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Economia norte-coreana no Ano Novo: Caminhando sob a água sem afundar

Apesar dos planos de Kim Jong-Un para uma Coreia do Norte mais próspera estarem sendo frustrados pelas sanções, o país está longe de enfrentar um desastre.
Por Benjamin Katzeff Silberstein* | 38 North – Tradução de Gabriel Deslandes para a Revista Opera
(Foto: Uri Tours)

Embora 2019 não tenha sido um bom ano para a economia norte-coreana, também não foi desastroso. Kim Jong-un não conseguirá avançar muito este ano de 2020 na implementação de sua visão de maior prosperidade para o povo norte-coreano enquanto as sanções permanecerem em vigor. O discurso de Kim na Sessão Plenária do Comitê Central no final de dezembro passado sinalizou frustração e uma forte ausência de caminhos concretos para fazer a economia crescer. Ao mesmo tempo, é provável que a Coreia do Norte também não venha a enfrentar uma grande crise econômica no decorrer do ano, e suas perspectivas serão significativamente mais favoráveis ​​se a China e a Rússia continuarem relaxando a implementação de sanções. Em suma, a condução da economia continuará sendo um desafio para o governo norte-coreano em 2020, mas este provavelmente enfrentará condições menos difíceis do que as do ano passado.[1]

Más notícias

As sanções mantiveram o comércio exterior da Coreia do Norte em níveis abismais em 2019, em especial para seus produtos de exportação mais importantes. Não foi um cenário tão desastroso quanto 2018, quando as exportações para a China – de longe, sua parceira comercial mais importante – caíram mais de 88%. Segundo dados oficiais, as exportações para a China caíram 2,6% no ano passado em relação a um nível já bastante baixo.[2] Porém, poderia ter sido pior. O contrabando de mercadorias sancionadas de e para a Coreia do Norte continuou durante o ano passado, e o carvão seguiu sendo vendido clandestinamente, embora em quantidades bem abaixo dos níveis anteriores às sanções. A Coreia do Norte tem conseguido continuamente comprar combustível, apesar do teto de importação, imposto pelas sanções, às transferências de óleo de navio para navio. O país provavelmente recebeu também uma quantidade substancial de combustível da China por fora dos canais comerciais regulares.

Contudo, mesmo que o contrabando seja extenso e um comércio significativo aconteça em segredo, os métodos de evasão são dispendiosos em tempo e dinheiro. Sob tais condições, o comércio nunca pode se tornar grande e lucrativo o bastante para sustentar o progresso socioeconômico previsto por Kim Jong-un. Se os dados comerciais estiverem próximos da verdade, a Coreia do Norte exporta muito pouco e não importa tanto quanto provavelmente precisa para suprir suas indústrias e as demandas de consumo de sua população. A Coreia do Norte entra em 2020 na mesma situação difícil em que se encontrava em 2019. Ela pode continuar a sofrer sob condições de lenta estagnação, mas Kim Jong-un tem ambições maiores do que a sobrevivência da economia norte-coreana – ele quer aprimorá-la de forma mais significativa.

Boas notícias

No lado positivo, embora dados quantitativos de dentro do país devam ser tomados com certo ceticismo, há poucos sinais de que as sanções criaram uma crise econômica generalizada entre os civis norte-coreanos. Se houvesse essa crise, teríamos visto sinais de inflação e aumento significativo dos preços de alimentos e outras necessidades. Os dados não mostram nada disso. É possível que estejam ocultando as más condições de grupos particularmente vulneráveis, que talvez não tenham acesso ao sistema de mercado, e não conhecemos a extensão dos controles de preços do governo. Todavia, os preços permaneceram notavelmente estáveis no decorrer da era das sanções, e 2019 não foi exceção. Curiosamente, os preços da gasolina caíram significativamente durante 2019, sugerindo que a China deu apoio à Coreia do Norte com maiores quantidades de combustível durante o ano. De fato, como mostra o gráfico abaixo, os preços foram mais baixos e mais estáveis em 2019 do que em 2018.

