Os meteorologistas informam que uma onda de frio, decorrente do movimento de uma massa de ar polar, atinge o sul e o sudeste do País nesta semana. Em São Paulo, a temperatura chega aos 3º em algumas madrugadas. Na semana anterior, houve regiões, como o distrito de Marsilac, no extremo-sul de São Paulo, que chegaram a registrar temperaturas de -2,3º.
Em função da nova e histórica frente fria, a Prefeitura de São Paulo anunciou uma “operação de emergência” para atender a população de rua. Cinco tendas foram espalhadas pela cidade, com distribuição de agasalhos, cobertores, sopa e kits de higiene. Também foram criadas vagas emergenciais em abrigos – algumas em hotéis no centro da cidade –, e algumas igrejas, paróquias e sinagogas permanecerão abertas durante as noites gélidas. O governo do Estado de São Paulo saiu-se também com uma solução curiosa: reservou um espaço subterrâneo no enorme vão do que é uma plataforma fantasma da estação de metrô Pedro II, no centro, para que sirva de abrigo aos moradores de rua.
A comparação com as dezenas de milhares de ingleses evacuados para os metrôs de Londres durante os bombardeios alemães na Segunda Guerra é evidente. Não há bombas ou canhões em São Paulo, mas a Blitzkrieg contra os pobres, expressa no desemprego, no aumento da pobreza, na ausência de auxílio e nas desocupações, se desencadeia nas dezenas de milhares de pessoas morando nas ruas (oficialmente 25 mil, segundo o censo de 2019; a esta altura sabe-se lá quantas). Coisa curiosíssima, tendo em conta que há 1385 imóveis ociosos, abandonados ou subutilizados em São Paulo.
Faz frio em São Paulo, mas também faz fogo. Entre 2001 e 2012, foram registrados 1648 incêndios em favelas paulistanas. Uma matéria de 2017 da Agência Pública revelou que, em média, as favelas atingidas por fogo estão em áreas cujo valor das terras é 75% mais alto do que as demais favelas, e que nas áreas nobres da cidade os incêndios em favelas são mais comuns. Incêndios que se repetem também este ano: no último dia 24, na Favela do Gato, no Bom Retiro; em maio, numa favela no Capão Redondo, na Zona Sul; dias antes, na comunidade Souza Ramos, em Guianazes. Ou a complicada geografia paulistana faz com que os terrenos mais caros estejam envolvidos por um ar mais seco, ou faz com que os favelados das áreas nobres sejam mais desatentos que os outros. Ou, ainda, as causas comumente noticiadas para os incêndios – alguém esqueceu de apagar uma vela, um emaranhado de fios deu um curto, Dona Jacinta deixou o fogão aceso – são fabulações. Como não costumamos ler nos jornalões, tão íntimos do mercado imobiliário paulistano, manchetes sobre prisões de incendiadores de favelas, só as primeiras opções explicam o que ocorre nessa cidade. Explicação que neste caso cabe a psicólogos e meteorologistas, portanto, não a policiais e juízes.
Mas nessa mesma quarta em que as tendas eram estendidas e os colchões distribuídos no vão abandonado de uma estação, o entregador Paulo Galo, liderança dos Entregadores Antifascistas, e sua esposa Géssica, pais de uma criança de três anos, foram presos provisoriamente. São investigados pelo incêndio na estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato em Santo Amaro, na Zona Sul da cidade. Galo assumiu ter participado da ação. Sua esposa, no entanto, sequer estava presente no local – cuidava da filha. Géssica formalmente foi presa porque um celular utilizado por Paulo está em seu nome. Na prática, trata-se de um assédio odiento e covarde para aumentar a pressão sobre Galo, e um aviso geral para os militantes. Géssica e Galo têm residência fixa, emprego, e ambos colaboraram com a investigação e se apresentaram na delegacia. Não há cabimento, portanto, para que nenhum dos dois esteja preso durante a investigação.
Faz frio em São Paulo. Alguém geme e morre na calçada, outros tremem dentro de uma cela, o fogo só é permitido contra o madeirite. Os homens são jogados ao subsolo para que as portas de prédios velhos não sejam abertas. E juro que o vento sussurra violentamente o verso “o crime do rico a lei o cobre”.