Duas grandes conquistas ocorreram na 26ª Conferência das Partes (COP) em Glasgow, Escócia, encerrada em 13 de novembro: a primeira é que haverá outra COP em 2022 no Egito, e a segunda foi que os líderes mundiais expressaram sua aspiração de manter viva a promessa de um crescimento da temperatura global abaixo de 1,5 graus Celsius. Esses foram, no entanto, os únicos ganhos obtidos no final da COP26 para lidar com a questão urgente das mudanças climáticas.
Depois de mais de duas semanas de intensas discussões – e muitas noites de coquetéis financiados por empresas – os países mais poderosos do mundo deixaram o centro de convenções satisfeitos por não terem alterado o status quo.
O foco das discussões e negociações dos líderes mundiais durante a COP26 parecia estar na mudança de uma palavra no Pacto pelo Clima de Glasgow, documento final que será adotado por cerca de 200 nações. Inicialmente, os países começaram a concordar com a “eliminação progressiva” do carvão; a versão final do documento, porém, apenas dizia que os países iriam “reduzir” o uso do carvão. Durante as últimas horas da cúpula da COP26 em 13 de novembro, a ministra suíça do Meio Ambiente, Simonetta Sommaruga, pegou o microfone e expressou sua “profunda decepção” com a mudança. “A linguagem que combinamos sobre subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis foi ainda mais diluída como resultado de um processo pouco transparente”, disse ela.
Sommaruga tem razão. O processo tem sido “pouco transparente”. Apenas um punhado de líderes mundiais – dos países mais poderosos – teve a oportunidade de colocar a caneta no papel sobre este pacto; a maioria dos líderes mundiais viu apenas um esboço do Pacto pelo Clima de Glasgow e recebeu o documento final. As associações da sociedade civil quase não tiveram permissão para entrar no salão, muito menos para ter a oportunidade de sentar-se com o pacto e dar sua opinião sobre ele. Como disse a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sem rodeios, “nunca antes uma responsabilidade tão grande esteve nas mãos de tão poucos”. O motivo pelo qual esta “responsabilidade” foi, no entanto, confiada às “mãos de tão poucos”, passa despercebido em seu discurso.
Palavras e significados
Durante a COP26, milhares de documentos apareceram no site da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que incluíam relatórios, declarações e propostas relacionadas à COP26. Seria necessário um exército de advogados para vasculhar o texto desses documentos e entendê-los. A maioria deles são apresentações feitas por uma série de governos, empresas e plataformas financiadas por empresas, bem como por organizações da sociedade civil.
Ficou claro desde o primeiro dia da COP26 que o foco em atingir uma emissão zero de carbono até 2050 seria colocado sobre o carvão e não em todos os combustíveis fósseis. Durante as negociações, essa foi a linha de divisão, com os países ocidentais – que em grande parte não dependem do carvão – colocando ênfase no problema do carvão – majoritariamente usado no Sul Global, com Índia e China sendo líderes em seu uso. Transformar a COP26 em uma discussão sobre carvão permitiu que o uso de combustíveis fósseis em geral (incluindo petróleo e gás natural) fosse aliviado. Enquanto aumentava a pressão para cortar subsídios para combustíveis fósseis, o Norte Global conseguiu reunir o consenso de que apenas subsídios “ineficientes” seriam cortados, sem um cronograma previsto para esses cortes. Sommaruga, que falou com tanta veemência contra a palavra “redução” no que diz respeito ao carvão, nada disse sobre a permissão para subsídios “eficientes” para financiar o uso de combustível fóssil. É muito mais fácil culpar a Índia e a China por sua dependência do carvão do que concordar em eliminar todos os combustíveis fósseis.
