“Pelo menos duas outras organizações têm mais poder sobre os mercados financeiros norte-americanos do que a Casa Branca. São elas: a Reserva Federal dos Estados Unidos e o Partido Comunista Chinês. E o presidente Trump não possui controle direto sobre nenhuma dessas organizações.”
Esta análise brutal é particularmente significativa, pois é realizada por um dos especialistas ocidentais mais preciosos e mais experientes em mercados financeiros – John Authers, editor sênior da Bloomberg e ex-comentarista chefe de mercado do Financial Times. Ela encapsula a interação dos problemas econômicos e políticos que o presidente Trump enfrenta. Como será visto, ela também resume as forças relativas da China e dos EUA na “guerra comercial”, dita as táticas de administração norte-americanas em atacar a China e determina as políticas que irão prevenir a administração Trump de realizar sua tentativa de bloquear a China, atingindo suas metas de desenvolvimento.
A análise desses fatos dos mercados financeiros e políticas dos Estados Unidos confirmam a avaliação enfatizada pelo presidente da China, Xi Jinping, em seu discurso recente no condado de Yudu, um lugar altamente simbólico que serviu como ponto de partida para a famosa Longa Marcha da China, de que o país tem que contar com sua própria força para resistir a essa tentativa da administração dos EUA de impedir que a China alcance a prosperidade e o rejuvenescimento nacional.
Embora a situação da própria China na guerra comercial/econômica seja, naturalmente, o assunto mais importante, existem dois lados envolvidos no conflito – o outro aspecto da situação está dentro dos EUA. A análise disso, que constitui o tema do artigo, mostra claramente o porquê a administração Trump se recusa a aceitar relações de “ganha-ganha” com a China e qual é o inevitável resultado dessa lógica de perda de ambos os lados desse governo. Essa análise, por sua vez, mostra que comparações frequentes feitas na China com a Longa Marcha de 1934-35, ou com o famoso ensaio de Mao Zedong: “Sobre a Guerra Prolongada”, não são apenas metáforas retóricas ou referências às tradições históricas do Partido Comunista da China (PCCh), mas fornecem uma estrutura precisa para compreender a situação.
A administração Trump cometeu um grave erro de cálculo ao lançar a “guerra comercial” com a China. Acreditava-se que ou a liderança da China apresentaria ameaças à administração Trump, ou a população chinesa, ou até ambos, não estariam preparados para um conflito sério com os EUA. Ambos os cálculos se provaram completamente errôneos. O governo chinês não se rendeu, mas revidou os ataques norte-americanos. Além disso, qualquer um que acompanhe a discussão interna da China, que hoje é de longe a maior comunidade da Internet do mundo, sabe que essa linha foi fortemente apoiada pela população chinesa.
A diferença das comparações históricas, frequentemente usadas na China, obviamente, é a de que se trata de uma guerra comercial e não de um conflito militar. Portanto, as armas são diferentes, e é necessário analisar quais são os pontos de pressão nos EUA, e quais armamentos são mais poderosos para a China. Por sua vez, este exame da situação na economia dos EUA confirma plenamente as análises feitas sobre a situação na China e a reação de diferentes camadas sociais ao atual conflito com os EUA.
Tendências na China e nos EUA
Examinando o lado chinês da “guerra comercial”, Wang Wen apresentou uma excelente análise da reação de diferentes estratos sociais na China à agressão econômica do governo Trump. Sua análise pode ser observada: “A grande maioria das pessoas comuns apoiam fortemente a política de combate ao bullying cometido pelos Estados Unidos, e o medo atual dos EUA existe principalmente em algumas elites sociais”.
Mas é particularmente notável que essa análise de tendências dentro da China, realizada por um cidadão chinês, seja totalmente confirmada por um ângulo “externo” – o da situação nos EUA e as forças que operam na administração Trump. Os fatos da economia e política dos EUA mostram claramente a exatidão da análise na China de que qualquer expectativa de “misericórdia” do governo Trump na realidade levará ao aumento da hostilidade por parte dos norte-americanos.
