No final dos anos 1970, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) promoveu um amplo estudo para investigar as tendências de internacionalização do capital.¹ A pesquisa buscava mapear o papel das corporações transnacionais na processo produtivo global. Publicado em março de 1978 com o título Transnational corporations in world development: a re-examination (Corporações transnacionais no desenvolvimento mundial: um reexame), o relatório desse estudo descobriu uma diversificação cada vez maior das fontes de investimentos estrangeiros diretos (IED). A grande surpresa? Parte significativa desses investimentos provinham de países socialistas: a União Soviética e as repúblicas do Leste Europeu, integradas ao Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon).
Baseado no conceito de multinacional adotado pela ONU a partir de 1973, que considera como tal “todas as empresas que controlam ativos – fábricas, minas, escritórios de comércio e similares – em dois ou mais países”, a pesquisa do ECOSOC mostra que as empresas do Comecon com investimentos em nações com economias de mercado podiam se enquadrar nessa definição. Dessa forma, as firmas transnacionais desses países cresceram em importância na economia mundial em função de uma década, entre 1966 e 1976.
Conhecidas no Ocidente como modelos de “economias fechadas”, como a URSS e economias planificadas a leste da Europa alcançaram esse papel econômico internacional mais ativo? Especialista na integração mundial das economias soviética e do Leste Europeu, Carl H. McMillan afirma que tal processo se deveu não só ao rápido crescimento do comércio mundial, mas também, em especial, às novas áreas de investimento direto. Professor emérito no Instituto de Estudos Europeus, Russos e Eurasiáticos da Universidade Carleton, no Canadá, McMillan usou o relatório do ECOSOC de 1978 para analisar os investimentos externos do Comecon e comparar as empresas transnacionais dos países socialistas com seus pares ocidentais.²
Exportação “vermelha” de capitais, ao Norte e ao Sul
Como o Comecon não divulgava o balanço de pagamentos de seus Estados-membros, esquematizar a natureza e extensão de todos os investimentos externos do bloco é uma tarefa difícil. Para sua análise, o professor McMillan recolheu esses dados a partir de fontes dispersas, tanto ocidentais como orientais. Além disso, destacou que duas categorias de países estrangeiros (fora do Comecon) recebiam investimentos diretos das repúblicas socialistas: 1) as economias desenvolvidas da OCDE; 2) os países em desenvolvimento do Terceiro Mundo.
Até 1978, segundo a pesquisa de McMillan, havia mais de 500 empresas transnacionais dos países do Comecon estabelecidas nos Estados-membros da OCDE e nas economias em desenvolvimento. A sociedade anônima era a forma legal predominante desses investimentos em ambas as categorias de países. Nessa data, identificou-se 359 casos de empresas instaladas nos países da OCDE cujo patrimônio pertencia às estatais da URSS ou de repúblicas da Cortina de Ferro. Outros levantamentos mostravam haver 185 casos de investimentos soviéticos e do Leste Europeu nos países em desenvolvimento.
Nos anos 1970, os maiores investidores nos países ocidentais industrializados eram a União Soviética, a Polônia e a Hungria (ver Tabela 1). Os principais destinos desses investimentos incluíam a Alemanha Ocidental, França, Suécia, Áustria, Itália, Reino Unido, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. No fim da década, com a melhora nas relações entre os EUA e o Bloco socialista graças à détente, os países do Comecon também passaram a demonstrar maior interesse pelo mercado norte-americano.
Já entre as nações em desenvolvimento no Terceiro Mundo, a principal origem dos investimentos das empresas do Comecon era a Romênia, seguida da Polônia e a Hungria (ver Tabela 2). O papel econômico da URSS é relativamente menos ativo se comparado a esses três países. Do outro lado, o maior destino desses investimentos era o continente africano, superando em duas vezes a Ásia, a América Latina e o Oriente Médio.
