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Os bombardeios norte-americanos no Iraque tornaram a situação muito pior

Em artigo do final do ano passado, analista prevê ação contra general iraniano e descreve ações que levaram ao tensionamento no Iraque.
por Haidar Sumeri | 1001 Iraqi Thoughts – Tradução de Raphael Muniz para a Revista Opera
Bombardeios dos Estados Unidos em Faluja, no Iraque, em 2004. (Foto: U.S. Marine Corps / Lance Cpl. James J. Vooris

Nota do editor: O seguinte artigo, de Haidar Sumeri, foi publicado no dia 30 de dezembro do ano passado no site 1001IraqiThoughts, três dias antes do ataque norte-americano que assassinou o general iraniano Qasem Soleimani. O fato de ter previsto acertadamente que Soleimani seria um alvo, além das úteis descrições de uma série de eventos que passaram quase despercebidos nos grandes noticiários antes da morte de general, são as razões pelas quais o publicamos agora.
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A tomada sangrenta de um terço do país por uma organização terrorista, uma longa e prolongada guerra por libertação, perdas humanas e materiais inconcebíveis, um quase colapso econômico, turbulência política e um movimento de protesto que levou centenas de civis à morte e deixou milhares feridos. A situação recente no Iraque não poderia ficar pior. No entanto, isso aconteceu.

As últimas semanas testemunharam uma série de pequenos ataques com foguetes contras bases por todo o Iraque que abrigam militares e empreiteiros norte-americanos, incluindo dois ataques contra o Aeroporto Internacional de Bagdá e um contra a base aérea de Ayn Al-Asad, uma grande base de operações para tropas norte-americanas, no início de dezembro.

No noite do dia 27 de dezembro, mais de trinta foguetes Katyusha atingiram a base militar K1 nos arredores da cidade de Kirkuk, matando um empreiteiro civil norte-americano e ferindo quatro soldados norte-americanos e duas tropas iraquianas. Essa foi uma escalada notável, que inevitavelmente levaria a uma resposta. Tal resposta veio na noite do dia 30, quando forças norte-americanas conduziram “ataques defensivos de precisão” contra cinco instalações do Kata’ib Hezbollah (KH) nos dois lados da fronteira Iraque-Síria em Alcaim. Suspeita-se há algum tempo que o Kata’ib Hezbollah, um grande grupo paramilitar ligado ao Irã, esteja envolvido nos ataques contra interesses norte-americanos.

A história entre o KH e as tropas norte-americanas no Iraque remonta à ocupação pós-2003, quando o KH foi estabelecido como um dos diversos “Grupos Especiais”; paramilitares financiados, treinados e controlados – em certa medida – pelo Irã. O KH conduziu diversos ataques contra as forças da ocupação, incluindo operações com explosivos, morteiros, foguetes e franco-atiradores.

De acordo com o Pentágono, os ataques aéreos tinham como objetivo três alvos do KH no Iraque e dois na Síria que serviam como pontos de controle e comando e instalações de armazenamento de armas. De acordo com fontes das Forças de Mobilização Popular no oeste de Anbar, os ataques mataram mais de 25 membros do KH e feriram mais de 50. Falsas alegações de um ataque com foguete na base militar de Taji – que também abriga tropas norte-americanas e da coalizão – surgiram após o ataque do KH, mas acabaram sendo apenas desinformação.

Essa série de eventos marca a mais significante escalada do conflito no Iraque entre forças norte-americanas e grupos paramilitares ligados ao Irã nos últimos tempos, uma escalada que pode abrir as portas para um conflito muito mais amplo no país e possivelmente em toda a região. O Iraque é um alvo importante para ambos os lados, já que conta com mais de 5 mil soldados norte-americanos e dezenas de milhares de paramilitares apoiados pelo Irã instalados em bases pelo país.

Isso também serviu como um divisor de águas: o ponto em que o lado norte-americano decidiu ignorar as opiniões e instruções do governo do Iraque e desprezou a soberania iraquiana ao mirar em alvos iraquianos em seu próprio solo. Esse era um passo que os norte-americanos haviam evitado dar, mesmo após diversos incidentes que classificaram como provocativos.

Essa ação militar contra o KH seguiu uma declaração feita em 13 de dezembro pelo Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, após os ataques no aeroporto de Bagdá, onde afirmou: “Devemos usar essa oportunidade para lembrar aos líderes do Irã que qualquer ataque realizado por eles, ou por seus representantes de qualquer tipo, que prejudique os norte-americanos, nossos aliados, ou nossos interesses, serão respondidos com uma réplica decisiva por parte dos EUA.”

Após os ataques norte-americanos, o primeiro-ministro do Iraque, Adil Abdul-Mahdi, afirmou: “Já confirmamos nossa rejeição a qualquer ação unilateral realizada pelas forças da coalização ou quaisquer outras forças dentro de Iraque. Consideramos isso uma violação da soberania do Iraque e uma escalada perigosa que ameaça a segurança do Iraque e da região”, de acordo com um comunicado divulgado pela televisão estatal do país.