A política econômica de Trump é determinada pela próxima eleição presidencial dos EUA
O ponto de partida de qualquer análise situacional nos EUA é que o presidente Trump já está inteiramente ciente da data mais importante que ele enfrenta – 3 de novembro de 2020, a próxima eleição presidencial dos Estados Unidos. Assegurar a reeleição é seu principal objetivo e isso, portanto, determina a configuração das políticas do governo Trump. Três aspectos são cruciais para isso:
- O impacto de eventos nos mercados financeiros, que podem ocorrer de maneira muito rápida – em alguns casos em minutos/horas e quase invariavelmente há um forte impacto sentido ao longo de um período que pode variar de dias a meses.
- A trajetória de médio prazo da economia dos EUA que desacelerará durante 2019 e 2020 – o que é necessariamente um fator negativo para as chances de reeleição do Presidente Trump em 2020 e que interage com os efeitos adversos da política tarifária dos EUA sobre os consumidores americanos, como os aumentos de preços e quedas nos preços para os agricultores.
- Tentativas de desacelerar a economia da China a médio / longo prazo, forçando ou persuadindo-a a abandonar seu caminho de desenvolvimento socialista.
Todos os três aspectos confirmam, entretanto, uma realidade fundamental – que enquanto as relações da China com a maioria dos países, e com alguns ex-presidentes norte-americanos, podem ser mais bem-sucedidas com base em uma situação “ganha-ganha”, isso não ocorrerá durante o governo Trump. Isso se deve ao fato de que a gestão Trump já reconhece na prática que suas políticas terão como resultado um prejuízo aos EUA, isto é, infligirão danos à economia norte-americana, e está meramente tentando assegurar que o prejuízo para a China seja maior do que o prejuízo dos Estados Unidos.
A análise de ‘perda-perda’ da administração Trump
Uma pequena ilustração da compreensão da administração Trump acerca da necessidade de tentar limitar o tamanho da dor econômica nos EUA é o recente anúncio de 16 bilhões de dólares de subsídios aos fazendeiros americanos – conta essa que será financiada pelos outros pagadores de impostos dos EUA, como vem sendo notado nos EUA. Como noticiou a CNN: “Assim como era suposto que o México deveria pagar pelo muro, mas não deveria, agora a China deve pagar pelo plano de Trump de salvaguardar os fazendeiros americanos. Nenhuma declaração é verdadeira, obviamente.”
Afetando as seções mais amplas da população norte-americana, de acordo com os cálculos da empresa de economia ocidental Oxford Economics, cujo teor não apresenta nenhuma conexão com a China, foi descoberto: “A indústria chinesa […] reduziu os preços dos bens de consumo nos Estados Unidos, amorteceu a inflação e colocou mais dinheiro nos bolsos americanos […] o comércio com a China […] economizou até 850 dólares por ano para essas famílias.” Em relação ao impacto geral sobre a economia global, incluindo o efeito adverso sobre os aliados dos EUA, Bloomberg e outros calculam que as perdas em um ano inteiro da guerra comercial seriam de US$600 bilhões.