Os investimentos do Comecon tanto nos Estados-membros da OCDE como nos países em desenvolvimento incluem majoritariamente três tipos de atividades: 1) comércio e manufatura baseados em componentes e tecnologias dos países do Comecon; 2) extração e processamento de matérias-primas; 3) prestação de serviços financeiros, técnicos, de transporte ou consumo.
Esses investimentos diferem de acordo com o país de destino, levando em conta níveis de industrialização, além de fatores político-ideológicos locais. Nos países da OCDE, a maioria das empresas do Comecon (70%) estava envolvida com o comércio, promovendo exportações para esses mercados (ver Tabela 3), enquanto no Terceiro Mundo a maioria dos investimentos (52%) se concentrava diretamente na produção, como serviços de exploração, construção ou engenharia (ver a Tabela 4). Nesse último caso, o Comecon garantia acesso à tecnologia industrial aos países pobres em troca do fornecimento de matérias-primas.
O modelo de propriedade dessas corporações do Comecon também variava de acordo com seus investimentos. A maior parte das empresas instaladas no Ocidente industrializado eram subsidiárias, ou seja, estavam sob controle de “empresas-mãe” em seus países de origem. Até o fim de 1978, das 359 empresas instaladas nos Estados-membros da OCDE, os países do Comecon detinham a propriedade integral em 22% delas, a participação majoritária em 42% e minoritária em somente 16%. Além disso, o governo soviético tinha uma preferência mais explícita pela propriedade integral ou majoritária delas do que as repúblicas do Leste Europeu. Já no Terceiro Mundo, predominaram mais joint-ventures do que o investimento direto feito por subsidiárias.
Se somados os ativos fixos das firmas do Comecon no Terceiro Mundo, o valor total chegou a 3,9 bilhões de dólares em 1978, enquanto os ativos nos países da OCDE estavam estimados em apenas 473 milhões de dólares. Nesse último caso, a maioria das corporações instaladas nos países da OCDE era bastante pequena, envolvidas com comércio e outras áreas do setor de serviços. Por outro lado, em termos de capital diretamente investido, o valor das empresas instaladas no Ocidente industrializado excedia o das instaladas nos países em desenvolvimento – respectivamente, 454 milhões e 270 milhões de dólares.
Nesse contexto, os anos 1970 foram um ponto de virada para os investimentos estrangeiros do Comecon, com o estabelecimento de novas corporações no exterior e a expansão das existentes. Das 544 empresas do Comecon atuantes no mundo externo até o fim de década, cerca de 2/3 delas foram criadas após 1970, com forte presença nos setores extrativo e industrial. Apesar das restrições na balança de pagamentos, os países do Leste Europeu conseguiram diversificar suas atividades, as financiando por meio de lucros reinvestidos e empréstimos contraídos.
As empresas financeiras também cresceram em seus investimentos. Até o fim de 1977, como destaca o prof. McMillan, havia 22 bancos, companhias de seguro e empresas de leasing nos países da OCDE. O total desses ativos podia chegar a 9,2 bilhões de dólares, com 78% desse total representado por 11 empresas soviéticas, como o Moscow Narodny Bank Limited, em Londres, e o Banque Commerciale pour l’Europe du Nord (BCEN-Eurobank) – este último curiosamente usado pela URSS para gerir as reservas de ouro da Espanha durante a Guerra Civil Espanhola, permitindo aos republicanos financiarem seus esforços de guerra com a compra de armas e alimentos. Os ativos combinados dos bancos soviéticos de Londres e Paris chegavam a 5,4 bilhões de dólares.
A corrida por dólar: Investimentos nos países da OCDE
Até a década de 1960, o Ocidente industrializado tinha contato com poucas empresas oriundas da URSS e do Leste Europeu – havia poucas firmas soviéticas estabelecidas antes da Segunda Guerra Mundial e algumas subsidiárias da Europa Oriental herdadas do passado capitalista pré-1945. O crescimento de investimentos estrangeiros diretos do Comecon é um fenômeno do fim dos anos 1960, ocorrido após outro boom – a instalação de empresas ocidentais nos territórios do Bloco Socialista, estimulada pelas rápidas mudanças tecnológicas nos principais setores da economia mundial. Firmas norte-americanas e europeias passaram a explorar cada vez mais as vantagens comerciais e técnicas existentes nos países do Comecon, cujos tomadores de decisão estavam ansiosos para expandir e aprimorar a participação do bloco na economia internacional.
