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A “caça às bruxas” anti-China nas universidades dos EUA

Com uma fúria macartista, o programa “Iniciativa China” tem perseguido acadêmicos de descendência chinesa nos EUA há mais de três anos.
Com uma fúria macartista, o programa “Iniciativa China” tem perseguido acadêmicos de descendência chinesa nos EUA há mais de três anos. Por Noah Styzkgold | Liberation News – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Andy L / Flickr)

Desde 2018, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos tem empreendido agressivamente uma caça às bruxas anti-China sob a bandeira da chamada “Iniciativa China” (China Initiative, em inglês). Após conduzir milhares de investigações com poucas condenações, o programa recentemente produziu sua primeira condenação contra um acadêmico, no caso de grande visibilidade contra o professor Charles Lieber, ex-presidente do Departamento de Química de Harvard.

A Iniciativa China foi lançada como uma das prioridades do Departamento de Justiça sob a liderança do procurador-geral de extrema-direita Jeff Sessions, com o propósito de prevenir a “espionagem econômica chinesa”, isto é, o roubo de segredos comerciais e tecnologia de entidades sediadas nos EUA. O programa veio logo após a administração Trump começar a aprofundar a imprudente guerra comercial contra a China, e após a imposição de vagas restrições aos vistos estudantis chineses, estabelecida pela Proclamação Presidencial 10043.

A caça às bruxas do FBI contra Anming Hu

Não demorou muito, após o início do programa, para ficar claro que o Departamento de Justiça estava conduzindo uma caça às bruxas anti-chinesa de cunho racista. E como qualquer perseguição política, esta destruiria as vidas dos investigados com base em pouco mais do que relatórios e suspeitas. O professor Anming Hu, da Universidade do Tennessee, foi o primeiro a ser acusado e levado a julgamento sob a Iniciativa China.

O FBI começou a investigar Hu em 2018, após um agente encontrar um folheto no Google que sugeria que ele havia lecionado na Universidade de Pequim. O agente confrontou Hu com acusações de espionagem, e tentou coagir Hu a espionar acadêmicos chineses para o governo norte-americano. Depois de o professor se negar, por receio quanto à sua própria segurança, o FBI iniciou uma extensa investigação. Eles colocariam vários agentes, às vezes seis ou sete ao mesmo tempo, para seguir Hu e seu filho no caminho de casa para a escola e ao trabalho pelos próximos 21 meses. Mesmo depois de não ter encontrado nenhuma evidência de espionagem, o FBI acusou-o de fraude na concessão de subsídios com a esperança de obter alguma condenação.

Quando as acusações foram apresentadas contra Hu, ele foi imediatamente demitido da Universidade do Tennessee, que, como seria revelado mais tarde, colaborou com a investigação. Pelos 18 meses seguintes, Hu estaria sob prisão domiciliar, sem emprego nem salário, cobrindo seus gastos de defesa com doações recebidas por meio de campanhas na internet.

Finalmente, quando foi para julgamento em junho de 2021, o caso foi anulado. As acusações infundadas seriam anuladas por um juiz pouco depois. “Meus direitos humanos básicos foram invadidos, minha reputação foi destruída, meu coração foi ferido, minha família ficou ferida”, disse Hu após o julgamento. “Isso não é justiça”. Milhares agora já enfrentaram essas incrivelmente invasivas e dolorosas investigações, muitas vezes baseadas em nada senão na sua hereditariedade chinesa.

Racismo e as acusações de “deslealdade”

Uma análise da Iniciativa China conduzida pela revista MIT Technology Review mostrou que quase 90% dos investigados têm descendência chinesa. Essas iniciativas ao mesmo tempo são fruto e contribuem para um contexto político mais amplo de demonização contra a China. A intensificação da retórica anti-China por políticos e pela grande mídia levou a um grande aumento de crimes de ódio contra asiáticos nos Estados Unidos, comparáveis ao aumento da islamofobia após os atentados de 7 de setembro.