Além desses efeitos tarifários, a administração Trump dos EUA está igualmente preocupada com as consequências dos boicotes ou restrições aos consumidores sobre as empresas dos EUA, que seriam equivalentes às que foram realizadas contra a Huawei. Como exemplificado pela Financial Times, o objetivo imediato das sanções dos EUA contra a Huawei não foi de simplesmente parar o suprimento de chips e software, mas de também destruir o mercado consumidor dos produtos da empresa chinesa no Ocidente, onde os clientes querem acesso garantido ao sistema operacional do Google. “A decisão do Google, nesta semana, de parar de vender seu sistema operacional Android à Huawei, para novos aparelhos, faz pouca diferença na China, onde a Huawei deve conseguir convencer os compradores a mudar para seu sistema operacional, agora em desenvolvimento. Mas os clientes no mercado internacional estão mais ligados ao sistema Android. O analista independente Richard Windsor estima que a Huawei perderá todas essas vendas”. Mas o Financial Times observou simultaneamente que esta retaliação contra a China teria um efeito financeiro devastador na Apple, uma das principais e mais valiosas empresas dos EUA: “Pequim tem uma margem para retaliação. Alavancas à sua disposição incluem o bloqueio do acesso ao seu mercado – uma medida que os analistas da Goldman Sachs estimam que poderia reduzir os ganhos por ação da Apple em quase 30%.”
Esses exemplos específicos ilustram claramente que, na prática, apesar das suas afirmações contrárias, a administração Trump parte da premissa de que suas políticas infligirão dor à economia norte-americana, mas que será capaz de limitar essa dor. A rota de sucesso para a China é, portanto, afetar a economia dos EUA a um ponto que seja inaceitável para Trump, que visa sua reeleição.
Uma razão decisiva para que tal sofrimento para os EUA seja possível é que, embora as somas observadas em relação aos consumidores, fazendeiros e aliados dos EUA acima de tudo soem grandes, a administração Trump pode, de fato, lidar com quantias como US $ 16 bilhões para os fazendeiros. Mas até mesmo a perda de um total de US $ 600 bilhões para a economia global é pequena, em comparação com os possíveis impactos sobre o tamanho dos mercados financeiros dos EUA. A perda de US $ 600 bilhões em um ano para a economia global é menor do que a quantia que pode ser perdida nos mercados financeiros dos EUA em um único dia, enquanto uma perda de US $ 16 bilhões pode ocorrer em segundos. Devido à grande escala dos mercados financeiros dos EUA, o governo Trump não tem recursos remotamente para controlar o mercado acionário de mais de US $ 30 trilhões ou o mercado de títulos do Tesouro americano de US $ 16 trilhões. O dano infligido aos EUA em tais mercados financeiros está, portanto, em uma escala desestabilizante para a administração Trump.
O exame de todos os três aspectos operando na administração de Trump considerados acima exigiria três análises separadas ou um artigo excessivamente longo. Portanto, devido à sua escala, este artigo examina apenas o primeiro, o mais curto, mas extremamente poderoso desses assuntos – o impacto da guerra comercial nos mercados financeiros dos EUA.
A real situação que os presidentes dos EUA enfrentam
O comentário contundente de John Authers, citado no início deste artigo, revela com precisão a real situação econômica de um presidente dos EUA – o que é muito diferente da percepção frequente na China. Ao contrário da China, sob o sistema governamental dos EUA, o presidente tem pouco controle sobre as alavancas mais poderosas da economia – não há um grande setor econômico estatal que possa ser instruído pelo presidente a aumentar sua atividade; o orçamento federal é decidido pelo Congresso, e não pelo presidente; assim como as taxas de juros são controladas pela Reserva Federal, que nos termos da lei norte-americana não pode ser instruído pelo presidente.
O novo fator na guerra comercial que chamou a atenção de Authers, e que também está fora do controle do presidente dos EUA, é a própria China. Os fatos confirmam amplamente que o impacto das declarações e ações da China nos mercados financeiros dos EUA são agora muito grandes – como será demonstrado. Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, definiu isso numericamente em um comentário para o Washington Post:
“Na segunda-feira [13 de maio], a China anunciou novas tarifas sobre US $ 60 bilhões em exportações dos EUA, e os Estados Unidos ameaçaram novas tarifas em até US $ 300 bilhões em produtos chineses. Essas ações foram citadas como a principal razão para um declínio de mais de 600 pontos na média industrial do Dow Jones, ou cerca de 2,4% em medidas mais amplas do mercado de ações. Com o valor total das ações dos EUA em torno de US $ 30 trilhões, esse declínio representa mais de US $ 700 bilhões em riqueza perdida.