Tais quais outros países de industrialização tardia, os Estados-membros do Comecon concluíram que seu próprio sucesso internacional dependia de uma estratégia semelhante de exportação de capitais. Como economias socialistas centralmente planificadas, essa iniciativa veio de políticas governamentais, da mesma forma que o papel do Estado foi também fundamental nas estratégias de internacionalização dos investimentos das potências capitalistas.
A partir de então, a nova tática externa do Comecon envolvia um esforço conjunto para expandir as exportações de seus produtos manufaturados para os países da OCDE. Os Estados do Leste Europeu enviavam missões comerciais ou recorriam a agentes locais em outros países com o objetivo de diversificar sua pauta exportadora para além de bens primários.
Porém, a demanda ocidental por máquinas, equipamentos e outros bens industriais da Cortina de Ferro requeria também um atendimento rápido e flexível às necessidades e preferências dos clientes. Os agentes comerciais no ocidente tendiam a ignorar os produtos manufaturados do Comecon e prestigiar bens mais comercializáveis de outros países. Assim, lidar com esses agentes costumava ser um gasto substancial em moeda forte (sobretudo o dólar) para os países-exportadores do Comecon, além de outros custos, como instalações de armazéns, redes de revendedores e centros de serviços técnicos.
De toda forma, todo esse esforço para expandir as exportações de produtos industriais era crucial para o acesso da URSS e das repúblicas do Leste Europeu a divisas estrangeiras. As importações pelo Comecon de bens ocidentais eram largamente financiadas com crédito (no curto e longo prazo). Como resultado, os países da OCDE receavam o crescimento da dívida de países socialistas – que faziam parte de um outro bloco econômico e geopolítico, dificultando a efetividade de ações disciplinadoras a partir do ocidente -, ao mesmo tempo que os Estados socialistas também temiam o acúmulo de dívidas e um balanço de pagamentos desequilibrado. Portanto, havia a necessidade da redução dessas importações ou do aumento das exportações para equilibrar o balanço de pagamentos do Comecon. À medida que as matérias-primas, em especial produtos energéticos, foram se tornando mais escassas na União Soviética e na Polônia, por exemplo, aumentou a pressão para a exportação dos bens industriais desses dois países como forma de financiamento.
Além disso, a crescente demanda por dólar no Comecon obrigou suas empresas transnacionais a diversificarem cada vez mais seus serviços no exterior. Fundados como forma de apoio ao comércio Ocidente-Oriente, os bancos, as companhias de seguros e as empresas de transporte tiveram que expandir suas atividades. Os bancos soviéticos foram importantes na criação do mercado do eurodólar, e as subsidiárias em geral das empresas do Comecon geraram ganhos líquidos em moeda forte para seus países de origem.
Essas subsidiárias instaladas nos países da OCDE também tiveram outra função estrutural relevante: servir de base para reformas institucionais internas nos Estados-membros do Comecon. Os investimentos estrangeiros diretos promovidos pelos países do bloco transformaram seus próprios sistemas de comércio exterior. As transnacionais do Comecon substituíram a função de supervisão das suas missões comerciais por um papel mais operacional. Com isso, as empresas soviéticas e do Leste Europeu no Ocidente industrializado puderam negociar o comércio exterior de forma mais descentralizada. Novas medidas instituídas na URSS em 1978 liberalizando os requisitos para assinatura de contratos no exterior mostram, por exemplo, que um crescente número de acordos comerciais passou a ser firmado longe do aval direto das autoridades em Moscou.
