Uma abertura está surgindo para que Berlim possa incluir a Huawei na instalação da rede 5G da Alemanha – contrariamente à massiva campanha dos EUA. O presidente do Escritório Federal de Segurança da Informação (BSI), Arne Schönbohm, declarou que “um tratado anti-espionagem” entre a Alemanha e a China poderia ajudar, abrindo a possibilidade da participação da Huawei na montagem da rede. A chanceler Angela Merkel vem buscando concluir tal acordo.
A indústria é favorável ao uso da tecnologia Huawei, pois ela promete ser a construção mais rápida e econômica de uma rede 5G estrategicamente importante. Especialistas alertam que, sem a Huawei, a Alemanha pode ficar, pelo menos, dois anos atrasada no seu desenvolvimento da rede 5G.
Entretanto, tornou-se conhecido que, durante anos, a NSA esteve espionando não só o presidente chinês, mas também a própria Huawei. Reconhecidamente, os espiões americanos não podem mostrar qualquer prova de envolvimento da Huawei em operações de espionagem – mesmo depois de lerem os e-mails de vários funcionários e do presidente do conselho da empresa.
“Nenhum risco inaceitável”
Um ponto de inflexão na intensa disputa sobre a participação da chinesa Huawei Corporation na criação da rede 5G da Alemanha e da Europa se tornou aparente há alguns meses. Foram divulgados os resultados de uma investigação oficial no Reino Unido, realizada pelo Centro Nacional de Segurança Cibernética (NCSC) – um braço do Serviço Britânico de Comunicações do Governo britânico (GCHQ).
Ao contrário das acusações dos serviços de inteligência dos EUA, a investigação britânica concluiu que o uso da tecnologia Huawei 5G não apresenta riscos inaceitáveis de segurança. Essa declaração de Londres não significa que a empresa chinesa estará envolvida na construção da rede 5G da Grã-Bretanha. O governo é quem tomará essa decisão. Todavia, a avaliação do NCSC fornece a Berlim uma nova margem de manobra.
O serviço de inteligência britânico saberia melhor do que todos os outros – por meio de sua cooperação particularmente próxima da rede de inteligência “Cinco Olhos” com os serviços dos EUA – o quão bem fundamentadas as acusações de Washington contra a Huawei são.[1] Caso eles derem um passo adiante, o governo alemão poderá considerar a Huawei confiável. O diretor do NCSC, Ciaran Martin, confirmou a avaliação de que, a princípio, não há objeções à Huawei.[2]
“Uma decisão política”
Após a entrega por Londres dessa oportunidade de ouro, Berlim agora também está se tornando ativa no debate sobre o tema. Noticiou-se que a chanceler Merkel pretende chegar a um “acordo anti-espionagem” com a China. Seu conselheiro econômico, Lars-Hendrik Röller, visitou recentemente a República Popular da China para negociações quanto a essa matéria. Se Pequim aceitar, o governo alemão não se oporá à Huawei.[3]
O presidente do BSI, Arne Schönbohm, repetiu, no passado, não ter encontrado provas de envolvimento da Huawei em atividades de espionagem, na instalação das chamadas backdoors (“porta dos fundos”) em redes alemãs ou em manipulações similares. Em meados de maio, o presidente da BSI havia dito que a decisão de excluir a empresa chinesa da construção da rede 5G alemã seria uma decisão totalmente “política”.[4] Schönbohm declarou que “nenhuma cláusula sobre espionagem” teria um papel definitivo na decisão do governo alemão,[5] contudo enfatizou que tais cláusulas teriam que ser parte de um acordo de governo para governo.
Sobre os interesses econômicos
Berlim está tentando evitar o boicote à Huawei – uma persistência enunciada em voz alta por Washington – por causa da pressão da comunidade empresarial da Alemanha. No final de janeiro, ficou claro, de acordo com um documento interno, que a Deutsche Telekom – a maior companhia de telecomunicações da Alemanha e da União Europeia – calcula que remover a Huawei da lista de fornecedores de redes de quinta geração atrasaria a operação da tecnologia em, pelo menos, dois anos.[6]
O fato de a Huawei ter a tecnologia mais avançada disponível, oferecer o melhor serviço e ter a maior experiência com o 5G – já que é líder em seu mercado doméstico, a China – explica por que sua exclusão causaria tal atraso.
