As eleições no Peru no último domingo (11) vieram com uma surpresa: nas primeiras contagens e pesquisas de boca de urna, um candidato quase ignorado na imprensa e irrelevante nas pesquisas de intenção de voto surgia, de súbito, como favorito. Com quase 90% das atas processadas, o professor e líder sindical Pedro Castillo, de 51 anos, aparece como primeiro colocado, com 18,8% dos votos, seguido por Keiko Fujimori, herdeira do clã familiar que governou o país por uma década, com 13,2%.
Castillo nasceu na província de Chota, na região de Cajamarca, e durante a juventude foi membro de uma ronda campesina, tipo de organização comunal de autodefesa rural nascido nos anos 70 e usado na luta contra o Sendero Luminoso e o MRTA nos anos 80. Protagonista de uma greve de professores que durou dois meses em 2017, Castillo se destacou atuando como presidente do Comitê de Luta das bases regionais do Sindicato Unitário de Trabalhadores da Educação do Peru (SUTEP), período no qual foi acusado pelo então ministro do Interior, Carlos Basombrío, de ter vínculos com o Sendero Luminoso por meio do Movimento pela Anistia e Direitos Fundamentais (Movadef), e denunciado, junto de outras dez pessoas, no Ministério Público – a investigação, no entanto, acabou arquivada.
Foi membro do partido Perú Posible, do ex-presidente Alejandro Toledo, de 2005 até sua dissolução em 2017, e desde a greve de professores manteve contato com Vladimir Cerrón, ex-governador e secretário-geral do Perú Libre. A candidatura do partido deveria ser do próprio Cerrón, que foi impedido de se candidatar após ser condenado por “negociação incompatível com agravo ao Estado” mas agora, com Castillo, chega ao segundo turno das eleições presidenciais.
O programa apresentado pelo candidato é o mesmo do partido escrito em 2020, no qual a sigla é apresentada formalmente como socialista e orientada pelo pensamento de Marx, Lênin e Mariátegui. Nele está a defesa de um referendo para a formação de uma Assembleia Constituinte que modifique a Constituição de 1993 para levar adiante a “economia popular com mercados”, inspirada na experiência dos governos de Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador, com um Estado que, mais do que regular e taxar as empresas privadas, tome a iniciativa de criar empresas estatais para competir com a iniciativa privada e aja como “planificador, industrializador e nacionalizador”. Na mira de Castillo está especialmente o setor energético, que, promete, passaria por estatizações e nacionalizações, e a democratização dos meios de comunicação. Do ponto de vista político, é defendido um sistema de descentralização, com a constituição de uma República Federal, e o reconhecimento do Peru como um estado plurinacional. Há também no programa a defesa de um sistema de saúde público, gratuito e universal, a fixação de preços no mercado privado de saúde e a despenalização do aborto.
A campanha do professor primário partiu do interior, das regiões rurais, para as cidades. “O candidato se dirigia às massas, é o candidato que fez a campanha política mais tradicional: a do candidato que chega à praça, faz seu discurso, convence e vai embora. E fez isso em várias cidades do centro do Peru do início ao final, em Cajamarca, Ayacucho, Chumbivilcas, Cusco. Sua estratégia não foram as grandes cidades no início, e sim os grandes distritos rurais, e de lá passou às cidades”, descreveu o analista político Gonzalo Banda. “O desdobramento do campo à cidade, termo coincidentemente marxista, foi usado porque esse tipo de campanha é característico da esquerda historicamente, tínhamos que reforçar nossas ligações de maneira pessoal nos povoados identificados por classe, como o sul peruano que estava sendo arrebatado pela direita da Acción Popular e da social-democracia do Juntos por el Perú”, disse Cerrón.
O candidato combinou a essa estratégia regional, com a qual conquistou uma enorme quantidade de votos nas províncias mais pobres enquanto era desprezado na capital, uma postura de corte populista, usando suas escassas aparições midiáticas para fazer discursos inflamados em defesa da educação e em temas econômicos e políticos, como a sugestão do uso de 10% do PIB para educação e saúde; o fechamento do Supremo Tribunal, “que defende a grande a corrupção” e sua substituição por um novo, com ministros eleitos por voto popular; e o estabelecimento de novos termos nos contratos já existentes com empresas privadas; com posições conservadoras na esfera dos costumes, declarando-se contra as discussões sobre gênero na escola; se dizendo “pessoalmente contra a legalização do aborto, mas será discutido na Assembleia Constituinte” (apesar de seu programa tratar da despenalização); e contra o reconhecimento do casamento igualitário.
Em um cenário eleitoral fragmentado e sob uma crise institucional permanente – os últimos seis presidentes do país foram acusados ou condenados por corrupção, e no último ano e meio o Peru teve três presidentes –, a campanha de Castillo rendeu frutos. Acima de tudo, foi a surpresa reservada pelo Peru desconhecido e rural, onde os índices de pobreza são quase dez vezes maiores do que nas regiões urbanas, para um povo que, seja de onde venha, parece orientar suas esperanças para a mudança. Restará saber se até o segundo turno o desconhecido do campo terá a força necessária para tomar as cidades ou se, ao contrário, a cidade se apoiará no velho e conhecido, mesmo que a contragosto, para resistir ao cerco.