Essa perda de US $ 700 bilhões para os acionistas norte-americanos resultou diretamente da resposta da China ao anúncio do presidente Trump de elevar as tarifas dos EUA contra a China de 10% para 25%. Para ilustrar esse impacto direto, Authers observou com precisão a diferença nos mercados acionários dos EUA entre a semana seguinte ao anúncio de aumento de tarifas de Trump contra a China, durante o qual não houve anúncio de uma resposta chinesa precisa, e a reação dos mercados financeiros dos EUA quando a China anunciou sua tarifas contrárias: “É justo dizer que Wall Street não antecipou a retaliação da China às tarifas dos EUA. Na semana passada, a reação negativa ao anúncio do presidente Donald Trump de novas tarifas sobre a China foi estranhamente silenciada. Na segunda-feira, depois que a resposta da China foi anunciada pouco antes da abertura do mercado, o S&P 500 caiu mais do que havia feito em toda a semana anterior.”
Authers também observou a habilidade crescente de resposta da China e seu impacto nos mercados dos EUA:
“O problema é que a China sabe como responder. A China sabe que pode atacar o ponto fraco do presidente agindo de uma forma que prejudica o Dow Jones. Por isso, não apenas retaliou com tarifas próprias, mas as anunciou exatamente quando o mercado de Nova York estava prestes a abrir, à noite na China, para obter o máximo efeito.
Como já observado, a perda de US $ 700 bilhões em um único dia nos mercados acionários dos EUA foi maior do que a perda projetada para a economia mundial durante um ano inteiro devido à guerra comercial – e mais de 40 vezes a conta de US$ 16 bilhões dos subsídios de Trump aos agricultores dos EUA. Mas até mesmo essa soma é pequena em comparação com as perdas nos mercados financeiros dos EUA que podem ocorrer devido a outras ações econômicas da China. Como Authers observou: “Nos últimos cinco anos, o evento que mais assustou o mercado dos EUA, por uma ampla margem, foi a desvalorização do yuan chinês em 2015.”
O impacto desta desvalorização do RMB foi claro. Entre 10 de agosto e 24 de agosto de 2015, apenas 14 dias, a taxa de câmbio do RMB caiu em 3,0%. O S&P 500 dos EUA rastreou a queda do RMB em 11,2% em 25 de agosto. Em termos de avaliações atuais dos mercados acionários dos EUA, isso seria equivalente a uma perda de US $ 3,8 trilhões – mais de seis vezes a perda total projetada para a economia global da guerra comercial em um ano, ou mais de 200 vezes os subsídios de Trump aos agricultores.
O verdadeiro objetivo da política de Trump
A identificação do grau de dor que pode ser infligida pela China aos mercados financeiros e à economia dos EUA é crucial porque as políticas tarifárias de Trump não podem, na verdade não pretendem, melhorar a situação dos próprios EUA. O colunista da Bloomberg, Noah Smith, resumiu o objetivo real da administração Trump com muita precisão sob a manchete auto-explicativa: “A Lógica da Guerra Comercial de Trump com a China – Maximizar a prosperidade americana provavelmente não é a meta.” Além dos apologistas apoiadores dos EUA dentro da China, apontados por Wang Wen, essa lógica da política de Trump já é bem compreendida na China. Mas, no entanto, vale a pena citar detalhadamente esta análise da Bloomberg, uma vez que resume de forma muito precisa, a partir de uma perspectiva dos EUA, a lógica da administração Trump:
“A guerra comercial custou aos EUA. Economistas mostraram que o ônus real das tarifas caiu principalmente sobre os consumidores americanos – em outras palavras, os preços que os consumidores pagam pelos produtos importados aumentaram […] E os preços mais altos de bens de capital e bens intermediários estão aumentando as despesas dos fabricantes americanos, tornando-os menos competitivos. Enquanto isso, a retaliação chinesa prejudicou os agricultores dos EUA […] Então, com as perdas aumentando, parecia que havia poucas razões para continuar a guerra comercial. No entanto, Trump está dobrando. Por quê? […] Se Trump quiser frear a ascensão da China como uma superpotência, uma guerra comercial pode ser uma maneira eficaz de fazer isso. Se os danos aos EUA forem modestos e os custos para a China forem severos e duradouros, Trump poderá concluir que os primeiros são perdas aceitáveis.”
