Com a recente publicação, poucos meses atrás, de “Poisoner in Chief: Sidney Gottlieb and the CIA Search for Mind Control”, de Stephen Kinzer (algo como “Envenenador-em-Chefe: Sidney Gottlieb e a busca da CIA pelo controle da mente”, em tradução livre), veio à luz uma figura das mais profundas sombras do Estado norte-americano. Essa figura é Sidney Gottlieb.
Gottlieb era químico de formação e foi recrutado pela CIA em 1951, em razão do interesse da agência por experimentos de controle da mente. Trafegando nas sombras do “Estado profundo” (“Deep State”), ele foi responsável por conduzir diversos experimentos – não só dentro, como também fora dos Estados Unidos. Esses experimentos tinham um imperativo prático: as cobaias precisavam ser descartáveis, isto é, haveriam de ser pessoas cuja falta não seria notada. A preferência de Gottlieb era por prisioneiros. Num desses experimentos, o químico selecionou sete presos negros norte-americanos, que foram submetidos a doses triplas de LSD por 77 dias. Fora do país, foi dado a Gottlieb o poder de fazer experimentos em países dominados pelos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial. Estavam na lista Alemanha, Japão e Coreia do Sul. Entre as vítimas em que o químico fez experimentos estavam prisioneiros de guerra norte-coreanos capturados pela Coreia do Sul. Gottlieb deixou um grande rastro de pessoas que jamais recuperaram sua sanidade mental, mas se sabe muito pouco sobre suas vítimas. Os experimentos o conduziram a uma conclusão óbvia: sim, é possível destruir a psique humana. Mas o químico envenenador não tirou de seus experimentos mais nada de útil.
Se do ponto de vista científico Gottlieb foi um fracasso, sua perversidade e degeneração moral foram capazes de operar uma verdadeira proeza: fazer um agente da CIA se arrepender e decidir abandonar a agência. Seu nome era Frank Olson. Olson participou do famigerado projeto de experimentos em seres humanos MK-ULTRA. Vendo diante de si pessoas perderem a sanidade mental de modo irrecuperável, o agente, consumido pela culpa, decidiu abandonar a agência. Pouco depois, Olson morreu ao cair da janela do décimo andar do Hotel Statler, em Nova Iorque. Na época, a morte foi considerada suicídio. Posteriormente, suspeitou-se de que esse suicídio tenha sido na verdade conduzido através da aplicação de altas doses de LSD a Olson. A CIA admitiu culpa e a família do ex-agente chegou a receber desculpas pessoais do presidente americano Gerald Ford décadas depois. Mais recentemente, o corpo de Olson foi exumado por seu filho, e descobriu-se um grande trauma na porção frontal da cabeça, sendo que Olson caíra de costas no chão. Num manual da CIA lia-se que uma maneira ideal de assassinar alguém seria aplicar um golpe na cabeça e nocauteá-lo, para depois derrubá-lo de um andar alto.
Como um químico envenenador a serviço da CIA, Gottlieb foi também requisitado em missões internacionais. Pelos menos três delas consistiram em planos para envenenar Fidel Castro. O primeiro plano era dar ao líder revolucionário cubano charutos envenenados. Gottlieb chegou a aplicar a toxina em charutos Cohiba, a serem entregues ao presidente cubano. O segundo plano utilizava pílulas envenenadas. O terceiro e mais extravagante plano consistia na aplicação de uma toxina a uma roupa de mergulho de Fidel (apreciador da caça submarina), que morreria após vesti-la, apenas pelo contato cutâneo com o veneno. Como se sabe, nenhum dos três planos teve sucesso, e Fidel morreu naturalmente muitas décadas depois, recebendo homenagens em massa do povo da ilha caribenha.
Outra vítima de Gottlieb teria sido o líder nacionalista congolês Patrice Lumumba. Gottlieb se encarregou de fazer uma pasta de dente envenenada a ser dada a Lumumba. No entanto, quando se aproximava a execução da última etapa da operação (fazer chegar o veneno a Lumumba), o plano foi vetado. O líder congolês foi posteriormente linchado por milícias pagas pela CIA.
Nos seus anos finais, Gottlieb foi alvo de um processo movido por uma de suas vítimas norte-americanas. Mas o envenenador da CIA morreu pouco antes de vir à luz dos tribunais. Não se sabe da causa da morte, já que seu corpo foi imediatamente cremado.