Com o fechamento das urnas das eleições para a Assembleia Nacional da Venezuela, a situação política geral ficou mais clara. O pólo progressista que representa o legado duradouro do falecido presidente Hugo Chávez desfruta de uma nítida maioria.
É evidente que as forças que atuam como freios ao progresso não podem controlar uma maioria decisiva e nem representar um grande desafio para o poder político, apesar de sua capacidade de infligir danos significativos.
Juan Guaidó, astutamente descrito por um diplomata venezuelano como o “presidente de Nárnia”, posou com seu pretenso selo presidencial para pedir um boicote à eleição.
Com os venezuelanos pressionados por boicotes, embargos e sabotagem que provocam escassez e cortes de energia, é notável que o Estado tenha se mostrado resistente o suficiente para organizar um processo eleitoral que, dentro de todos os padrões objetivos, é um dos mais seguros e confiáveis do mundo.
Não que isso faça diferença para o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, que antes da abertura das urnas chamou as eleições do último domingo de fraudulentas.
Os vários ramos do setor de inteligência dos Estados Unidos sabem perfeitamente bem que essa estratégia de fingimento – da qual o charlatão Guaidó pode reivindicar qualquer aparência de legitimidade – não pode sobreviver à eleição de uma nova Assembleia Nacional. Assim, eles são forçados a tuitar que: “Esta eleição serve apenas para manter Maduro no poder e não para construir um futuro melhor para o povo da Venezuela.”
Com ofensivas na fronteira e invasões armadas desajeitadas eficazmente derrotadas pelas forças de segurança venezuelanas, a retórica vazia dos EUA sobre direitos humanos e liberdade soa especialmente vaga o povo de toda a América Latina, que possui ampla experiência com intervenções dos EUA.
A União Europeia recusou-se a enviar observadores às eleições do último domingo, dizendo que não existem condições para um processo democrático. Esta submissão excessiva aos ditames do Departamento de Estado dos EUA zomba das pretensões da UE à supremacia moral.
Os números da votação são motivo de otimismo, mas também parecem ser uma nota de advertência.
Embora a votação tenha tido um resultado majoritário, a taxa de abstenção é alta. A oposição de centro-direita teve uma votação considerável, com cerca de um a cada cinco votos. A importância disso é que a estratégia de tensão praticada pela extrema direita e patrocinada pelos Estados Unidos, com a colaboração de importantes setores da reação na vizinha Colômbia, fracassou em sua tentativa de acabar com a política formal e fomentar uma guerra civil aberta.
Nos estágios finais da eleição, o presidente Maduro foi à TV condenar as táticas da extrema direita apoiada pelos EUA: “‘Àqueles que tramam golpes, que pedem intervenção militar, dizemos: votos sim – guerra não, balas não.”
O resultado das eleições foi, portanto, bem-sucedido, mas é importante notar que onde o processo revolucionário venezuelano não conseguiu aprofundar a pauta da classe trabalhadora, houve retrocesso.
As relações de produção capitalistas permanecem dominantes. A corrupção e os privilégios da classe média incorporados na forma particular de gestão estatal da indústria do petróleo exercem uma influência maligna.
Noções falsas de uma “burguesia revolucionária” encorajam negociadores de paz a irem para os setores de direita; quanto a convencer muitos a abandonar a violência e participar do processo eleitoral, isso teve resultados positivos, mas a falta de vontade de arriscar um confronto decisivo com o capital é uma das razões pelas quais as forças contra-revolucionárias da Venezuela permaneceram fortes o suficiente para iniciar verdadeiras campanhas de desestabilização em 2017 e 2019 que custaram muitas vidas, mesmo que o êxito do governo em mobilizar milhões de pessoas para derrotar essas insurgências demonstre suas raízes profundas no povo.
Essas são as razões pelas quais o Partido Comunista e algumas outras formações de esquerda se destacaram neste ano como formações eleitorais diferenciadas que pretendem aprofundar o processo revolucionário.
A vida está se mostrando mais rica que a teoria, à medida que as noções de um distinto “socialismo do século 21”, capaz de escapar das realidades agudas da práxis revolucionária, são testadas.