Abdul-Mahdi agora se vê encarando um pesadelo diante da possibilidade de grupos paramilitares ligados ao Irã, cujas asas políticas exercem enorme influência em seu governo, irem para a guerra contra forças norte-americanas em território iraquiano, o que agravaria os meses desastrosos onde a morte de centenas de manifestantes foi jogada sob sua responsabilidade, levando-o a entregar sua renuncia ao parlamento.

Os próximos dias e semanas responderão a uma série de questões sobre como essa situação espinhosa se desenrolará, principalmente o quão longe os paramilitares estão dispostos a agir de acordo com sua retórica que tem afirmado incessantemente que a presença norte-americana no Iraque é uma forma de continuação da ocupação, além de sua prontidão para tomar ações militares como forma de pressionar os norte-americanos “mais uma vez”.

No caso de novas escaladas e mais ataques significativos contra bases abrigando pessoal norte-americano, outra questão que se põe é a seguinte: o quão longe a administração Trump está disposta a levar sua resposta? Ainda que o poder de fogo norte-americano na região seja uma força a ser reconhecida, a capacidade de grupos como o Kata’ib Hezbollah e o Asa’ib Ahl Al-Haq não deve ser subestimada, nem a quantidade de apoio que pode ser oferecida por seus apoiadores iranianos com a forte possibilidade do ataque na base K1 e os anteriores a esse terem sido sancionados por Teerã. A vida de milhares de soldados das tropas americanas e da coalizão pode estar em risco se os EUA optarem por manter essa nova diretiva.

Também existe a possibilidade de que a administração Trump tenha caído em uma armadilha arquitetada pela Guarda Revolucionária Iraniana, ou mais especificamente pelo chefe da Força Quds, Qasem Soleimani. É difícil acreditar que a Guarda Revolucionária ordenaria repetidos ataques contra os interesses norte-americanos, desde a Embaixada dos EUA em Bagdá em maio aos ataques com foguetes contra a gigante norte-americana ExxonMobil próximo de Baçorá em junho ou às bases em dezembro, sem antecipar uma resposta norte-americana e planejar os próximos passos.

De todo modo, se tais ataques foram realizados sob instrução de Teerã, é praticamente certo que se trataram de uma resposta ao movimento de protestos que toma o Iraque desde o início de outubro. Com base nos protestos de Baçorá em 2018, as recentes manifestações abalaram significativamente a posição iraniana no Iraque, com incontáveis sedes de partidos, consulados e negócios ligados ao Irã e outros interesses sendo atacados, e em muitos casos destruídos, por manifestantes que exigiam que o Irã abandonasse sua posição na cena política do Iraque.

Muitos políticos e comentaristas pró-Irã têm insinuado que os EUA têm desempenhado um papel importante em incentivar os protestos no Iraque por meio das mídias sociais e outras estratégias para causar danos ao governo de Abdul Mahdi, que muitos enxergam como sendo fortemente inclinado a Teerã.

Seguindo essa linha de raciocínio, os ataques com foguetes nas bases militares podem ser vistos como uma mensagem de “afastamento” aos norte-americanos por parte da facção apoiada pelo Irã no Iraque, na esperança de aliviar as pressões políticas dos protestos e da reação à repressão violenta aos manifestantes. Nesse caso, as ações de ambos os lados seriam o resultado de uma estratégia de risco calculado nada incomuns na política do Iraque e da região e as tensões poderiam diminuir em breve.

Contudo, a força bruta usada pelos norte-americanos e a crescente quantidade de mortos tornam esse cenário mais difícil de prever. Abu Mahdi Al-Muhandis, um dos mais proeminentes comandantes nas Forças de Mobilização Popular e do campo paramilitar iraniano, e por muito tempo suspeito de ser um dos líderes do KH, prometeu uma “resposta severa” à escalada norte-americana.

Os ataques dos EUA contra o KH também reacenderão inevitavelmente os esforços dos partidos apoiados pelo Irã e dos leais a Moqtada Al-Sadr para forçar a retirada dos 5 mil soldados norte-americanos que acredita-se ainda estarem no Iraque. Dessa vez, a humilhação sofrida pelos ataques ao primeiro-ministro Abdul Mahdi em um momento tão frágil de sua administração adiciona um componente muito interessante em relação a como esse esforço renovado irá se desenrolar.

Custo humano à parte, o dano material sofrido pelo Kata’ib Hezbollah nos ataques norte-americanos é insignificante. Os abundantes recursos disponíveis para o KH e outros grupos apoiados pelo Irã não serão esgotados destruindo postos remotos no deserto ocidental de Anbar e aquilo que foi perdido em breve será reabastecido por Teerã. Os mortos serão declarados mártires e as instalações serão reconstruidas. Mas um precedente que pode desencadear uma guerra a qualquer momento foi estabelecido e um momento debilitado na história do Iraque acaba de se tornar muito mais frágil.

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