Em 15 de julho de 2013, o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), liderado por Berta Cáceres Flores, protestou contra a construção de uma barragem hidrelétrica no rio Gualcarque. Este rio, na região oeste de Honduras, é considerado sagrado pela comunidade indígena de Lenca. Ninguém da empresa que queria construir a barragem havia avisado Lenca. A empresa – Desarrollos Energéticos Sociedade Anônima (DESA) – era de propriedade controlada por uma das famílias mais poderosas de Honduras, os Atala Zablahs. O Exército de Honduras, a pedido da DESA, vigiava o local. Os soldados abriram fogo contra os manifestantes e mataram Tomás García.
Três anos depois, em 2 de março de 2016, homens armados invadiram a casa de Berta Cáceres e a assassinaram. Esses homens e alguns de seus responsáveis imediatos foram condenados a penas de prisão que durarão de 30 a 50 anos. As evidências apresentadas no tribunal – incluindo registros telefônicos e conversas pelo WhatsApp – mostram de maneira bastante conclusiva que esses assassinos, muitos veteranos do exército de Honduras, agiram sob as ordens de executivos da DESA. Nenhum dos proprietários da DESA, muitos dos quais estavam nessas conversas do WhatsApp, foram acusados do crime.
Agora, quatro anos depois do assassinato de Berta Cáceres, conversei com sua filha Bertha Zúñiga Cáceres, coordenadora geral da COPINH. É importante mencionar que, quando Zúñiga Cáceres retornou de seus estudos na Cidade do México para assumir o manto da COPINH, ela mesma sofreu uma tentativa de assassinato, em 30 de junho de 2017. O assassinato de Berta Cáceres ocorreu em 15 de março de 2016, ao lado do assassinato de Nelson Noé García, da COPINH, e em 18 de outubro de 2016, ocorreram os assassinatos de José Ángel Flores e Silmer Dionisio George, do Movimento Unificado Campesino del Aguán (Movimento Camponês Unificado de Aguán, ou MUCA). Agora se sabe que Honduras está entre os países com as maiores taxas de homicídios do mundo; mas não é por isso que essas pessoas são mortas – elas são mortas pelo que representam e contra quem lutam.
Conluio
Zúñiga Cáceres me conta que os últimos quatro anos foram “muito desafiadores para nós” porque ela e seus colegas da COPINH tiveram que lutar para garantir que o “processo não fosse silenciado”. É verdade que os investigadores hondurenhos, sob imensa pressão internacional, prenderam os principais atiradores e alguns de seus mandantes imediatos. Esses mandantes incluem Douglas Bustillo, ex-chefe de segurança da DESA que dirigiu a operação; Sergio Rodríguez, executivo da DESA; e Roberto David Castillo Mejía, presidente da DESA. Nenhum dos “autores intelectuais” do crime foram, no entanto, presos; esses “autores intelectuais” incluiriam os proprietários da DESA e membros do governo.
David Castillo é o funcionário de posto mais alto da DESA que foi preso. Os registros mostram que ele havia participado da conspiração. No entanto, o caso contra ele foi paralisado. O atraso ocorreu pois em 2 de março de 2020 a lei hondurenha permitia às autoridades libertar David Castillo. “Acreditamos que os promotores vão permitir uma extensão única que pode ser solicitada por mais seis meses”, disse Zúñiga Cáceres. Mas não há garantia de que isso adiantará alguma coisa. “Estamos com muitas incertezas”, disse-me, já que “o sistema de justiça em Honduras nunca se importou com isto”. O “isto” em sua declaração refere-se ao papel da DESA e de seus executivos. As autoridades estão protegendo a família Atala Zablah e o partido no poder, que tentaram conspirar no encobrimento.
Em 2009, o governo dos EUA participou ativamente e incentivou a oligarquia a realizar um golpe de estado contra o governo de esquerda de Manuel Zelaya. Desde então, Honduras é governada pelo Partido Nacional de extrema direita, cujo atual líder e presidente hondurenho é Juan Orlando Hernández. Este é o partido favorito da oligarquia. É importante pontuar que a investigação do governo dos EUA sobre o tráfico de drogas envolveu o presidente Hernández em narcopolíticas da deepweb na região. Depois que Hernández venceu a reeleição em 2017, os protestos nas ruas de Honduras foram recebidos com gás lacrimogêneo e fogo aberto, matando pelo menos 22 pessoas.