Gráfico 1: Preço médio do gás nos mercados de Pyongyang, Sinuiju e Hyesan. Fonte: Daily NK.

As taxas de câmbio também foram bastante estáveis, com algumas pequenas oscilações no decorrer do ano. Os preços do arroz também foram praticamente os mesmos em 2019 e em 2018. Como na maioria dos anos, os preços aumentaram um pouco ao final do verão e no início do outono, pouco antes da produção da colheita do ano seguinte se tornar disponível.

Gráfico 2: Preço médio do arroz nos mercados de Pyongyang, Sinuiju e Hyesan. Fonte: Daily NK.

A estabilidade dos preços do arroz no ano passado é particularmente interessante, devido às advertências do governo norte-coreano e das Nações Unidas sobre a grave escassez de alimentos e uma possível fome no final da primavera e início do verão. Sabe-se muito pouco sobre a distribuição de alimentos no país para concluir que a escassez nunca se materializou para nenhum segmento da população. Dito isto, as advertências do governo sobre uma crise alimentar iminente foram extremamente exageradas. De fato, o próprio Kim Jong-un disse que, apesar das sanções e do clima rigoroso, “este ano [2019] tivemos uma colheita abundante inédita que excedeu o nível do pico anual…”.[3] A Administração de Desenvolvimento Rural da Coreia do Sul estima que a colheita norte-coreana tenha crescido 2% em 2019 em relação a 2018.

Por fim, no primeiro semestre de 2019, de acordo com dados sul-coreanos, as exportações e importações da Coreia do Norte para a China aumentaram 14 e 15,5%, respectivamente.[4] O déficit comercial norte-coreano com os chineses ficou em cerca de US$ 1,6 bilhão em 2019 e mais de US$ 2 bilhões em 2018. Um déficit comercial é geralmente indesejável, mas, para a Coreia do Norte, as importações são mais importantes que as exportações. Bens intermediários para fábricas e indústrias são particularmente cruciais, e essas importações caíram em 2018. Parte disso é provavelmente uma forma de ajuda, pois os norte-coreanos importam continuamente mais do que exportam para os chineses, ainda que a China não espere receber qualquer pagamento de volta.

Segundo visitantes recentes da cidade chinesa de Dandong, na fronteiriça à Coreia do Norte, que conversaram com a 38 North para este artigo, o comércio parece tão ativo quanto superficial. Entretanto, algumas fábricas foram fechadas no ano passado como consequência de sanções, e as indústrias, particularmente aquelas sancionadas, enfrentaram um período difícil. Contudo, o contrabando aparentemente permanece extenso. Quantidades cada vez maiores de carvão, minerais, frutos do mar, têxteis e outros produtos que a Coreia do Norte exportou para a China antes da “pressão máxima” contra o país podem muito bem ter começado a fluir através da fronteira, pois alguns sinais sugerem que os chineses enfraqueceram sua implementação das sanções. No final do ano, China e Rússia iniciaram uma campanha cada vez mais aberta para reverter as sanções internacionais contra a Coreia do Norte. À medida que sua paciência se esgota com a “pressão máxima” e a falta de progresso diplomático, é provável que ambos os países se tornem cada vez menos rigorosos com a manutenção das sanções. Porém, mesmo o melhor cenário de comércio exterior para a Coreia do Norte é ruim nas condições atuais. A RPDC começa 2020 na mesma posição difícil em que se encontrava em 2019.