O investimento estrangeiro direto fortaleceu abruptamente o papel das companhias de comércio exterior do Comecon. Elas aumentaram seu poder e autonomia por meio da criação de redes multinacionais de subsidiárias, fugindo, muitas vezes, ao controle generalizado da planificação econômica estatal. Ainda que essas firmas de comércio exterior exercessem em geral a função de intermediárias, havia casos de empresas de produção de alguns países do Leste Europeu que detinham por conta própria os direitos diretos de negociação comercial. A húngara Tungsram (lâmpadas e eletrônicos), a alemã-oriental Carl Zeiss Jena (dispositivos optoeletrônicos) e a búlgara Balkancar (máquinas de construção) são exemplos de empresas de produção do Comecon associadas em holdings no exterior.
Como exemplo desses investimentos associados, em 1978, a firma húngara de comércio exterior, Interag Ltd, em parceria com a Tungsram, estabeleceu a holding Globinvest AG, com registro em Luxemburgo, por meio da qual pôde comprar ações de empresas industriais ocidentais.³ O objetivo da iniciativa era fortalecer empresas ocidentais tecnologicamente atraentes, mas financeiramente frágeis, fornecendo a elas o capital necessário e garantindo acesso ao mercado húngaro. A partir daí, a Globinvest adquiriu participação majoritária em uma fabricante dinamarquesa de televisores, aparelhos de rádio e equipamentos de som, a Fabrikken 3-F.
Investimentos do Comecon em processos produtivos no Ocidente industrializado, ainda assim, eram limitados – em 1978, das 359 transnacionais instaladas nos países da OCDE, somente 28 podiam ser classificadas como ativas em alguma fase da produção. Além da escassez de matérias-primas, custos de transporte e barreiras comerciais, havia obstáculos sistêmicos de demanda. Produtos básicos produzidos na URSS e Leste Europeus não ganharam projeção nos mercados ocidentais por não se adequarem às exigências e gostos locais mundo afora, obrigando as empresas do Comecon a frequentemente alterarem suas dinâmicas internas de produção. Subsidiárias de várias das grandes firmas exportadoras de máquinas soviéticas para o Ocidente, por exemplo, tiveram que transformar seu processo fabril, incorporando insumos e componentes tecnológicos ocidentais.
Um bom exemplo de transnacional do Comecon obrigada readequar suas formas de produção é a Autoexport, empresa soviética de exportação de veículos e equipamentos automotivos. A Autoexport contava com uma subsidiária na Finlândia, a Konela, estabelecida em 1947, que vendia automóveis, motocicletas e caminhões soviéticos. Para adaptar os produtos ao mercado finlandês, a Konela se envolveu intensamente na produção dos veículos importados. A subsidiária teve que modificar a distância dos eixos de um modelo de caminhão e instalou um motor diesel Perkins e um sistema de transmissão ocidental. Outra subsidiária da Autoexport, a Scaldia-Volga, estabelecida na Bélgica em 1964, também precisou intervir na produção de veículos, inserindo componentes ocidentais (motores, assentos, pneus e outros equipamentos).
Para além da produção manufatureira, os investimentos do Comecon nos países da OCDE se estenderam para a extração e processamento de matérias-primas, embora em escala bem menor. No setor primário, a atividade que atraiu mais investimentos diretos foi a pesca, sendo a URSS o país mais ativo, seguida da Polônia. A Sovrybflot, companhia estatal subordinada ao Ministério da Pesca soviético, formou empresas mistas com outras firmas estrangeiras, detendo 50% do patrimônio. Entre os países ocidentais industrializados, a Sovrybflot investiu diretamente em operações pesqueiras nos EUA, França, Nova Zelândia, Espanha e Suécia, que forneciam instalações portuárias e serviços para as frotas de pesca soviéticas e seus barcos-fábricas. Essas empresas mistas eram uma resposta da URSS à criação de zonas econômicas exclusivas por Estados costeiros, que ameaçavam as atividades pesqueiras soviéticas. O estabelecimento da Sovrybflot permitiu que países-parceiros compartilhassem com a URSS os privilégios nacionais em relação às cotas de pesca.
