Se os governos neoliberais da região possuem algo em comum, é o fato de que a eficiência tem demonstrado ser mais um ingrediente de sua propaganda e menos um item efetivo de sua gestão.
Com a Bolívia não foi diferente, e apenas 11 meses da administração econômica de Jeanine Áñez foram suficientes para abalar a estabilidade da economia com o melhor desempenho do continente na última década e para empobrecer as famílias. A queda no PIB da Bolívia em 2020 superará 8%, um registro que, apesar de não se diferenciar muito dos países vizinhos, se destaca por ser o único país que, em plena pandemia, adotou medidas de ajuste em vez de estimular a economia. O estudo realizado pelo Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR), intitulado “Economic policy responses to a pandemic: Developing the Covid-19 economic stimulus index”, mostra que a Bolívia está entre os países da América Latina que menos dedicaram impulso fiscal para enfrentar a crise gerada pela pandemia: menos de 0,5% do PIB (frente à média global de 2%). Durante esse breve e destrutivo ciclo de neoliberalismo, a Bolívia gerou mais de um milhão de novos pobres durante a (indi)gestão de Áñez.
A contundente vitória eleitoral do MAS, em outubro, criou as bases para que, a partir de novembro, com o novo Governo, fosse possível começar a ministrar o antídoto necessário. Em apenas dois meses, Luis Arce pôs mãos à obra e realizou uma grande implantação de políticas econômicas, que poderiam ser agrupadas em três eixos: 1) humanitárias (para os mais necessitados), 2) ordenadoras e 3) retomada do crescimento:
Humanitárias:
- Lançamento do Crédito contra a Fome, que equivale a 140 dólares entregues mensalmente, entre dezembro e março, o que constitui um suplemento direto na veia dos mais necessitados para enfrentar a urgência social;
- Novo regime de restituição do Imposto ao Valor Agregado (IVA), que devolve 5% do preço líquido às pessoas que recebem menos de 1.250 dólares. A referida medida melhora a renda das classes média e baixa;
- Aumento de 3,4% na renda dos aposentados para 2020;
- Diminuição no preço dos alimentos graças ao restabelecimento do certificado de abastecimento interno para soja, de tal forma que a indústria deverá destinar, no mínimo, 15% de farinha solvente a um preço justo ao mercado interno.
Ordenadoras:
- Fim da farra de 11 meses de contrabando: intensificação da supervisão aduaneira, crescimento notável no número de apreensões e detenções de funcionários corruptos;
- Revogação de decretos de Áñez prejudiciais aos interesses públicos, tais como: a) decreto que autorizava o uso de sementes transgênicas; b) decreto que diferenciava o Imposto de Renda das Empresas (IUE), a redução da base tributável do imposto às transações; c) decreto que permitia a livre exportação agropecuária de frango e carne, e eliminava o requisito do certificado de abastecimento interno; d) decreto que estendia a exploração do registro mercantil sem respeitar os devidos processos; e) decreto que habilitava a importação de veículos usados, que prejudica o meio ambiente e a balança comercial, envelhece o parque automotivo e deteriora os rendimentos fiscais;
- Desativação de juízos de arbitragem internacional pelo não cumprimento de pagamentos à Dopprlmayr, empresa austríaca fabricante do Mi Teleférico, por dívidas não canceladas durante o governo interino;
- Emissão de bônus natalino para incentivar a economia entre os pequenos poupadores;
- Extensão da alíquota de 25% sobre o imposto para Utilidades (AA-IUE) caso a rentabilidade seja maior que 6%, o que até o momento afetava apenas bancos e outras empresas financeiras;
- Sanção do imposto sobre grandes fortunas, que fará com que cerca de 150 famílias passem a contribuir para o esforço comum de levar o país adiante.
Retomada do crescimento
- Ordenou-se a capitalização de 100% dos benefícios de 2020 da banca e de outras entidades financeiras, com o objetivo de fortalecer o sistema financeiro, aumentar a solidez dos bancos e expandir o crédito (uma vez que não poderá ser distribuído como dividendos);
- Reprogramação e refinanciamento automático de créditos cujas cotas venceram durante a pandemia, e que serão adiadas sem penalidades nem juros;
- Criação e regulamentação dos fundos para reativar a indústria nacional e o combate ao contrabando que atenta contra a produção nacional, especialmente têxtil, que ressurgiu durante o governo de Áñez;
- Créditos de fomento agrário com juros anuais de 3%;
- Reativação da construção do trem metropolitano de Cochabamba (mais de 17 milhões de dólares de investimento);
- Reativação da planta processadora de banana de Unabeni;
- Mais de cinco milhões de dólares investidos na companhia aérea Boliviana de Aviación (BoA). A empresa estava em processo de desmantelamento para que fosse vendida a preço de custo (abandono das rotas rentáveis, atraso nos pagamentos tributários e na manutenção das aeronaves);
- 130 milhões de dólares destinados a créditos para reativar a indústria nacional, com 5% de juros e até 10 anos de prazo, com o principal objetivo de substituir importações de bens finais e intermediários;
- Reativação de plantas e projetos produtivos paralisados, em particular a indústria de lítio e a planta de ureia, paralisados por problemas técnicos, suspeitos de terem sido plantados para facilitar a apropriação privada a preço de custo.
O Arce presidente não deixou de ser o Arce economista. O conjunto de ações tomadas durante esse curto período tem um objetivo claro: que a Bolívia retome o rumo para uma economia eficiente e com rosto humano, e que isso seja feito o mais rápido possível. E, por hora, segue pelo caminho certo.