Uma reportagem alarmante publicada na segunda-feira (18/01) no Washington Post afirmava que o líder norte-coreano Kim Jong-un poderia disparar um míssil balístico intercontinental em meio à posse de Joe Biden.
“A Coreia do Norte parece estar dando passos em direção a um novo teste de um poderoso míssil lançado por submarino, disseram especialistas em armas dos EUA, à medida que aumenta a pressão sobre o presidente eleito Joe Biden”, foi escrito, sugerindo que o Líder Supremo está “planejando uma exibição de fogos de artifício muito diferente para saudar o novo presidente dos Estados Unidos”.
Um dos especialistas em armas no qual a história se baseia é Michael Elleman, diretor de um think tank elusivo e belecicista, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS em inglês), que disse ao Post que os mísseis coreanos podem ter um alcance de cerca de 1.900 milhas e têm a capacidade de atingir alvos dos EUA no Pacífico.
Apresentado como uma autoridade neutra, o Washington Post não informou a seus leitores que o IISS é amplamente financiado e supervisionado pela indústria de armas, com cinco de seus seis contribuintes mais generosos – Airbus, BAE Systems, Boeing, Lockheed Martin e Raytheon – sendo grandes fabricantes da indústria de defesa, cada um doando somas de seis dígitos. O conselho do IISS inclui um ex-Secretário Geral da OTAN e anteriormente incluía o CEO da Lockheed Martin. Como tal, muitos dos principais financiadores e atores da organização têm um claro incentivo financeiro para impelir à guerra ou aumentar as tensões com países inimigos, tornando qualquer uma de suas declarações sobre o assunto imediatamente suspeitas. (O IISS também aceitou secretamente 25 milhões libras esterlinas – cerca de 34 milhões de dólares – do governo do Bahrein).
Infelizmente, o Washington Post é um infrator reincidente ao deixar de divulgar os enormes conflitos de interesse de suas fontes, ao mesmo tempo que compartilha uma opinião pró-guerra. Em um artigo de 2017 sobre vendas de armas para a Arábia Saudita, o Post permitiu que o vice-presidente sênior do Middle East Institute (Instituto do Oriente Médio, em português), Gerald M. Feierstein, elaborasse o debate, argumentando que os EUA deveriam vender mais de seu armamento de alta tecnologia para a Arábia Saudita, alegando que bombas inteligentes de precisão são preferíveis aos explosivos não-guiados usados pelos sauditas. “Devemos fornecer mais ajuda, mais apoio, para que eles parem de fazer coisas estúpidas […] Não devemos restringir todas as ferramentas que permitiriam que eles façam isso da maneira correta”, disse ele.
Deixando de lado o fato de que os sauditas visaram instalações médicas, de esgoto e água do Iêmen a uma média de um ataque aéreo a cada dez dias durante todos os seis anos de guerra, não foi revelado o fato de que o Middle East Institute é generosamente financiado pela Arábia Saudita e por fabricantes de armas como a Raytheon, BAE Systems e Northrop Grumman. São exatamente essas partes que desejam que a guerra continue, fazendo de seu porta-voz um ator altamente duvidoso. No entanto, isso não é revelado aos leitores, aumentando artificialmente a credibilidade do lado pró-guerra.
Parte da razão pela qual governos ou grandes empresas de armas doam milhões para think tanks influentes todos os anos é para subsidiar um fluxo constante de relatórios ou artigos de opinião nos principais veículos, que ajudarão a convencer seu público e o público em geral de que a guerra é o melhor caminho a seguir. É apenas bom senso comercial.
Ultimamente, o principal adversário dos EUA tem sido a China, com uma série de escritores ocidentais e think tanks exigindo que paremos sua “estratégia de dominação mundial” (como Claudia Rosett, do Hudson Institute /Dallas Morning News). Escrevendo no influente jornal Foreign Policy no mês passado, Edward Lucas, vice-presidente sênior do Center for European Foreign Policy Analysis (Centro de Análise de Política Externa Europeia, em português), pediu uma aliança global massiva e “com bons recursos” para “conter a influência do Partido Comunista Chinês” e impedir sua “agressão.” Ele não caracterizou a agressão como especificamente militar, mas elogiou a OTAN, sugerindo que tinha a guerra em mente. Mais uma vez não revelado, no entanto, é que as doações da própria OTAN, bem como uma miríade de fabricantes de armas, incluindo Lockheed Martin, Bell Helicopter e Raytheon, pagam o seu salário.
Enquanto isso, o Twitter anunciou sua decisão de banir mais de 170.000 contas que alegou serem supostamente favoráveis ao Partido Comunista Chinês, após consulta com o supostamente neutro Australian Strategic Policy Institute (ASPI – Instituto Australiano de Política Estratégica, em português). No entanto, a própria ASPI é a força motriz por trás da tentativa de transferir a lealdade da Austrália da Ásia para os Estados Unidos. E, claro, o ASPI é financiado pelo Departamento de Estado dos EUA, bem como os principais mercadores de armas.
É assim que o jogo funciona e o complexo industrial dos think tanks é sustentado. Os fabricantes de armas alocam uma pequena parte de seus enormes lucros para “investir” em think tanks, sabendo que essas organizações ajudarão a criar a justificativa intelectual e o clima para mais guerras e, portanto, mais lucros.
Deveria caber aos principais meios de comunicação destacar e alertar o público para esta prática perigosa que coloca em risco literalmente toda a população do planeta. Infelizmente, os meios de comunicação corporativos são financiados pelas mesmas fontes ou por fontes semelhantes do mundo dos think tanks, o que significa que uma investigação dessas organizações de financiamento controverso está fora de questão. É, portanto, deixado para pequenos sites de mídia alternativa dar o alerta e fornecer uma mensagem anti-guerra. Infelizmente, seu alcance é muito menor do que o mais rudimentar míssil norte-coreano.