Em 18 de outubro deste ano, o presidente equatoriano Guillermo Lasso decretou um estado de emergência por 60 dias. A decretação levou à suspensão dos direitos constitucionais dos equatorianos e à presença de tropas fortemente armadas nas ruas do país. A razão imediata para a declaração foi o assassinato de um garoto de 11 anos chamado Sebastián Obando, que foi morto no fogo cruzado entre um “ladrão armado e um policial” no dia 17 de outubro, em uma sorveteria no bairro de Centenario, em Guyaquil.
O garoto, que foi atingido três vezes, foi baleado no coração, braço direito e costas, de acordo com seu pai, Tomás Obando. A decretação de emergência foi construída com base na reação pública ao assasinato do garoto. O presidente disse que era necessário suspender os direitos constitucionais do povo equatoriano para confrontar o controle das gangues de tráfico de drogas sobre o país.
Em 19 de outubro, o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken chegou a Quito para prover o apoio dos Estados Unidos a Lasso. Blinken se encontrou com o presidente, reafirmando os fortes laços entre os EUA e o Equador. Em uma coletiva de imprensa do ministro das Relações Exteriores equatoriano, Mauricio Montalvo, e o secretário de Estado norte-americano, Blinken disse que “em democracias há tempos em que, em circunstâncias excepcionais, é necessário tomar medidas para lidar com urgências e situações urgentes como a que o Equador está experimentando agora.”
Lasso, que foi eleito em abril, tem governado sobre um momento extraordinário atrás do outro. A economia do Equador engasga enquanto o governo luta para responder ao aumento de incidentes violentos no país. Em setembro, uma rebelião na Penitenciária do Litoral (Guayaquil) resultou na perda de 116 vidas. Antes, em fevereiro de 2020, uma série coordenada de motins em quatro prisões levou à morte de 79 presidiários no Equador. Em resposta ao recente incidente em setembro, Lasso declarou estado de emergência nas prisões do Equador, o que foi um precursor da emergência nacional.
Um problema estrutural, não um momento extraordinário
O decreto de Lasso sugere que há algo urgente acontecendo no Equador que requer ação. Mas Nela Cedeño, uma liderança jovem da Revolução Cidadã, nos disse que o Equador está em uma crise de longa data. Somente neste ano, segundo ela, houve 1213 assassinatos, muitos sem relação com o comércio de drogas. “O decreto [de estado de emergência] não se justifica”, diz Cedeño. Os dados mostram um “aumento na violência no país nos últimos seis anos, o que entendemos como um problema estrutural, não uma situação excepcional”, completa.
De uma população de aproximadamente 18 milhões de equatorianos, 5,7 milhões vivem na pobreza, e desses 5,7 milhões, cerca de 2,6 milhões vivem em extrema pobreza, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censo.
A UNICEF calcula que três em cada dez crianças no Equador abaixo de dois anos de idade sofrem de desnutrição infantil crônica. “O país é o segundo com a maior proporção na América Latina e Caribe, atrás da Guatemala”, de acordo com a organização. A vida cotidiana no Equador se deteriorou rapidamente desde a implementação, sob o governo Lenín Moreno, de um programa de austeridade patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional. O acordo de Moreno com o FMI em março de 2019 resultou em amplos protestos pelo país.
Sob o acordo de Moreno com o FMI, o financiamento público aos serviços de saúde foi cortado, o que incluiu a demissão de 3,6 mil trabalhadores da saúde. Como resultado disso, em Guayaquil – onde o motim prisional ocorreu e onde Sebastián foi assassinado – cadáveres foram deixados nas ruas durante o pico da pandemia de Covid-19 porque o sistema de saúde estava subfinanciado e sobrecarregado. Guayaquil foi “o epicentro do surto” durante abril de 2020, e o Equador teve uma das mais altas taxas de Covid-19 da América Latina por conta de um sistema de saúde quebrado. Lasso, cujo partido só tem doze dos 137 assentos da Assembleia Nacional, quer aprofundar o programa de austeridade de Moreno; esse programa inclui cortes de impostos para os ricos e a retirada de direitos dos trabalhadores, bem como uma permissão para companhias estrangeiras continuarem operando no setor mineiro equatoriano.
A agenda de austeridade de Lasso, de acordo com Cedeño, não resolve os problemas do povo. Não há um plano para lidar com a precarização do trabalho, uma política de preços que apoie os produtores rurais, que trate da necessidade de subsídios para o combustível, a explosiva crise social nas prisões e o problema geral da violência na sociedade. O governo Lasso é “politicamente incapaz” de lidar com os problemas reais, então ele se refugia na militarização da crise social, de acordo com ela.
A militarização da crise social
O decreto de Lasso, de acordo com Cedeño, “não acalmou os apavorados e preocupados cidadãos” do Equador. Na realidade, foi ainda mais assustador quando Lasso demitiu seu ministro da Defesa, Fernando Donoso, e o substituiu com um ex-general, Luis Hernández. Colocar os militares nas ruas do Equador e pressionar por leis que os permita operar sem escrutínio (e que lhes deem imunidade de ação) cria condições para uma ditadura militar com um toque civil no governo. O decreto de emergência de Lasso anistiou as forças de segurança que, segundo ele, são “injustamente condenadas por seu trabalho”.
Desde 2019, os movimentos sociais do Equador, incluindo o movimento indígena, frequentemente tomaram as ruas para demandar um caminho alternativo. Nesse ano, disse Cedeño, “nós tivemos diversos bloqueios e protestos contra as várias medidas adotadas pelo governo Lasso. Produtores rurais, professores e trabalhadores do transporte estão na vanguarda. Os professores até entraram em greve de fome.”
O decreto de Lasso, aponta Cedeño, foi feito no momento em que os movimentos populares fizeram um chamado para a mobilização social contra o aumento dos preços dos combustíveis e as propostas de austeridade de Lasso. “É fácil para nós assumir que o estado de exceção foi declarado pela conveniência” para proteger as políticas de Lasso, e “não por causa da violência que atormenta esse país.”
Protestos contra o estado de emergência começaram no dia 26 de outubro. Liderados pela Frente Unitária dos Trabalhadores (FUT), a União Nacional de Educadores (UNE), a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), e a Revolução Cidadã, os protestos foram amplos. Apesar de terem sido reprimidos pelas forças armadas, eles não desvaneceram. Rodovias foram bloqueadas em áreas chave das regiões Amazônica e da Sierra, e manifestações de massa foram realizadas em frente ao Palácio Carondelet, sede presidencial em Quito. Após alguns dias de protestos, no dia 28 de outubro, o líder do CONAIE Leonidas Iza fez um chamado pela sua suspensão, em virtude do feriado do Dia dos Mortos. Iza prometeu que os protestos serão retomados depois das celebrações.