Segundo uma investigação da empresa de consultoria Deloitte, entre 2015 e agosto de 2018, a República Popular da China instalou cerca de 350 mil retransmissões de rede de telefonia celular para suporte ao 5G. Os países europeus instalaram muito menos, e os EUA nem 30 mil. [7]
As empresas alemãs também temem que, se a Huawei for excluída, pode haver menos contratos chineses, o que é um argumento importante, devido à alta significância do acesso ao mercado chinês.
Associações alemãs, como a Federação das Indústrias Alemãs (BDI), também rejeitam estritamente o afastamento do setor de telecomunicações chinês, como Washington pretende impor (conforme reportado pelo german-foreign-policy.com).[8] Devido à falta de recursos próprios em áreas como direção autônoma e inteligência artificial (IA), as empresas alemãs dependem hoje da cooperação intensiva com empresas chinesas.
Luta pela autonomia
Por outro lado, Berlim está sendo confrontada com os esforços de Washington para frustrar as tentativas da Alemanha de desenvolver uma política global autônoma. As iniciativas dos EUA são motivadas pelo fato de que o governo alemão se esforça explicitamente para “alcançar uma posição de equilíbrio” com Washington (fato reportado pelo german-foreign-policy.com).[9] Isso significaria uma perda da influência americana.
Enquanto o governo Obama procurou manter seu domínio integrando fortemente a Alemanha e a UE, o governo Trump está optando por um confronto aberto.[10] Atualmente, está tentando impedir que Berlim e Bruxelas desenvolvam com sucesso suas próprias iniciativas, particularmente seus esforços para salvar o acordo nuclear com o Irã e tornar operacional o gasoduto Nord Stream 2 (Gasoduto Russo-Alemão).
Além disso, as tarifas punitivas dos EUA e sua guerra comercial com a China estão infligindo perdas comerciais palpáveis às empresas alemãs, com Berlim não estando em posição de se defender. Já não é mais perceptível se o governo alemão cederá ao conflito pela Huawei, o que afetaria sua desejada autonomia.
Espiando sobre os ombros
À medida que o momento de tomada de decisão se aproxima, um relatório confirma as suspeitas de que – ao contrário das alegações dos EUA – não há prova pública nem sequer secreta para sustentar a acusação de que a Huawei está colaborando com as instituições oficiais chinesas ou mesmo os serviços de inteligência chineses.
Documentos publicados por Edward Snowden indicam que o serviço de inteligência da NSA dos EUA começou a espionar a Huawei em 2006. Segundo esse relatório, os agentes de inteligência dos EUA obtiveram acesso a aproximadamente 100 pontos diferentes da rede interna da empresa, roubando uma lista de mais de 1.400 nomes de clientes, bem como instruções internas de treinamento para engenheiros da Huawei e quebrando os códigos-fonte secretos de vários produtos da Huawei.[11]
Em 2009, essa operação de escuta não só foi expandida para incluir outras empresas de telecomunicações e bancos chineses, mas também os ministérios do Exterior e do Comércio de Pequim e o presidente Hu Jintao. A escuta também foi intensificada em relação à Huawei.
É relatado que a NSA havia lido “uma grande parte do tráfego de e-mail dos funcionários” – “incluindo os e-mails do presidente da companhia, na época, Ren Zhengfei, e da presidente do conselho fiscal, Sun Yafang”. Apesar desse ataque abrangente, reporta-se que nem um único fragmento de prova foi descoberto indicando a influência das autoridades estatais na Huawei ou a instalação de backdoors ou outras formas de manipulação.
“Tudo o que o governo dos EUA quer”
Além do relatório esclarecer sobre as alegações constantes de necessidade de se proteger contra a espionagem chinesa e russa na Internet, o autor aponta para outro aspecto importante: não se conhece um único caso, até o momento, em que o Estado chinês ou as empresas chinesas instalaram sub-repticiamente “interruptores capazes de atacar setores completos da rede sem fio”.
Entretanto, os documentos de Snowden mostram “que a NSA infectou dezenas de milhares de computadores com um software adormecido, que pode ser ativado por um interruptor e fazer o que o governo dos EUA quiser – mesmo em caso de dúvida, atacar a rede de celulares de um país estrangeiro”.[12]
Como o Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) observou, “os produtos da empresa norte-americana Verizon não estão mais sendo usados na rede do governo e do Parlamento alemães” – por um bom motivo.[13] [rev_slider alias=”livros”][/rev_slider]
Fontes:
[1] – Veja também Spionage bei 5G.