Segundo essa lógica: “primazia geopolítica, e não prosperidade máxima para os americanos “era” o verdadeiro objetivo do presidente.”
Em outras palavras, como já foi mostrado no caso dos subsídios agrícolas, a administração Trump, precisamente, não acredita que as tarifas e outras formas de agressão econômica contra a China ajudem a prosperidade econômica dos EUA – pelo contrário, causam dor econômica. Mas decide infligir essa dor a cidadãos e empresas dos EUA, a fim de buscar políticas neo-conservadoras que tentem bloquear a prosperidade da China e o rejuvenescimento nacional. Mas essa política exige que “o prejuízo para os EUA seja modesto”. O problema é que quanto mais tarifas são impostas e, sobretudo, se a China retaliar, maior é a dor não apenas dos mercados financeiros dos EUA, mas também dos consumidores americanos – ou seja, os eleitores. Como Authers observou: “Enquanto isso, os EUA ainda podem impor mais tarifas, mas as mercadorias que ele escolheu para atacar têm sido amplamente invisíveis para os consumidores americanos. Quaisquer outras tarifas irão desembocar em produtos de consumo onde os aumentos de preço serão visíveis e dolorosos, e poderão até mesmo agir como um estímulo para aumentar as taxas de juros.” O efeito nos mercados financeiros dos EUA, como já foi observado, pode ser mais grave do que o efeito direto das tarifas.
Porque o “ganha-ganha” não funcionará na Administração Trump
Compreender o real objetivo da administração Trump demonstra não só que seu objetivo não é melhorar a posição econômica dos EUA ou dos cidadãos americanos, mas simultaneamente, deixa claro por que suas políticas não serão interrompidas por apelos à razão ou “ganha-ganha”. Forças na China alegando que os ataques da administração Trump serão interrompidos por “apaziguamento”, ou por apelos de misericórdia, estão apresentando o contrário da verdade – tais políticas levarão a administração Trump a se tornar mais agressiva. Isso advém do fato de que a política do governo Trump não é buscar um ‘ganha-ganha’ para os EUA, mas criar uma ‘perda-perda’ com o objetivo de que a ‘perda’, em termos de dor econômica para os EUA, seja aturável. Essa lógica da posição do governo Trump significa que qualquer enfraquecimento da posição da China, qualquer alívio da dor infligida aos EUA, levará a administração Trump a se tornar mais agressiva, não menos.
O que fica claro é que, enquanto a maioria dos países busca um ‘ganha-ganha’ com a China, e podem portanto ser corretamente abordados com base nisso – e é diante disto que a China formula sua política externa – isso não funcionará com a administração Trump porque ela não está buscando uma ‘vitória’; seu objetivo é que o prejuízo para os EUA, que é inevitável, não seja impactante o suficiente para ameaçar a reeleição de Trump.
Diante desta situação, a única coisa que dissuadirá a administração Trump, e a forçará a mudar seus planos hostis à China, é se a ‘perda’ para os EUA é maior do que o que se havia antecipado – isto é, se a dor econômica for muito grande para ser suportável do ponto de vista dos interesses da administração Trump. Do que já foi analisado, também está claro que a medida de Trump sobre o que é ou não suportável não é o interesse do povo americano, mas se afeta as suas chances de reeleição. Em resumo, somente se a dor econômica sofrida pelos EUA for suficientemente severa e colocar em perigo as chances de reeleição de Trump a administração Trump desistirá de seus ataques à China.
