Algumas das forças mais poderosas no México estão unidos em uma campanha para tentar derrubar o primeiro presidente de esquerda do país em décadas, Andrés Manuel López Obrador. E eles aparentemente têm o apoio de Washington e Wall Street.
Conhecido popularmente como “AMLO”, o líder mexicano é um nacionalista progressista que fez campanha prometendo “acabar com a noite escura do neoliberalismo”. Desde então, tem implementado uma visão revolucionária que ele chama de “Quarta Transformação”, prometendo lutar contra a pobreza, corrupção e a violência ligada às drogas — e tem cada vez mais entrado em confronto com as elites mais ricas de sua nação.
López Obrador também se afirmou como um obstáculo para o consenso da política externa dos EUA. Seu governo forneceu refúgio ao presidente socialista eleito da Bolívia Evo Morales e para membros do partido de Evo que foram exilados após o golpe militar apoiado pela administração Trump.
AMLO também realizou uma histórica reunião com o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, e chegou até mesmo a afirmar que o México estaria disposto a romper com o bloqueio unilateral imposto pelos EUA à Venezuela e vender gasolina ao sitiado governo chavista.
Essas políticas renderam ao presidente mexicano a ira das oligarquias tanto de seu país como do exterior. Em 18 de junho, o governo dos Estados Unidos aumentou sua pressão sobre o México, visando impor sanções a empresas e indivíduos por alegadamente fornecer água à Venezuela como parte de um acordo humanitário que trocava petróleo por alimento.
O valor de peso mexicano imediatamente caiu 2% após a imposição de sanções pela administração Trump.
Esses movimentos iniciais da guerra econômica de Washington contra seu vizinho ao sul vieram dias após López Obrador realizar uma bombástica coletiva de imprensa onde revelou que os partidos que dominaram a política mexicana por décadas haviam se unido em uma conspiração secreta para tentar derrubar o presidente anos antes de seu mandato democrático acabar em 2024.
As forças tentando removê-lo do poder incluem grandes redes de mídia, enormes corporações, governadores e prefeitos em exercício, ex-presidentes e líderes de negócio de grande influência. De acordo com um documento vazado, eles se autointitulam o “Bloco Opositor Amplo” (Bloque Opositor Amplio, ou BOA).
Além disso, afirmam possuir lobistas em Washington, investidores em Wall Street e grandes publicações e jornalistas de redes de comunicação domésticas e estrangeiras como parte de seu time.
O plano do “Bloco Opositor Amplo” para demonizar López Obrador por meio de propaganda midiática
Em uma conferência de imprensa realizada em 9 de junho, o governo mexicano publicou um documento de estratégia vazado de nome “Resgatemos o México” (Rescatemos a México) que foi supostamente redigido pelo Bloco Opositor Amplo. A administração AMLO afirmou não conhecer a origem do vazamento.
Suas páginas consistiam de um resumo do “Projeto BOA”, delineando aquilo que chama de um “plano de ação” – um plano de medidas concretas que a aliança de oposição seguirá para derrubar AMLO.
Um dos pontos chave no plano é o seguinte: “Fazer lobby a partir do BOA em Washington (Casa Branca e Capitólio) para enfatizar os danos que estão sendo feitos aos investidores norte-americanos pelo governo da Quarta Transformação.”
A estratégia de fazer lobby depende fortemente de virar os EUA contra López Obrador: “Mais do que comparar com a Venezuela,” o documento afirma, “o BOA deve enfatizar a altíssima migração de mexicanos para os Estados Unidos se a crise de desemprego e segurança se aprofundar.”
O BOA então adiciona: “Repetir essa narrativa na imprensa dos norte-americana e europeia.”
As páginas vazadas afirmam que o BOA possui a “imprensa internacional (EUA e Europa)” ao seu lado, em conjunto com “correspondentes estrangeiros no México.”
O documento chega a nomear meios de comunicação específicos, além de jornalistas e influenciadores das mídias sociais, que poderiam ajudar a disseminar propaganda anti-AMLO. Na lista estão algumas das principais agências de notícia do México: Nexos, Proceso, Reforma, El Universal, Milenio, El Financiero e El Economista.
O “plano de ação” deixa claro que sua poderosa aliança de oposição busca usar seu extenso controle sobre a mídia para culpar de forma obsessiva AMLO pelo “desemprego, pobreza, insegurança e corrupção” no México.
O BOA chega a afirmar de forma inequívoca em seu plano que usará “grupos de redes de mídia social, influenciadores e analistas para insistir na destruição da economia, instituições democráticas e autoritarismo político do governo da 4T” (usando a sigla para o processo da Quarta Transformação).
Isso deixa especialmente irônico o fato de que o documento do BOA, relutante, reconhece que o “governo [de López Obrador] tem conseguido mitigar o impacto econômico da crise sanitária do coronavírus dando grande quantidade de dinheiro público aos afetados por meio de programas sociais.”
Da mesma forma, as páginas vazadas admitem que AMLO possui uma taxa de aprovação de mais de 50% — menor do que o pico de 86% de apoio no começo de 2019 ou os 72% no fim do ano, mas ainda assim impressionante para uma região em que os líderes apoiados pelos EUA, como Sebastián Piñera no Chile ou Iván Duque na Colômbia, geralmente tinham uma taxa de aprovação de 6% e 24%, respectivamente.
