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Cuba-União Europeia: De Aznar e sua “Posição Comum” às Leis Espelhos

A política de Trump é caótica, contraditória; é cheia de erros e problemas, mas em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua não podemos ter ilusões.
por Esteban Morales* | Rebelión – Tradução de Gabriel Deslandes
(Foto: Pedro Szekely / Flickr)

Para Cuba, o período de 1989-1993, até a tênue recuperação de 1994 com um PIB de 0,7%, foi o momento mais difícil da crise econômica. Uma recessão com aparência de crise social, que ainda não é possível considerar que tenha sido totalmente superada.

Em 1992, os Estados Unidos proclamaram a chamada Lei Torricelli, que tinha como objetivos, em parte, frear o comércio de Cuba com subsidiárias de empresas norte-americanas em países terceiros e, ao mesmo tempo, criar uma linha ideológica para subverter o processo revolucionário cubano por dentro.

Em reforço ao caráter transnacional da política de bloqueio, esperava-se aproveitar a difícil situação econômica que Cuba vivia naquele momento para dar o golpe de misericórdia na Revolução com uma “mudança de regime”.

Até então, o presidente Bill Clinton (1993-2001) encontrava na União Europeia (UE), com o presidente do governo espanhol José María Aznar (1996-2004) à frente, todo o apoio necessário para pressionar Cuba com a chamada “Posição Comum”, que condicionava a cooperação a mudanças políticas internas.

A UE, como uma aliada fiel, seguia a política americana em relação a Cuba, tentando forjar um consenso para subvertê-la, em troca de se livrar do Artigo III da “Lei para a liberdade cubana e a solidariedade democrática”, mais conhecida como Lei Helms-Burton – por conta do sobrenome de seus autores – e sancionada por Clinton em março de 1996.

Essa situação provocou uma controvérsia, na qual a UE, enquanto tal, pressionou Cuba, embora alguns de seus membros, de maneira isolada – ou seja, separadamente – tentassem se aproximar da nação caribenha.

Entretanto, eram apenas ameaças, e a execução do Artigo III da Lei Helms-Burton, que codificou em um órgão legislativo os instrumentos do bloqueio contra Cuba, iniciado em 1962, nunca foi deflagrada.

Até então, muitos países europeus e outros mundo afora ameaçaram seriamente aplicar as chamadas Leis Espelho, acusando os EUA perante a Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto se preparavam para devolver os golpes, inclusive propondo um Painel Contencioso ante a OMC.

Esse foi o ambiente, frente à possibilidade por 24 anos de aplicação do Artigo III. Washington acusava Cuba de que suas medidas de nacionalização não tinham legalidade e que aquilo que havia sido feito após a Revolução consistia no roubo de propriedades americanas.

Até que o presidente Donald Trump decidiu colocá-lo em prática no dia 2 de maio. Os EUA estão novamente perdendo tempo, somente ameaçando, ou já existem condições que justifiquem a implementação do artigo acima mencionado?

Sem dúvida, havia razões para não implementar o Artigo III, que dá aos cidadãos norte-americanos, incluindo os de origem cubana que deixaram o país depois do triunfo revolucionário de 1959, o direito de processar aqueles que estejam “trafegando” nas suas propriedades nacionalizadas nos anos 1960 pelo governo do falecido Fidel Castro (1959-2006).

Mas existem agora razões para implementá-lo? De fato, longe de ter mudado a situação que justificava a não implementação do Artigo III quando a lei foi aprovada, essas razões não só permanecem as mesmas, mas o cenário é ainda pior para Trump do que foi para os outros presidentes anteriores.

Quando a Lei Helms-Burton foi aprovada em 1996, os EUA desfrutaram de várias vantagens que não possuem mais.

Vamos ver quais foram algumas dessas vantagens:

– Cuba estava saindo da crise econômica que havia acossado o país durante o período 1989-1994.

– Em 1992, a chamada Lei Torricelli a atingiu impedindo o comércio e depois, em 1996, a chegada da Lei Helms-Burton passou a impedir o investimento estrangeiro na ilha. O colapso do mercado socialista e, em particular, da União Soviética foi sentido com força.

– Aznar impôs à UE a chamada “Posição Comum” (1996 e 2016), que consiste em um conjunto de pressões para forçar Cuba a aceitar sua política de direitos humanos e avançar rumo a uma economia de mercado, se quisesse reativar suas relações econômicas com a Europa.

– Cuba estava apenas começando a recuperar seu comércio com os países europeus e suas relações com ex-socialistas.