Confirmação das forças que atuam na administração Trump
Esta situação da administração Trump que flui da sua lógica de ‘perda-perda’ é totalmente verificável, mesmo a curto prazo, pela cronologia das próprias reações pessoais do Presidente Trump aos eventos nos mercados financeiros dos EUA, ao anunciar o aumento das tarifas contra a China de 10% para 25%.
- Em 5 de maio, Trump anunciou no twitter a elevação das tarifas contra a China de 10% para 25%, não houve imediata contramedida anunciada pela China, e o índice S&P 500 nos EUA caiu apenas 0,5% no dia seguinte.
- Em contrapartida, no dia 13 de maio, a China anunciou contra-tarifas e o S&P 500 caiu 2,4% em um único dia – custando US $ 700 bilhões aos acionistas, como observou Larry Summers.
- Durante o resto da semana seguinte, a administração Trump tentou alegar que as negociações comerciais estariam voltando, e que o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, provavelmente visitaria Pequim em um futuro próximo – o S&P 500 se recuperou em 1,7%.
- Após conseguir essa recuperação nos mercados financeiros dos EUA, o presidente Trump iniciou um novo ataque à China exigindo que as empresas dos EUA tivessem permissão do governo dos EUA para vender componentes e software para a Huawei.
- A China então respondeu fortemente a isso em 23 de maio. Como o Wall Street Journal observou: “O Índice Industrial Dow Jones caiu 286 pontos na quinta-feira […] depois que uma autoridade chinesa disse que os EUA deveriam ‘ajustar suas ações erradas’ se quiserem continuar as negociações. As perdas puxaram os industriais da Dow para o vermelho durante a semana, continuando um período sombrio à medida que se aproximava de sua quinta derrota semanal consecutiva – o que seria a mais longa sequência de derrotas desde 2011”.
- Em resposta a essa queda nos mercados financeiros dos EUA, o presidente Trump imediatamente suavizou sua retórica ao anunciar em uma coletiva de imprensa que havia uma “boa possibilidade” de que as negociações comerciais com a China voltassem aos trilhos e que as questões com a Huawei fossem resolvidas.
A lógica de curto prazo foi, portanto, extremamente clara. Quando não houve reação da China, os mercados financeiros dos EUA não caíram, e Trump continuou sua hostilidade contra a China. Quando, ao contrário, a China respondeu fortemente, os mercados financeiros dos EUA caíram e Trump tentou apresentar uma imagem de que estava atenuando sua hostilidade à China.
Além desses movimentos de curto prazo analisados acima, o mesmo processo, a longo prazo, também explica a dinâmica do “endurecimento” e “suavização” das posições da administração Trump no curso de suas negociações com a China.
- Durante 2018, quando a economia dos EUA estava experimentando um fortalecimento econômico, durante uma retomada normal de um ciclo de negócios, e com um mercado de ações forte, Trump agiu agressivamente para com a China – lançando o primeiro conjunto de tarifas anti-China e ameaçando expandi-las para uma gama mais ampla de produtos e aumentar sua taxa para 25%.
- Então, no final de 2018, a economia dos EUA começou a desacelerar, a Reserva Federal estava elevando as taxas de juros e o mercado de ações dos EUA caiu. Em resposta a isso, no início de 2019, Trump “suavizou” sua posição – adiando o aumento das tarifas dos EUA contra a China de 10% para 25%.
- Quando a economia dos EUA pareceu se recuperar no primeiro trimestre de 2019, com a Reserva Federal suspendendo os aumentos nas taxas de juros e o mercado de ações subindo, Trump anunciou novas ações agressivas contra a China, elevando as tarifas de 10% para 25%.