Todavia, o empecilho para parcela considerável dos investimentos diretos no Ocidente industrializado continuava sendo a escassez de capital, sobretudo de fundos em moeda forte. A participação de capital estrangeiro nas transacionais do Comecon acabou sendo estimulada justamente para lidar com esse problema, financiando instalações e equipamentos para a produção. Por outro lado, essa participação acabou exigindo um compartilhamento de controle de ativos com empresas privadas estrangeiras, algo indesejável para países socialistas. Nesse quesito, sob intensa pressão econômica, alguns Estados-membros do Comecon foram mais pragmáticos em admitir parcerias com companhias estrangeiras. Já a URSS, graças à sua posição mais fortalecida na balança de pagamentos e suas reservas internacionais, pôde se dar ao luxo de restringir o capital estrangeiro a uma participação mínima.
Mercados e matérias-primas: Investimentos no Terceiro Mundo
A descolonização da África e da Ásia e o movimento terceiro-mundista despertou a URSS e as repúblicas do Leste Europeu para a expansão de suas zonas de influência. A estratégia coletiva do Comecon era, por meio de novas abordagens, fortalecer sua posição no Terceiro Mundo e reduzir a do Ocidente, como afirma o prof. McMillan. Os países socialistas procuraram estreitar laços de cooperação econômica por meio de empreendimentos conjuntos, que iam além de projetos de ajuda unilateral.
Nos anos 1970, como consequência de sua rápida industrialização, a URSS e os governos da Cortina de Ferro passaram a sentir a escassez de matérias-primas. Essa demanda urgente fez com que os países do Comecon buscassem suprimentos externos nos países em desenvolvimento e assegurassem seu acesso a recursos naturais e humanos do Terceiro Mundo. Para isso, foram assinados acordos de compensação nos quais o bloco fornecia empréstimos tendo como reembolso a compra prioritária de suas mercadorias e investimentos diretos na produção energética e mineral.
Entre os investimentos dos países mais ativos do Comecon no Terceiro Mundo, estavam três áreas: 1) mineração e outras formas de extração e processamento de recursos naturais; 2) processamento de bens intermediário para seu mercado doméstico; 3) processamento final para o mercado local.
Os salários relativamente altos, combinados aos benefícios sociais, em toda a extensão do Comecon também eram um estímulo à transferência das atividades manufatureiras para regiões com mão de obra mais barata. Foi em busca do baixo custo de produção que, por exemplo, três empresas têxteis da Polônia – DAL, Textilimpex e Varimex – se uniram a parceiros locais para estabelecer em 1975 uma grande fábrica no norte do Irã: a Western Textile Company. Além de deter 40% do patrimônio, os poloneses forneceram a maior parte das máquinas e conhecimentos técnicos para a primeira planta da empresa, em Quermanxa. A fábrica tinha a capacidade anual de mais de processamento de dois mil toneladas de fio de algodão, e a Textilimpex comprava 80% da produção para exportação para a Polônia. O projeto polonês de expansão da empresa foi interrompido pela Revolução Iraniana de 1979. A Textilimpex ainda manteve um investimento parecido no Brasil – a Poltex –, importando tecidos da subsidiária brasileira.
Tal modelo de produção para a exportação ao mercado doméstico se tornou comum entre os investimentos de todos os países do Comecon. Na mesma época, os húngaros negociaram o estabelecimento de fábricas de tecelagem de algodão no Irã, Egito e Grécia, prevendo a reexportação para a Hungria de 100% dos tecidos produzidos. Os checos montaram uma indústria de processamento de couro também no Irã, a International Leather, que produzia para tanto para a indústria local de calçados como para exportação para a Tchecoslováquia. Por outro lado, a produção de bens intermediários no exterior costumava obedecer a certas contrapartidas. A Medimpex da Hungria tinha fábricas instaladas na Índia e no Paquistão, onde produtos farmacêuticos eram feitos com base em componentes húngaros, mas também deviam abastecer mercados locais.