Finanças climáticas
Em 15 de novembro, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, disse que a China “atribui grande importância à transição energética”. Mas ele especificou que há algumas questões que precisam ser analisadas antes disso. Em primeiro lugar, nenhuma transição energética pode ocorrer sem a consciência de que “nem todos têm acesso à eletricidade e o fornecimento de energia não é adequado”. Cortar o carvão amanhã irá condenar bilhões de pessoas a uma vida sem eletricidade (cerca de 1 bilhão de pessoas ainda não têm eletricidade, com a maioria delas vivendo no Sul Global). Em segundo lugar, Zhao disse: “Encorajamos os países desenvolvidos a assumir a liderança na interrupção do uso do carvão, ao mesmo tempo que fornecemos amplo financiamento, apoio tecnológico e de capacitação para a transição energética dos países em desenvolvimento”. Os países desenvolvidos concordaram em financiar o Fundo Verde para o Clima em 100 bilhões de dólares por ano até 2020, mas os valores reais desembolsados foram muito menores. Nenhum acordo financeiro foi alcançado na COP26. “Precisamos de ações concretas”, disse Zhao, “mais do que slogans”.
A COP26 de Glasgow estava cheia de executivos corporativos. Eles invadiram os hotéis e restaurantes, mantendo reuniões privadas com líderes do governo e com o príncipe Charles. A Câmara de Comércio Internacional disse aos governos para “acordarem”, enquanto a Mesa Redonda de Negócios dos EUA disse que “o setor privado não pode carregar o fardo sozinho”. A implicação aqui é que as corporações estão do lado certo na discussão do clima, enquanto os governos estão sendo hesitantes. Mas isso é em parte trabalho dos lobistas. A maioria das empresas que fizeram promessas de “emissões zero” o fizeram de forma não vinculativa e sem um cronograma. Na conclusão da conferência, parecia que nem os governos poderosos nem suas corporações estavam dispostos a amarrar-se a um acordo real para mitigar a crise climática.
Cúpula dos povos
A apenas alguns quarteirões dos grandes salões da cúpula oficial, movimentos populares, organizações indígenas, sindicatos, grupos de jovens, grupos de migrantes, organizações ambientalistas e muitos outros se reuniram na Cúpula dos Povos pela Justiça Climática de 7 a 10 de novembro. A mensagem deles era simples: as corporações e seus governos vacilantes não fariam o trabalho, então os povos precisam encontrar uma maneira de definir a agenda “para a mudança do sistema”. Os mais de 200 eventos organizados como parte da Cúpula dos Povos abordaram uma variedade de tópicos, desde o papel do militarismo nas emissões até a construção de um New Deal Verde global e até mesmo a realização de um Tribunal dos Povos para colocar a ineficaz UNFCCC em julgamento.
As emoções na Cúpula dos Povos oscilaram da empolgação por estarem juntos nas ruas depois de quase dois anos de confinamento devido à Covid-19, ao temor pelo desaparecimento iminente dos baixos estados insulares. Os participantes de Tuvalu e Barbados falaram sobre o impacto da inação do Norte Global ao verem suas ilhas desaparecerem, suas casas inundarem e seu presente desaparecer. “Por que vocês estão nos pedindo para comprometer nossas vidas?” perguntou Mitzi Jonelle Tan, uma ativista do clima das Filipinas e porta-voz da Fridays for Future.
O Tribunal dos Povos pediu a dissolução da UNFCCC e sua reconstrução do zero como um Fórum do Clima que não permita que os poluidores tomem as decisões. Este recém-constituído Fórum do Clima exigiria financiamento significativo para uma transição verde, bem como o fim da pilhagem de recursos naturais e das guerras de agressão.
Asad Rehman, da War on Want, falou à presidência da COP26 com palavras que ressoaram para além de Glasgow: “Os ricos se recusaram a fazer sua parte justa, mais palavras vazias sobre finanças climáticas. Vocês deram as costas aos mais pobres que enfrentam uma crise de Covid, apartheid econômico e climático por causa das ações dos mais ricos. É imoral para os ricos falar sobre o futuro de seus filhos e netos quando os filhos do Sul Global estão morrendo agora.”