Isso, portanto, reflete claramente a estrutura de “perda-perda” na qual a administração Trump opera. Quando a “perda” ou “dor” nos mercados financeiros dos EUA não é grande, a administração Trump continua a atacar a China. Quando, pelo contrário, a reação da China aumenta a dor nos mercados financeiros dos EUA, Trump age de forma mais razoável. Isto é, sempre que a administração Trump se sente em uma posição mais forte, aumenta seus ataques à China, sempre que a administração Trump se sente mais fraca devido à dor nos mercados financeiros dos EUA, ela age de forma mais razoável com a China.
Qual é o resultado final da administração Trump?
Embora o acima exposto mostre claramente por que a administração Trump não responderá a uma estrutura “ganha-ganha”, mas apenas à dor econômica, para evitar qualquer mal-entendido, deve ficar claro que isso não leva à conclusão de que EUA e China estão destinados a uma “guerra até a morte”. O que se sabe é que o presidente Trump está menos interessado nos interesses de longo prazo dos EUA do que a maioria dos presidentes. A dor econômica que é inaceitável para a sua administração é o que levaria a pôr em risco a sua reeleição em 2020.
Uma comparação relevante que ajuda a entender essa dinâmica é a de uma guerra real, não apenas comercial, que os EUA perderam – a guerra do Vietnã. As táticas do Vietnã nesse sentido eram hábeis pois os impactos políticos orientavam os objetivos militares. As duas maiores ofensivas vietnamitas da guerra, a Ofensiva do Tet, em 1968, e a Ofensiva da Páscoa, em 1972, foram lançadas nos anos da eleição presidencial nos EUA. Nenhuma resultou na derrota militar dos EUA, mas o dano político feito aos presidentes dos Estados Unidos garantiu a vitória do Vietnã – Johnson foi forçado a abandonar qualquer tentativa de concorrer à reeleição como presidente após Tet, e Nixon estava tão convencido de que a sua posição como presidente seria ameaçada pela guerra que ele iniciou uma retirada militar progressiva dos Estados Unidos depois de 1968 e decidiu pela retirada total das tropas americanas após a ofensiva de Páscoa de 1972. Em suma, um ponto fundamental para a vitória do Vietnã contra os EUA não foi a derrota militar total dos EUA, o que nunca foi alcançado, mas foi infligido tanto sofrimento aos presidentes dos EUA que para salvaguardar sua própria posição eles foram forçados a se retirar. A luta militar no Vietnã foi o meio pelo qual a vitória política decisiva sobre os EUA foi alcançada.
Mas a pré-condição para essa derrota política dos EUA foi a luta militar no Vietnã. Se o Vietnã tivesse deixado de infligir dor aos EUA, tanto em termos do custo gigantesco da guerra quanto em termos de perdas das forças americanas, os EUA, em vez de se retirarem, aumentariam seus ataques ao Vietnã. Isso pode ser visto claramente no caso oposto em que os EUA alcançaram uma grande vitória – a destruição da URSS. Gorbachev tentou apaziguar os EUA e implorar por misericórdia. Os EUA não diminuíram, mas aumentaram seus ataques – culminando na desintegração catastrófica da própria URSS, caracterizada por Putin como “a maior catástrofe geopolítica do século 20”. Depois desta tremenda derrota da Rússia, isso não levou a uma redução, mas a uma intensificação dos ataques contra a Rússia por parte dos EUA – incorporando quase toda a Europa Oriental e grande parte da antiga URSS à OTAN e lançando ataques à posição da Rússia em seu estratégico território vizinho, a Ucrânia.
A conclusão estratégica dos atuais ataques dos EUA à China confirma plenamente o discurso de Xi Jinping, enfatizando que o mais importante é confiar neles mesmos. A China não tem procurado um confronto com os EUA, uma “perda-perda”. Pelo contrário, a China tem buscado um “ganha-ganha”. Mas uma vez que a administração Trump embarcou no curso de um confronto de “perda-perda”, então tal luta só pode ser vencida pela China confiando em sua própria força. Dor suficiente deve ser infligida a ponto da administração Trump decidir que é melhor abandonar o confronto. E os critérios pelos quais se deve julgar se a dor no confronto é suportável é o efeito sobre as chances de reeleição de Trump.