Partidos da ordem do México e ex-presidentes unidos para destituir López Obrador
Com apoio do governo dos EUA e domínio completo das narrativas na mídia, o plano do Bloco Opositor Amplo é unir todos os partidos da ordem no México.
Juntos, esses partidos podem potencialmente se candidatar sob o guarda-chuva do BOA, de acordo com o documento. Seu objetivo seria, nas eleições legislativas de 2021, acabar com a maioria que o partido de esquerda Morena, de López Obrador, conquistou na Câmara dos Deputados.
Após isso, o BOA afirma claramente que planeja bloquear as reformas na legislatura mexicana, e por fim realizar o impeachment do Presidente López Obrador em 2022 — dois anos antes do fim de seu mandato.
Bastante revelador é que o documento “Resgatemos o México” não menciona nada em relação aos mexicanos comuns da classe trabalhadora e sua participação no processo político. Também não reconhece a existência de sindicatos ou organizações ativistas de base, a base do movimento de AMLO e de seu partido Morena.
Isso não é surpresa, considerando que na lista de alianças do BOA figuram algumas das figuras mais poderosas da classe dominante mexicana.
Todos os grandes partidos estão incluídos: o direitista Partido de Ação Nacional (Partido Acción Nacional, ou PAN), o centro-direita Partido Revolucionário Institucional (Partido Revolucionario Institucional, ou PRI), o centrista Movimento Cidadão (Movimiento Ciudadano, ou MC), e até mesmo o antigo partido de AMLO, o Partido da Revolução Democrática (Partido de la Revolución Democrática, ou PRD).
O BOA também inclui o novo partido México Livre, uma plataforma para o ex-presidente de direita Felipe Calderón, grande aliado de George W. Bush que declarou uma catastrófica “guerra às drogas” no México, levando a dezenas de milhares de mortes.
Junto com Calderón, o BOA lista o ex-presidente Vicente Fox, outro aliado de direita dos EUA, como um aliado da coalizão. Fox trabalhou de perto com a administração Bush durante seu mandato buscando isolar os governos de esquerda na América Latina, e chegou até mesmo a tentar remover de forma não democrática AMLO da prefeitura da Cidade do México e bani-lo da disputa presidencial.
O BOA também diz possuir o apoio de governadores de 14 estados no México, juntamente com parlamentares da oposição tanto no Senado como na Câmara dos Deputados, juízes do Tribunal Eleitoral do Poder Judicial da Federação (TEPJF) e oficiais da Instituto Nacional Eleitoral (INE).
Investidores de Wall Street e oligarcas mexicanos financiam a aliança anti-AMLO
Ao lado de todo o establishment político mexicano no Bloco de Oposição Amplo está uma poderosa oligarquia financeira de natureza doméstica e estrangeira. Além de seus “lobistas anti-4T em Washington,” o documento vazado também afirma que o BOA possui por trás de si “fundos de investimento de Wall Street”.
O BOA ainda adiciona que é apoiado por “corporações ligadas ao T-MEC [Tratado entre México, Estados Unidos e Canadá]”, o acordo de livre-comércio entre as três nações que é conhecido popularmente como “NAFTA 2.0”.
Alguns dos capitalistas mais ricos do México estão associados ao BOA. Nomeados no documento estão a gigante corporativa FEMSA e oligarcas de seu associado Monterrey Group, que o New York Times uma vez descreveu como uma “família muito bem integrada de homens de negócio ricos e conservadores.”
As páginas do BOA também apontam o poderoso Conselho de Coordenação de Negócios do México (Consejo Coordinador Empresarial) e a Confederação dos Empregadores da República Mexicana (Coparmex) como aliados.
Oposição nega envolvimento no BOA, enquanto aumenta pressão a AMLO
Nos dias posteriores à conferência de imprensa em que López Obrador expôs o Bloco de Oposição Amplo, algumas das figuras proeminentes envolvidas na aliança, como Felipe Calderón, negaram seu envolvimento.
Alguns dessas elites políticas e econômicas chegaram a alegar que o BOA não existe, buscando levantar dúvidas em relação à escandalosa revelação do presidente e acusando-o de fabricar tal escândalo.
Mas seus esforços são claramente parte de uma ampla campanha dos grupos de oposição mexicanos para remover o Presidente Andrés Manuel López Obrador do poder. Conforme a Quarta Transformação de AMLO segue adiante, suas táticas de desestabilização crescem de forma cada vez mais extrema.
O próprio López Obrador alertou para a radicalização da oposição de direita. Conforme o The Grayzone já reportou, o presidente fez uma referência à ameaça de um potencial golpe ainda em novembro de 2019.
Referindo-se ao ex-presidente do México, Francisco Madero, um líder da Revolução Mexicana que foi assassinado em 1913, AMLO postou: “Que equivocados estão os conservadores e seus falcões! […] Agora é diferente […] Outro golpe de estado não será permitido.”
A próxima parte desta série investigativa do The Grayzone mostrará como as forças de extrema-direita no México estão pressionando por um golpe contra López Obrador.