De volta para o futuro

A Coreia do Norte esteve mancando no decorrer do ano passado – e o fará também em 2020, embora em condições um pouco melhores do que em 2019. Porém, Kim Jong-un apostou na busca pela prosperidade. Quando ele chegou ao poder pela primeira vez em 2012, ele prometeu em seu primeiro discurso público que o povo norte-coreano “nunca mais precisaria apertar os cintos”. Agora, quase sete anos depois, Kim deu a entender o contrário. Em seu relatório à 5ª Sessão Plenária do Comitê Central, realizada de 28 a 31 de dezembro, a KCNA informou: Kim “[…] esclareceu que faz parte da nossa firme fé revolucionária defender a dignidade do país e derrotar o imperialismo por meio da autoprosperidade, apesar de apertarmos nossos cintos. É verdade que precisamos urgentemente de um ambiente externo favorável à construção econômica, mas nunca podemos vender nossa dignidade, que defendemos até agora, tão valiosa quanto nossa própria vida, na esperança de uma transformação brilhante”.[5] Em outras palavras, embora o crescimento econômico e os padrões de vida mais altos sejam objetivos importantes, a Coreia do Norte mexerá em suas políticas de defesa para alcançá-los.

Tudo isso é problemático para os objetivos políticos de Kim. Nos últimos anos, o governo tem estado relativamente comprometido com a mudança nas regras do jogo econômico. Permitir maior autonomia para gerentes de empresas, agricultores, equipes de trabalho agrícola e outros pode parecer frases mortas de um manual de administração da era soviética, mas as mudanças nas políticas de Kim oferecem um grande potencial. Como observa Lee Sang Yong, essas mudanças fizeram com que empresas estatais menos vibrantes e eficientes agora tenham que competir com aquelas que são essencialmente dirigidas por empresários particulares – mesmo que permaneçam sob a bandeira do Estado – que contam com uma mão de obra competente com incentivos aos empregados. Além disso, a Coreia do Norte precisa de capital externo em larga escala para a compra de equipamentos e peças de reposição para manter as fábricas funcionando e alcançar um crescimento econômico significativo. Em resumo, embora as mudanças na gestão econômica de Kim tenham tornado a economia mais eficiente, ele reconhece que sua visão econômica não pode ser implementada enquanto as sanções permanecem em vigor e sugeriu que novas reformas domésticas podem ser a chave para a melhoria econômica que ele imagina:

“O front principal hoje na ofensiva para o progresso é o front econômico”, afirmou ele, estabelecendo como tarefa imediata para o campo econômico reorganizar a fundação econômica do país, aproveitar todo o potencial de produção possível e atender plenamente à demanda necessária para o desenvolvimento econômico e a vida do povo.[6]

Conclusão

Para onde a Coreia do Norte vai daqui em diante? Kim Jong-un claramente tem ambições para a economia, mas não há muito caminho a seguir enquanto as sanções permanecerem vigentes, ao menos em sua forma atual. A julgar pelo relatório da Sessão Plenária, o governo está ciente dessa situação. Todavia, embora Kim apontasse, muitas vezes em termos vagos, uma ampla gama de áreas para melhoria, ele parecia instar as pessoas a trabalharem mais e melhor. A possibilidade é que o Estado comece a reverter mais a autonomia que concedeu a atores econômicos, acreditando que o controle e a orientação central sejam a única maneira de garantir que as políticas sejam adequadamente executadas.

Notas:
[1] – Sou grato a Brad Babson, Peter Ward e dois especialistas anônimos por ideias e sugestões analíticas para este artigo. Erros e opiniões pertencem exclusivamente ao autor.
[2] – Dados oficiais, como sempre, devem ser lidos com ceticismo, principalmente devido ao interesse político da China em mostrar um baixo nível de comércio com a Coreia do Norte.
[3] – “Relatório da 5ª Sessão Plenária de 7 C.C., PTC”, KCNA, 1 de janeiro de 2020.
[4] – Até o momento em que esse texto foi escrito, não há dados disponíveis que especifiquem de quais bens esse comércio consiste.
[5] – “Relatório da 5ª Sessão Plenária de 7 ° C.C., PTC”, KCNA, 1 de janeiro de 2020.
[6] – Ibidem.
* Benjamin Katzeff Silberstein é co-editor da North Korean Economy Watch, pesquisador associado do Foreign Policy Research Institute e candidato a doutorado no Departamento de História da Universidade da Pensilvânia. Ele escreve frequentemente sobre a economia norte-coreana e é colaborador regular da IHS Jane’s Intelligence Review para assuntos coreanos.

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