Após inúmeros adiamentos, o presidente norte-americano Donald Trump por fim revelou detalhes de seu plano para o Oriente Médio, apelidado de “Acordo do Século”, em uma conferência coletiva de imprensa em Washington no dia 28 de janeiro.
Permanecendo triunfante ao lado de Trump, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, certamente deve ter entendido que a sincronia do anúncio do ‘Acordo do Século’, em algumas semanas antes da terceira eleição geral dentro de um ano em Israel, foi tecida especialmente para se encaixar no programa doméstico do líder israelense em apuros.
Consistindo em 80 páginas, das quais 50 são totalmente dedicadas a planos econômicos, o documento é uma reelaboração das últimas propostas israelenses que foram rejeitadas pelos governos árabes e palestino por falharem no objetivo de cumprir padrões mínimos de justiça, igualdade e direitos humanos.
O ex-negociador palestino, Saeb Erekat, afirmou em uma entrevista que o plano nem sequer é norte-americano, mas sim israelense. “O que vocês ouviram de Donald Trump na última noite(28) é o que eu ouvi de Netanyahu e seu time de negociações em 2011-2012” – diz Erak. “Eu posso assegurar a vocês que a equipe norte-americana de negociações não escreveu nem uma palavra e nem pingou um ponto nesse programa. Eu tenho os arquivos e estou disposto a revelar o que nos foi oferecido. Este plano é de Netanyahu e dos conselhos de colonos.”
Não foi surpresa, portanto, ler a reação do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que atribuiu ao plano de Trump a “lata de lixo da história.”
Como esperado, Trump assegurou a Netanyahu tudo que ele e Israel sempre quiseram. A visão norte-americana de “paz” não exige o desmantelamento de nenhum assentamento ilegal sionista e reconhece Jerusalém como a capital indisputada de Israel. Fala de um Estado palestino condicionado e desfigurado que só pode ser alcançado com base em expectativas vagas; rejeita totalmente o direito de retorno dos refugiados palestinos e falha em não mencionar a palavra “ocupação” nenhuma vez.
Obviamente, apenas Israel se beneficia do plano dos EUA; o discurso sionista baseado em ganhos territoriais máximos com presença palestina mínima finalmente prevaleceu. Todo pedido israelense foi atendido. Enquanto isso, os palestinos não receberam nada além da promessa de perseguir outra miragem de um Estado palestino que não tem continuidade territorial nem verdadeira soberania.
As preocupações palestinas continuam a ser ignoradas, tal como os direitos palestinos são ignorados há muito tempo, ignorados até mesmo no auge dos “processo de paz” no início e meados dos anos 90. Na época, todas as questões fundamentais haviam sido relegadas às “negociações finais de status”, que nunca aconteceram.
O “Acordo do Século” apenas validou o status quo, conforme previsto e realizado unilateralmente por Israel.
Dito isso, o plano de Trump falhará em resolver o conflito. Ou, pior: aumentará ainda mais o conflito, já que agora Israel tem um cheque em branco para acelerar seu empreendimento colonial e consolidar sua ocupação militar e oprimir ainda mais os palestinos, que certamente continuarão resistindo.
Quanto ao componente econômico do plano, a história provou que não pode haver prosperidade econômica sob ocupação militar. Netanyahu, e outros antes dele, tentaram uma série de métodos duvidosos de paz econômica e todos falharam miseravelmente.
Repetidamente, a ONU deixou claro que segue uma trajetória política diferente da seguida por Washington, e que todas as decisões dos EUA sobre o status de Jerusalém, dos assentamentos ilegais israelenses e as colinas de Golan são nulas e sem efeitos. Somente a lei internacional importa, pois nenhuma das ações de Trump nos últimos anos conseguiu alterar significamente o consenso árabe e internacional sobre os direitos dos palestinos.
Quanto ao status de – e os direitos dos palestinos em sua cidade ocupada – Jerusalém Oriental, a mudança de nome de alguns bairros – Kafr Aqab, a parte oriental de Shuafat e Abu Dis – como al-Quds, ou Jerusalém Oriental, é um antigo plano israelense que já falhou no passado. O falecido líder palestino, Yasser Arafat, tinha sagacidade política suficiente para rejeitá-lo, e nem Abbas nem qualquer outro funcionário palestino ousariam conceder sobre os direitos palestinos históricos e legais da cidade.
A liderança palestina não pode ser absolvida de sua responsabilidade perante o povo palestino e de seu fracasso em desenvolver uma estratégia nacional compreensível e abrangente.
Imediatamente após Trump anunciar seu plano, Abbas convocou todas as facções palestinas, incluindo seus rivais no movimento Hamas, para se unirem e desenvolverem uma estratégia em comum para combater o “Acordo do Século”.
Sabendo que a conspiração EUA-Israel era iminente, por que Abbas esperou tanto tempo para fazer um chamado a uma estratégia comum?
A unidade nacional entre palestinos não deveria nunca ser usada como barganha, como uma tática de medo ou como uma última opção destinada a validar a ineficiência de Abbas frente ao povo palestino.
A Autoridade Nacional Palestina agora enfrenta uma crise existencial. Sua própria formação, em 1994, pretendia marginalizar a mais democrática e abrangente Organização Para Libertação da Palestina (OLP).
Para os novos ditames norte-americanos, a Autoridade Nacional Palestina já ultrapassou seu tempo de utilidade.
Já para Israel, a Autoridade Palestina é necessária apenas para manter a “coordenação de segurança” com o exército israelense, o que significa, essencialmente, garantir a segurança dos colonos judeus armados na Palestina ocupada.
Embora a unidade entre os partidos palestinos seja uma demanda primordial, a Autoridade Palestina dirigida por Abbas não pode esperar conseguir manter esse ridículo ato de equilíbrio: esperando uma unidade nacional verdadeira e duradoura enquanto ainda trabalha diligentemente no papel esperado dele por Israel e seus aliados.
Embora o falso “plano” de Trump não altere fundamentalmente a política externa dos EUA em Israel e na Palestina – tal como o viés das relações EUA-Israel precedem Trump em décadas-, definitivamente encerrou-se a farsa do “Processo de Paz” que dividiu os palestinos em campos “moderados” e “extremistas”. Agora todos os palestinos são extremistas no ponto de vista de Washington, todos igualmente evitados e marginalizados.
Abbas está terrivelmente enganado se ele pensa que o velho discurso político pode ser salvo – discurso que foi, curiosamente, escrito em Washington.
O problema com a liderança palestina é que, apesar de seus frequentes protestos e condenações indignadas, eles ainda precisam começar a tomar iniciativas independentes e operar fora do paradigma norte-americano – israelense.
E este é o maior desafio da liderança palestina neste momento. Será que ela avançará com uma estratégia centrada na Palestina ou persistir na mesma estratégia, regurgitando a linguagem antiga e relembrando os bons velhos tempos?