Depois do assassinato de Berta Cáceres, o ministro da segurança do presidente Hernández, Julián Pacheco Tinoco, escreveu a Pedro Atala Zablah, um dos líderes da família Atala Zablah e membro do conselho da DESA. Ele queria garantir a Atala Zablah e à sua família que o governo não levaria adiante o caso com seriedade; o caso, disse ele, seria visto como um “crime passional”. Esse nível de conluio é confuso. Zúñiga Cáceres me diz que “nem o exército agiu sozinho e nem a companhia agiu sozinha”. Há, ela diz, “coordenação entre os centros de poder econômico e militar, que é a essência da ditadura sob a qual vivemos em Honduras”.
De fato, a investigação – e os registros do tribunal – mostram um nível muito alto de conluio. Os funcionários da DESA se reuniam na casa presidencial enquanto planejavam como minar a COPINH. Isso deve expor a cumplicidade no mais alto nível pelo assassinato de Berta Cáceres. Mas isso foi deixado de lado. O mesmo acontece com as muitas mensagens do WhatsApp que mostram os membros da família Atala Zablah instigando – em linguagem muito codificada – a equipe a fazer algo sobre Berta Cáceres.
Há uma ampla evidência de funcionários da DESA se gabando de como eles têm o governo – e particularmente as forças armadas e a polícia – no bolso. Em 2013, o diretor financeiro da DESA, Daniel Atala Midence, disse em um momento que “gastou muito dinheiro e influência política para obter esses três mandados de prisão” e, em muito pouco tempo, Berta Cáceres, Tomás Gómez Membreño e Aureliano Molina foram presos. Mostrou-se que Atala Midence teve uma influência considerável. Em outro momento nas conversas do WhatsApp, Pedro Atala Zablah diz aos funcionários da DESA que já haviam usado o exército e a polícia de Honduras para proteger sua propriedade e atacar os ativistas da COPINH, que deveriam pagar à polícia “com algo mais do que comida” para fazê-los cumprir suas demandas.
O Rio
Em agosto de 2019, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos foi para Honduras. Este é um grupo que tenta fazer com que os países adotem os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos. Elas são bastante anêmicas, mas pelo menos sugerem que as empresas não devem se comportar de maneira criminosa, nem os negócios devem ser feitos em segredo. Em seu relatório público, o Grupo de Trabalho enunciou dois pontos importantes. Primeiro, eles disseram que, embora o Ministério do Meio Ambiente (MiAmbiente) afirme que mantém consultas abertas quando as licenças ambientais estão sendo avaliadas, a maioria dessas reuniões é realizada somente após a concessão das licenças. Foi exatamente isso que aconteceu no caso da barragem de Agua Zarca.
Segundo, a lei (Decreto Legislativo 418-2013) e dois decretos ministeriais (725-2008 e 1402-2018) permitem que o ministério classifique os elementos de Estudo de Impacto Ambiental e o que eles consideram como “Informações Secretas”. Isso significa que os interessados em um caso não possuem livre e justo acesso a informações para deliberarem seus méritos; o governo pode facilmente embaralhar a papelada de uma maneira completamente antidemocrática.
Zúñiga Cáceres disse que essas leis ameaçam Honduras. Uma nova “onda de projetos extrativos e de geração de energia” esteve em jogo na última década, desde o golpe de estado de 2009. O governo está ansioso para enfraquecer a estrutura regulatória e permitir que empresas de todos os tipos tenham acesso às riquezas de Honduras.
Em memória de sua mãe e dos quase 30 anos de luta da COPINH, Zúñiga Cáceres diz que é preciso haver uma “refundação de Honduras”. Honduras tem muitos desafios, diz ela – corrupção, militarização, ataque às terras das comunidades indígenas, feminicídios e assassinatos políticos. Mais uma razão para lutar arduamente não apenas para defender os direitos do povo, mas para reivindicar o país em seu nome. Fazer isso, diz Zúñiga Cáceres, é homenagear a memória de sua mãe Berta Cáceres, assassinada há quatro anos atrás.
Esse artigo foi produzido pelo Globetrotter, um projeto do Instituto de Mídia Independente.