Felizmente, a luta atual é uma guerra econômica e não uma guerra real. As “armas pequenas” nesta guerra econômica não são fuzis e revólveres, mas tarifas contra agricultores e os subsídios que elas exigem, suas “armas médias” são boicotes de consumidores e sua artilharia pesada são questões como o impacto nos mercados financeiros dos EUA analisados acima. É uma medida do gigantesco progresso histórico feito pela China desde 1949 sob a República Popular da China, que agora só tem que lidar com os ataques econômicos do governo Trump – um século antes, a China teve que lidar com as invasões militares reais.
Os sacrifícios feitos pelos heróis da Longa Marcha foram muito maiores do que qualquer coisa que o povo da China enfrenta hoje nos ataques econômicos da administração Trump. Mas as comparações feitas por Xi Jinping à Longa Marcha são inteiramente adequadas e não meramente referências à tradição histórica do PCC.
A Quinta Campanha de Encorajamento do Kuomintang, a origem da Longa Marcha, foi projetada pelo KMT para destruir as forças de oposição – por isso ela também é chamada de “Quinta Campanha de Extermínio”. Não havia sentido em tentar apaziguar, ou pedir misericórdia ao KMT, que estava determinado a destruir as forças que, futuramente, criariam a Nova China. Qualquer apaziguamento, ou apelo por misericórdia, teria sido rejeitado pelo KMT, que esmagaria e massacraria as forças a que se opunham. Apenas a resistência ao KMT foi capaz de abrir caminho para a construção da República Popular da China e dar as bases para o rejuvenescimento nacional da China.
Similarmente, a administração Trump está determinada a bloquear o rejuvenescimento nacional da China. Como já foi demonstrado, não há sentido em suplicar por misericórdia, pois isto apenas a tornará mais agressiva. O objetivo final dos neo-conservadores no comando das políticas administrativas de Trump é bloquear o rejuvenescimento nacional da China e encontrar uma maneira de garantir que a China sofra a mesma catástrofe que a URSS sofreu sob o comando de Gorbachev.
Quem é a “elite” da sociedade chinesa?
A análise na China mostra que são pessoas comuns que entenderam as ações agressivas do regime de Trump e apoiaram as posições firmes de Xi Jinping e outros líderes do PCC.
É uma parte da “elite social” que entendeu mal a situação e acreditava que pedir por misericórdia e pacificação levaria a administração Trump a suavizar suas hostilidades à China. Estas partes são o exato oposto de uma “elite intelectual” – pois ser parte de uma elite intelectual significa compreender a situação, e como vimos, estão totalmente errados. São as pessoas comuns da China que se mostraram a “elite intelectual” ao adotarem uma compreensão precisa da administração Trump e apoiando as posições tomadas pelas lideranças do PCC. Aqueles que erroneamente analisaram a situação podem ser ou não uma elite social, mas sem dúvidas eles são uma “não-elite” intelectual – aqueles que não conseguem enxergar a situação com precisão e têm ilusões ingênuas.
Conclusão
A análise da situação da economia dos EUA e dos mercados financeiros confirma, portanto, a análise feita por outros da situação na China.
Isso mostra por que a administração Trump não pode ser tratada com base em “ganha-ganha”, mas somente com base na força da China e assegurando que o governo Trump sofra severamente no caminho da “perda-perda” que infelizmente escolheu. Somente depois que a administração dos EUA constatar que sofre com o caminho atual, será possível retornar a uma estrutura “ganha-ganha” entre a China e os EUA.
*Este artigo foi publicado em chinês no site Guancha.cn.