A competitividade era um fator de vantagem para o Comecon em suas relações com os países em desenvolvimento. O Terceiro Mundo representava um mercado amplo para os máquinas e equipamentos produzidos na URSS e no Leste Europeu. A durabilidade dessas tecnologias industriais era maior que de seus pares produzidos no Ocidente. Subsidiárias das empresas transnacionais e joint-ventures promoveram a instalação de maquinário e até mesmo de plantas industriais inteiras nos países em desenvolvimento. Os preços dos produtos do Comecon eram mais baratos, e a oferta de créditos era mais fácil.
Além disso, se as restrições da balança de pagamentos limitavam os investimentos do Comecon nos países da OCDE, o mesmo quadro não repetia no Terceiro Mundo. A maioria das nações do Comecon possuía uma balança comercial positiva com os países em desenvolvimento, e, como ressalta o prof. McMillan, os superávits em moeda local não só facilitam, mas incentivam os investimentos diretos – estes podiam ser negociados de governo para governo e assumiam a forma de propriedade integral por parte das empresas do Comecon, de participação majoritária ou de parcerias com cidadãos particulares dos países do Terceiro Mundo.
As transnacionais do Comecon eram iguais às do Ocidente?
Ao analisar os investimentos externos da URSS e dos países do Leste Europeu, nota-se que o controle de ativos por parte do investidor variava de país para país, de contexto para contexto. A mesma empresa do Comecon que formava uma joint-venture em uma nação da África poderia deter a participação majoritária em outro investimento em um país da OCDE. A forma de patrimônio empresarial dependia de circunstâncias específicas do país-anfitrião do investimento.
Também é comum definir as empresas transnacionais como aquelas que estabelecem instalações de sua produção no exterior. Essa definição centralizada na produção excluiria, por exemplo, a maioria dos investimentos diretos do Comecon nos países da OCDE. É nesse aspecto que as grandes multinacionais do Ocidente sempre foram, em larga vantagem, superiores às empresas do Comecon.
Ainda assim, o padrão de investimento estrangeiro do Comecon obedecia à mesma dinâmica observada nas atividades multinacionais ocidentais, evoluindo de um primeiro estágio de investimentos em comércio no exterior para estágios posteriores de investimentos em produção. Apesar da menor integração das atividades industriais das empresas do Comecon às cadeias produtivas globais, as próprias pressões econômicas internacionais forçaram essas firmas a se envolverem cada vez mais na produção e fornecimento internacionais.
Por outro lado, havia uma rejeição por parte dos países socialistas ao rótulo de “multinacional”, já que, para seus governos, suas empresas não aventuravam no exterior com a orientação primordial de obter lucros privados, o que as diferiria das multinacionais originárias das economias de mercado. Tanto era assim que, segundo o prof. McMillan, os países do Comecon argumentavam nas discussões multilaterais na ONU nos anos 1970 e 1980 que suas transnacionais deveriam estar isentas das regulações internacionais por elas já estarem sujeitas à disciplina e controle das autoridades governamentais de seus países de origem.
Além disso, essa negação ao rótulo tem uma explicação ideológica – os países do Comecon não poderiam admitir que as atividades de suas empresas fossem equiparadas à exploração imperialista promovida pelos EUA e a Europa Ocidental na África, Ásia e América Latina. Consentir essa equiparação seria embaraçoso para as relações políticas da URSS e do Leste Europeu com os povos do Terceiro Mundo e traria enormes repercussões domésticas.
Apesar das diferenças gerais, a URSS e as repúblicas do Leste Europeu sabiam, na prática, que seus investimentos estrangeiros acabaram se condicionando às realidades nacionais de cada país-anfitrião. As subsidiárias e joint-ventures do Comecon aderiam a mecanismos de mercado e às normas comerciais e financeiras locais – seja no Ocidente industrializado, seja, em especial, no Terceiro Mundo. Nesse quesito em particular, suas atividades seguiam lógicas, do ponto de vista operacional, semelhantes às de outras empresas estrangeiras. Por isso, muitas vezes, competiram diretamente com as multinacionais ocidentais durante a Guerra Fria, como bem documentado pela própria ONU.
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