Manifestantes de Hong Kong contrários a uma emenda à lei de extradição do território autônomo para a China continental tentaram invadir o Parlamento no dia 11 de junho. As mensagens do protesto e dos grupos associados a ele, todavia, levantam várias questões sobre quão orgânico é o movimento.
Alguns dos grupos envolvidos recebem financiamento significativo da National Endowment for Democracy (NED), um recorte de soft power da CIA que tem desempenhado um papel crítico em inúmeras operações de mudança de regime patrocinadas pelos EUA.
A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, analisou o projeto, que está tramitando no Parlamento de Hong Kong, argumentando que, se ele for aprovado, o Congresso americano não terá outra alternativa senão reavaliar se Hong Kong é “suficientemente autônoma” sob o princípio de “um país, dois sistemas”.
O Departamento de Estado também ponderou, dizendo que o projeto poderia “minar a autonomia de Hong Kong e impactar negativamente a longo prazo a proteção dos direitos humanos, liberdades fundamentais e valores democráticos”.
Os ministérios das Relações Exteriores do Canadá e da Grã-Bretanha também demonstraram preocupação quanto aos opositores da lei.
Tudo indicava que os manifestantes estavam apenas começando. Na quarta-feira seguinte, alguns disseram à imprensa internacional que tentariam invadir o Parlamento novamente. Os manifestantes foram recebidos com gás lacrimogêneo e balas de borracha pela polícia.
Os manifestantes parecem estar tentando conscientizar as plateias ocidentais, usando a hashtag “AntiExtraditionLaw” (Contra a Lei da Extradição) e cartazes em inglês. Em uma fotografia, um grupo mantém dezenas de bandeiras antigas de Hong Kong, de quando o território estava sob controle da Coroa britânica, com um cartaz que acusa a China de “colonialismo”.
Os principais protestos felicitam uma pequena mudança na lei
A emenda à lei de extradição “permitiria, caso a caso, que Hong Kong entregasse fugitivos a jurisdições que não contam com acordos de extradição a longo prazo com a cidade”. Entre essas jurisdições, estão a China continental e Taiwan. Ian Goodrum, um jornalista americano que trabalha na China para o jornal estatal China Daily, disse ao MintPress News:
“É uma pena que tenha havido toda essa algazarra sobre o que é um ajuste à lei bastante rotineiro e razoável. Conforme estabelece a lei atual, não há nenhuma maneira legal de impedir que criminosos de outras partes da China escapem das acusações fugindo para Hong Kong. Seria como a Louisiana – que, você se lembra, tem um sistema de justiça próprio – se recusando a enviar fugitivos para o Texas ou a Califórnia por crimes cometidos nesses estados.
Honestamente, isso é algo que deveria ter sido parte do acordo feito antes da devolução da cidade à China em 1997. Naquela época, maus atores usavam o medo irracional em relação à China continental para empurrar com a barriga a entrega da cidade e estamos vendo hoje as consequências.”
A agenda americana se agita graças às ONGs
Como o governo americano, o complexo industrial de ONGs parece estar a todo vapor. Cerca de 70 organizações não governamentais, muitas delas internacionais, endossaram uma carta aberta pedindo que o projeto de lei seja enterrado. Contudo, ela é assinada apenas por três organizações diretoras: Anistia Internacional, Human Rights Watch e Hong Kong Human Rights Monitor (HKHRM).
Os protestos marcam o mais recente surto nas antigas tensões envolvendo o relacionamento de Hong Kong com a China continental. Em 2014, muitos dos grupos associados ao movimento atual realizaram um protesto “Occupy” por questões de autonomia.
Ironicamente, a questão da autonomia não é só importante para os habitantes de Hong Kong, mas também para o governo americano. E nem tudo são só palavras duras: o governo americano está turbinando alguns dos organizadores dos protestos com muito dinheiro por meio da NED.
Manter Hong Kong distante da China tem sido importante para os EUA por décadas. Um ex-agente da CIA chegou a admitir que “Hong Kong era nosso posto de escuta”.
Como o MintPress News já reportou:
“A NED foi fundada em 1983 após uma série de escândalos que expuseram as ações secretas da CIA contra governos estrangeiros. ‘Seria terrível para os grupos democráticos em todo o mundo serem vistos como subsidiados pela CIA’, disse o presidente do NED, Carl Gershman, ao New York Times em 1986. ‘Nós percebemos isso nos anos 1960, e é por isso que o programa da CIA foi descontinuado. Não tínhamos a capacidade de fazê-lo, e é por isso que os fundos da NED foram criados’.
Outro fundador da NED, Allen Weinstein, concedeu uma entrevista a David Ignatius do jornal Washington Post: ‘Muito do que fazemos hoje foi feito secretamente há 25 anos pela CIA’.”
A NED tem quatro filiais principais, das quais pelo menos duas estão ativas em Hong Kong: o Centro de Solidariedade (SC) e o Instituto Nacional Democrático (NDI). Este último está ativo em Hong Kong desde 1997, e o financiamento da NED para grupos com base em Hong Kong tem sido “consistente”, afirma Louisa Greve, vice-presidente de programas para a Ásia, Oriente Médio e Norte da África. Enquanto o financiamento da NED para grupos em Hong Kong, na verdade, remonta a 1994, foi em 1997 que o território foi transferido de controle pelos britânicos.
Em 2018, a NED concedeu US$ 155 mil para o SC, US$ 200 mil para o NDI para atuarem na cidade e US$ 90 mil para a HKHRM, que não é uma filial da NED, mas uma parceira em Hong Kong. Entre 1995 e 2013, o HKHRM recebeu mais de US$ 1,9 milhões em fundos da NED.
Por meio de suas filiais da NDI e SC, a NED mantém estreitas relações com outros grupos em Hong Kong. O NDI trabalhou com a Associação de Jornalistas de Hong Kong, o Partido Cívico, o Partido Trabalhista e o Partido Democrático de Hong Kong. Não está claro se essas organizações receberam financiamento do NED. No entanto, o SC deu US$ 540 mil para a Confederação de Sindicatos de Hong Kong no curso de apenas sete anos.
A coalizão citada pela mídia de Hong Kong, incluindo o South China Morning Post e a Hong Kong Free Press, como organizadora das manifestações da lei anti-extradição é chamada de Frente Civil de Direitos Humanos. O site dessa organização lista a HKHRM (financiada pelo NED), a Confederação de Sindicatos de Hong Kong, a Associação de Jornalistas de Hong Kong, o Partido Cívico, o Partido Trabalhista e o Partido Democrata como membros da coalizão.
É inconcebível que os organizadores dos protestos não estejam cientes dos laços da NED com alguns de seus membros. Durante os protestos do Occupy em 2014, Pequim lidou com a grandeza da influência da NED nos protestos e na influência estrangeira que eles que representavam. A diretora da NED, Greve, chegou a dizer à Voz da América, rádio do governo americano, que “os ativistas sabem dos riscos de trabalhar com parceiros da NED” em Hong Kong, mas fazem isso de qualquer maneira.
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