Há 50 anos, na altura do número 800 da Alameda Casa Branca, em São Paulo, era assassinado o inimigo número 1 da ditadura militar no Brasil, Carlos Marighella.
Nesta segunda-feira (4), parentes, amigos, ex-membros da Ação Libertadora Nacional (ALN) e militantes de partidos e movimentos sociais estiveram no local de sua morte para prestar-lhe homenagens. O ato contou também com a presença de Clara Charf, viúva de Marighella, e da neta do guerrilheiro, Maria Marighella.
Em 4 de novembro de 1969, Manoel Cyrillo, ex-combatente da ALN, se encontrava preso. Ele havia participado, no dia 4 de setembro, da captura do embaixador norte-americano, Charles Elbrick, em uma ação que libertou 15 presos políticos em troca da libertação do embaixador: “Foi terrível. Primeiro que nós estávamos ainda no DOPS, ainda estávamos na fase de inquérito. Como ia chegar uma leva de mais de 50 pessoas que foram presas por ocasião da emboscada contra o Marighella, os padres dominicanos, etc. Todo aquele grupo enorme de gente, eles precisavam liberar espaço. Então tiraram todo o pessoal que estava na carceragem do DOPS e mandaram, às pressas, para o Presídio Tiradentes. Na noite do assassinato, os mais provocadores deles, os mais filhos da p*ta, foram lá para ‘contar a novidade’ à base da provocação, querendo abaixar o nosso moral, querendo abater a gente emocionalmente e psicologicamente”, conta. “Tínhamos que acreditar, montaram a foto e apresentaram ela. Não tinha o que discutir, não podíamos se iludir: estava claro. Foi uma perda lamentável, uma baixa violentíssima, mas que tivemos que aceitar. Tinha que continuar a resistência. Passei dez anos em cana, imagine se nos primeiro meses eu resolvesse baquear, me desestruturar. Eu não tinha esse direito, não é verdade? Para enfrentar a cadeia tem que estar inteiro”, lembra ele.
O também ex-combatente da ALN, Aton Fon Filho, estava no Rio de Janeiro, ouvindo o rádio, quando soube da morte de Marighella: “Em primeiro lugar eu não achei que fosse verdade. Mas depois vieram uma sucessão de confirmações, e o impacto foi de muita tristeza, de desespero. Foi um impacto muito grande, porque na verdade o Marighella, já naquele momento, representava não apenas o comando da ALN, como também o comando de todo um processo. Não era à toa que havia sido declarado inimigo público número 1 pela ditadura, porque ele era a pessoa que tinha a visão estratégica, de por onde seguia o caminho revolucionário, onde deveriam ser concentrados os nossos esforços, tudo isso”, conta. “Muitas vezes as pessoas não entendem quando Marighella falava do princípio da autonomia tática; as pessoas muitas vezes dizem ‘cada um fazia o que queria’. Não se tratava disso. Para o Marighella estava claro que ninguém precisava pedir licença para praticar atos revolucionários. Mas quais eram os atos revolucionários? Exatamente aqueles que estava concordes com uma estratégia de luta pela libertação nacional, em defesa da soberania e dos interesses do povo, e também uma estratégia que fosse capaz de acumular forças para enfrentar concretamente a militarização de todos os espaços políticos que a ditadura tinha imposto”, ressaltou. Sobre o crescente resgate da figura e história de Marighella, Fon Filho é enfático: “Quando o povo quer encontrar os caminhos, ele vai ver que a humanidade só se coloca problemas para os quais já existem soluções: e a solução está colocada no pensamento de Carlos Marighella.”
Histórico militante comunista e companheiro de Marighella na ALN, Raphael Martinelli (95 anos) ressaltou a necessidade da disciplina: “O revolucionário tem que ter disciplina. Eu sou culpado disso… o Marighella estar morto, sou culpado também. Porque a organização revolucionária tinha que ter nossos quadros aqui. Ele [Marighella] marcou ponto com fulano, nós teríamos que estar na esquina, fazendo levantamento. Com ‘metranca’, mesmo, para enfrentar os filhos da puta. Olha o que aconteceu! Dispersamos a vigilância e a segurança, e eles mataram ele tranquilamente. Isso é um erro!”
A viúva do fundador da ALN, Clara Charf, falou ao final da homenagem. “Eu tenho sofrido ao mesmo tempo dores e alegrias. Dores porque é impossível não ter dor em saber que a gente perdeu uma figura tão maravilhosa, não só pro Brasil, mas que serviu de exemplo para a América Latina e pro mundo, que foi o Marighella. Mas ao lado disso tem também os jovens de hoje. Eu acho fantástico que toda vez que um jovem aparece protestando, eles mesmo dizem: ‘eu sou como Marighella, eu queria ser como Marighella’. E eu acho que todo lutador pode ser um Marighella: depende da continuidade, da firmeza da luta que ele queira fazer.”
Às 18h30, haverá também um ato público com familiares e companheiros de Marighella na Câmara Municipal de São Paulo.
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