuar outra mudança de regime dentro do país”.
Durante os fandangos da “mudança de regime”, a Segurança Nacional de Trump revogou unilateralmente o acordo de julho de 2015 com o Irã, o Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA), que visava assegurar que “o programa nuclear iraniano fosse exclusivamente pacífico”. O acordo levantou sanções que afetaram quase todos os aspectos da vida iraniana. O Irã, por sua vez, concordou que “sob nenhuma circunstância o Irã jamais buscará, desenvolverá ou adquirirá armas nucleares” e aprovou um estrito sistema de monitoramento internacional que permitiu o acesso de inspetores a qualquer lugar que pudesse estar associado a atividades relacionadas a armas nucleares.
A SS de Trump rasgou o acordo, apesar do fato de que o Irã estava cumprindo-o ao pé da letra, como ficou claro para a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que realiza inspeções em instalações iranianas. Chegou ao ponto de afirmar que “a cooperação oportuna e proativa do Irã em fornecer tal acesso facilita a implementação do Protocolo de Ação e aumenta a confiança”. O relatório da AIEA de fevereiro de 2019 afirma que a agência teve acesso a “todos os espaços e locações do Irã que precisavam ser visitados”, e seu diretor-geral, o admirável Yukiya Amano, disse em 4 de março que “o Irã está implementando seus compromissos nucleares”.
Porém, Washington rejeitou o cumprimento do acordo por parte do Irã e intensificou um regime de sanções selvagens com o objetivo de incentivar uma revolta para derrubar o governo. Em uma coletiva de imprensa na Casa Branca em 3 de maio, Trump declarou que “se dar bem com os países é uma coisa boa e queremos ter boas relações com todos”. Todos, exceto os países que a máquina de guerra de Washington pretende atacar, garantindo que o mundo sofra cada vez mais sofrimento, morte e destruição.
Em 8 de maio, Trump assinou uma ordem executiva sancionando as indústrias de ferro, aço, alumínio e cobre do Irã, dizendo: “Estamos conseguindo impor a mais poderosa campanha de máxima pressão já testemunhada, que a ação de hoje fortalecerá ainda mais”.
Trump, Bolton, Pompeo e seus fantoches uniformizados estão enfrentando, insultando e provocando o Irã na esperança de que seu governo reaja militarmente – reação sobre a qual Washington se alegrará, soltando os cães de guerra.
* Brian Cloughley escreve sobre política externa e assuntos militares. Ele mora em Voutenay sur Cure, França.