São tempos de tensão global em torno da Palestina. Em julho, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu empreender o que cinicamente descreveu como uma “oportunidade histórica”: a anexação formal de extensas áreas ocupadas da Cisjordânia.
As forças armadas deram início aos preparativos, enquanto colonos israelenses estão irritados com o fato de a anexação não ser o suficiente.
Diante de tamanhas intenções, diversos países, políticos e organizações internacionais têm protestado. A Grã-Bretanha não “irá apoiar” a anexação; já França, Bélgica, Luxemburgo e Irlanda discutem embargos econômicos como resposta.
Joe Biden, candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, pretende pressionar Israel para que não cometa ações que “impossibilite uma solução de dois estados”.
A Jordânia tem protestado ativamente e países do Golfo também seguem em alerta. A anexação seria um “sério retrocesso no processo de paz”, de acordo com o ministro de relações exteriores dos Emirados Árabes, Anwar Gargash.
A Arábia Saudita realizou protestos similares.
O coordenador especial pelo processo de paz no Oriente Médio, Nickolay Mladenov, pediu que Israel “abandone as ameaças de anexação”; caso insista, ele alertou, será uma violação “mais séria” do direito internacional.
Da boca para fora
Com a China “profundamente preocupada”, a Rússia contestando e até o Vaticano advertindo contra a anexação, parece haver um bloco sólido de oposição aos planos israelenses.
E, mesmo assim, nada disso detém Israel, pois começam a emergir planos cada vez mais detalhados de anexação.
O governo de Israel admite que os palestinos que moram nas áreas a serem anexadas – calcula-se 30% do que resta da Cisjordânia (fora da Jerusalém Oriental), e isso inclui grandes blocos de assentamento e o Vale do Jordão – não vão receber cidadania e, em vez disso, terão que continuar a viver como cidadãos de segunda ou terceira classe.
Israel também vai evitar cidades e outros grandes centros palestinos, deixando muitos deles completamente cercados pelo que se tornaria território soberano do estado.
Israel está confiante e aberta sobre seus planos porque goza do apoio de Washington. As autoridades israelenses deixam claro que a anexação pendente seguirá o esboço do chamado “plano de paz” de Trump, idealizado por seu genro, Jared Kushner, e o real autor – de acordo com alguns direitistas israelenses -, Netanyahu.
A única opinião que realmente importa é a dos Estados Unidos e, caso essa mude – como alguns relatórios sugerem -, a anexação pode ser adiada.
Mas anexação não é uma invenção repentina de Trump ou Netanyahu. É a intenção de Israel desde que ocupou a Cisjordânia em 1967 – discutivelmente antes -, e o governo de Trump está simplesmente fornecendo um pacto transparente, afastado do debate por governantes anteriores.
Fim de um acordo
O processo de paz financiado pelos EUA que se seguiu à assinatura dos acordos de Oslo, em 1993, sempre foi um debate, na verdade, entre apoiadores de Israel nos Estados Unidos e líderes israelenses. O debate em questão era quanto território a mais Israel pegaria e sob quais circunstâncias.
Oficiais da Autoridade Palestina (AP) continuam esperançosos – ao menos em público – de que a ajuda possa vir de outros lugares. O chefe da AP, Mahmoud Abbas, exigiu com frequência um processo de paz liderado internacionalmente para substituir o dominado pelos EUA.
No entanto, países europeus não intervêm. A França e outros podem até falar sobre medidas punitivas, mas para a União Europeia agir coletivamente, todos os 27 países-membros precisam estar de acordo. Aliados de Israel, como a Hungria e a República Tcheca, poderiam bloquear apenas discussões preparatórias sobre sanções e, assim, poupar a maiores aliados como a Alemanha – que alegou publicamente apoiar o direito internacional – qualquer constrangimento por proteger as violações israelenses.
O Reino Unido, que cedeu a Palestina, pode dizer que considera a anexação uma violação do direito internacional, mas também não irá tomar nenhuma atitude. Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, teve várias oportunidades para explicar como o país o sustentaria, mas se negou a oferecer detalhes.
Rússia e China estão ocupadas com suas próprias esferas de influência, e países árabes – da Jordânia ao Golfo – são dependentes demais das forças armadas norte-americanas para apoiar uma ação mais incisiva.
Os palestinos precisam se defender. As autoridades palestinas sabem para onde os ventos estão soprando, mas, em particular, expressam o medo de que, com o abandono da AP – como seria necessário para pôr fim nos acordos de Oslo -, a possibilidade de qualquer liderança palestina unificada seria minada.
Sem Autoridade Palestina, alguns argumentam, Israel está livre para dividir, empoderando fortes homens locais em diferentes regiões para manter a ordem em troca de favores pessoais e distribuindo vantagens por lealdade – basicamente o que a AP, relutantemente ou não, tem feito até agora.
Mas esse é o futuro que os palestinos têm que enfrentar, divididos como já estão. Além disso, a estratégia de municípios é insustentável para Israel que, para garantir a “vitória” definitiva, terá que comandar outra rodada de limpeza étnica maciça, ultrapassando, inclusive, a de 1947-49.
Israel pode ou não ter disposição para isso. Para os palestinos, qualquer líder, existente ou a emergir, que deseje unificar e inspirar seu povo, precisa começar a reconhecer que os métodos antigos não funcionam mais.
Uma nova-antiga luta encara os palestinos, cujo início se dá em manter as pessoas nas suas terras, e que precisa terminar por liberdade e consolidação de direitos nacionais para uma só Palestina, inteira.