Dentro do mundo acadêmico, muitos notam como a Iniciativa China criou um ambiente de desconfiança e medo entre os pares. Uma pesquisa sobre acadêmicos nos Estados Unidos conduzida pelo Committee of 100, uma organização sem fins lucrativos de chineses-americanos proeminentes, concluiu que pouco mais da metade dos acadêmicos de origem chinesa nos EUA têm medo de estarem sendo vigiados pelo governo dos EUA. A pesquisa também concluiu que cientistas sem descendência chinesa têm cortado suas relações com colaboradores na China, não contratam mais pesquisadores chineses ou têm limitado sua comunicação com intelectuais na China. Embora tenha uma taxa de condenação extremamente baixa, a iniciativa foi efetiva em diminuir o intercâmbio acadêmico internacional.

Apesar de suas amplas investigações, o programa não conseguiu produzir as prometidas condenações de numerosos “espiões chineses” roubando segredos comerciais. Ao falhar em conseguir os resultados buscados, o programa mudou seu foco, da espionagem econômica para a “integridade de pesquisas”. Na prática, isso significou tornar alvos mais acadêmicos chineses, por essencialmente quaisquer ligações que tivessem com instituições chinesas, e procurar por pequenos erros ou contradições em relatórios, como ocorreu com Hu. No processo de grande visibilidade pública contra o professor Gang Chen, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um procurador dos EUA disse que o caso não se tratava somente de espionagem econômica, “mas de lealdade à China”.

A mentalidade da nova Guerra Fria

A Iniciativa China não é só um ataque racista contra acadêmicos chineses. Ela é parte dos esforços de uma nova Guerra Fria levada adiante pela classe dominante norte-americana com vistas a manter sua posição dominante no mundo, apesar do rápido desenvolvimento chinês. É assim que o imperialismo funciona no século 21. Poderes capitalistas dominantes buscam manter as nações antes colonizadas ou semicolonizadas em um estado perpétuo de subdesenvolvimento, para que possam explorá-las como fonte de recursos e mão de obra barata, colocando-as em confronto com a classe trabalhadora das nações imperialistas. Um elemento fundamental de tal dominação imperialista é prevenir a transferência de tecnologia e conhecimento para países em desenvolvimento, garantindo que eles nunca conseguirão se atualizar ou competir com os países capitalistas avançados.

Ao mirar contra acadêmicos em uma raivosa busca macartista por “deslealdades”, os agentes constantemente buscam por conexões desses acadêmicos com programas de desenvolvimento de talentos nacionais na China, especialmente o “Programa Milhares de Talentos”. Hu, Chen e Lieber foram todos escolhidos para participar desse programa. Longe de ser uma maquinação secreta para roubar segredos comerciais, tais programas são absolutamente normais e comuns no mundo em desenvolvimento. Governos nacionais buscam apoiar e manter figuras talentosas para prevenir o “roubo de cérebros” de seus países. Só pelas lentes distorcidas da nova Guerra Fria é possível ver programas do tipo como uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos.

Nas décadas recentes, a economia chinesa cresceu dramaticamente. O que é mais notável é o fato da China ter tirado mais de 850 milhões da extrema pobreza, e de estar no caminho de se tornar em breve uma economia de alta renda pelos padrões internacionais. Essa é uma demonstração clara do desenvolvimento dirigido pelo sistema político e econômico socialista da China. Algo que se tornou ainda mais comovente no ano passado, quando comparamos a resposta dos dois sistemas – nos EUA e na China – à pandemia da Covid-19. A classe dominante dos Estados Unidos claramente se sente ameaçada pela ascensão pacífica da China e as implicações que isso deve ter para a ordem imperialista global. Essa retórica típica da Guerra Fria está presente em toda a Iniciativa China.

Leia também – O coronavírus e a propaganda anti-China

A Guerra Fria do século 20 também testemunhou ataques contra acadêmicos e questionamentos sobre a sua lealdade aos Estados Unidos, incluindo contra prêmios Nobel como Albert Einstein e Linus Pauling, bem como contra J. Robert Oppenheimer (diretor científico do Projeto Manhattan) e Qian Xuesen. Xuesen, um professor de aviação no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) seria, ao fim, deportado de volta para a China, onde teria um papel crucial no desenvolvimento do programa espacial chinês.

O Departamento de Justiça, agora sob a administração Biden, ainda se recusa a suspender a Iniciativa China. Milhares de pessoas na comunidade acadêmica estão agora apoiando seus colegas contra essas caças às bruxas racistas, em nome da colaboração científica internacional em benefício de toda a humanidade.

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