Então, diante das dificuldades que sofreriam seus aliados com a execução do Artigo III, os EUA a adiaram até agora, embora a situação atual seja menos favorável. Pois nenhum de seus aliados compartilha da ideia de pressionar Cuba. Todos estão dispostos a defender seus investimentos na ilha, e o bloqueio é mais impopular do que nunca, sobretudo se lembrarmos da abstenção do presidente Barack Obama (2009 – janeiro de 2017) ante a resolução de Cuba nas Nações Unidas em 2017 e se trouxermos para o cenário atual a derrota sofrida pelos EUA, apesar das manobras que tentaram por em prática na Assembleia Geral de 2018.

Talvez, tudo isso possa nos levar a pensar que Trump já considera perdidas todas as oportunidades de sua política contra Cuba. Porém, não vamos nos enganar. Se para os EUA, as razões e dificuldades para aplicar o Artigo III são hoje mais agudas e contraditórias, por que se verifica que justamente agora o governo americano decidiu colocá-lo em vigor?

É verdade que agora há menos razões do que nunca, tanto nos EUA quanto no resto do mundo, para Trump ter tomado essa decisão. O mundo está contra Trump na política de bloqueio e não expressou qualquer apoio para aplicá-la – e sim exatamente o oposto. Além disso, países como a China e a Rússia se opõem fortemente aos EUA no desmantelamento da economia cubana.

Então, onde estão as razões agora? Onde estão agora as oportunidades que Trump poderia pensar que lhe permitiriam converter tais medidas contidas no Artigo III da Lei Helms-Burton em um acontecimento exitoso de sua política anti-Cuba?

Acho que não há alternativa senão fazer um esforço para imaginar como é que Trump está agora calculando a aplicação do Artigo III da Lei Helms-Burton, apesar do nível da oposição com a qual ele está tropeçando interna e mundialmente.

Considero que Trump pensa em uma possibilidade de sucesso dessa política, pois Cuba está passando hoje por uma situação econômica extremamente difícil. Nos próximos meses, essas dificuldades serão extremas, podendo até nos levar ou nos colocar à beira de um novo Período Especial.

Não foi dito exatamente assim; mas o governo cubano admitiu que os próximos meses serão de sérias dificuldades econômicas; essa é a atmosfera que se respira com a escassez revelada, e essa é a preocupação da maioria da nossa população.

Além disso, foi dito que o crescimento do nosso PIB (Produto Interno Bruto) será algo semelhante ao do ano passado. E isso dito pelo nosso ministro da economia, Alejandro Gil. O máximo que podemos esperar para este ano é que o PIB não diminua.

O que significa, então, que a política americana observa mais do que nunca a dinâmica de nossa realidade interna, em particular a economia, já que esta continua sendo a chave, a variável fundamental com a qual se está contando para o recrudescimento de sua política hostil para com Cuba.

Toda a política externa de Trump é caótica, contraditória e nem um pouco bem-sucedida; é cheia de erros e problemas, mas em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua não podemos ter ilusões. Você tem que olhar para frente e com objetividade, pois se trata de um trio de nações para as quais Trump declarou guerra e que não estão passando por uma situação interna confortável.

Para Trump e aqueles que o seguem, tentando liderar as piores ações contra Cuba e amplificando nossos problemas, não é menos verdade que as situações são difíceis e que existem fatores considerados favoráveis ​​para seus planos contra Cuba.

Esses não são inimigos improvisados. São os habituais, representativos dos setores mais adversos da emigração cubana nos Estados Unidos, que encontraram no governo Trump o espaço favorável para levar adiante seus planos para a destruição da Revolução Cubana.

Não é menos verdade que os EUA não contam mais com o cenário para exercerem sua hegemonia impunemente, tendo diante de si múltiplas forças internas e externas que a neutralizam, limitando seu poder de cumprir os planos que projetou contra Cuba.

Porém, Cuba, por sua vez, ameaçada dentro da conjuntura em que tenta-se executar o Artigo III, não pode deixar de nos fazer trabalhar duro e contra um tempo que não está sobrando.

É verdade que Trump tem dificuldades de aplicar contra Cuba a política que ele perseguiu desde o início de seu mandato. Contudo, não devemos confiar em suas dificuldades, mas prestar atenção ao conjunto de forças que devemos mobilizar em nossa economia para evitar e impedir a realização de suas aspirações contra Cuba.

Forças que, em princípio, estão dentro de Cuba. E tampouco devemos depender da solidariedade nem da ajuda que possa vir de fora, mas confiar em nossas próprias capacidades internas – e as temos – para conjurar o destino que os EUA prepararam para nós.

* Esteban Morales é economista, cientista político e analista cubano.

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