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A pandemia da desigualdade: dez super ricos mais ricos, 99% da humanidade empobrecida

Se os dez homens mais ricos do mundo perdessem 99,999% de sua riqueza amanhã, seguiriam sendo mais ricos do que 99% das pessoas do planeta.
Se os dez homens mais ricos do mundo perdessem 99,999% de sua riqueza amanhã, seguiriam sendo mais ricos do que 99% das pessoas do planeta. Por Isabella Arria | CELAE – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
Povo haitiano caminha pelas ruas de Porto Príncipe.

Os dez homens mais ricos do mundo mais que dobraram sua fortuna, que passou de 700 bilhões de dólares a 1,5 trilhão de dólares (crescendo a um ritmo de 15 mil dólares por segundo, ou seja, 1,3 bilhões de dólares por dia) durante os primeiros anos da mesma pandemia que deteriorou a renda de 99% da humanidade.

Em dois anos, mais de 160 milhões de pessoas em todo o mundo foram empurradas ao nível da pobreza, isto é, dispõem de menos que 5,5 dólares por dia em relação ao período anterior à pandemia. As mulheres são as que mais perderam em todo esse período, bem como os países em desenvolvimento.

Mais de 100 países tiveram de cortar gastos sociais durante a pandemia, uma situação que se agravará ainda mais quando muitos deles forem condenados a pagar os empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou outras entidades internacionais.

São cifras humilhantes as oferecidas pelo informe “As desigualdades matam” da organização Oxfam: a cada 26 horas surge um novo bilionário no mundo, enquanto as desigualdades contribuem para a morte de 21 mil pessoas por dia (ao menos uma pessoa a cada quatro segundos), por falta de acesso a serviços de saúde, secas, inundações, violência de gênero, fome e crise climática.

Se os dez homens mais ricos do mundo perdessem 99,999% de sua riqueza amanhã, seguiriam sendo mais ricos do que 99% das pessoas do planeta, afirmou Gabriela Bucher, diretora executiva da Oxfam Internacional. “Atualmente, acumulam seis vezes mais riquezas do que as 3,1 bilhões de pessoas em maior situação de pobreza.”

Segundo a revista Forbes, até o dia 30 de novembro de 2021 a riqueza dos dez homens mais ricos do mundo (Elon Musk, Jeff Bezos, Bernard Arnault e sua família, Bill Gates, Larry Ellison, Larry Page, Sergey Brin, Mark Zuckerberg, Steve Balmmer e Warren Buffet) havia crescido em 821 bilhões de dólares desde março de 2020.

“Nunca foi tão importante pôr fim às violentas e obscenas desigualdades, recuperando o poder e a riqueza extrema das elites, incluindo através de medidas fiscais, para reintegrar esse dinheiro na economia real e salvar vidas”, declarou a funcionária.

Desde o início da pandemia, os bilionários aumentaram sua fortuna em 5 trilhões de dólares, ritmo maior que o dos últimos 14 anos. Se trata do maior aumento de riqueza dos bilionários desde que se fazem tais registros.

Um imposto excepcional de 99% sobre os ingressos extraordinários que os dez homens mais ricos do mundo conseguiram durante a pandemia poderia servir, por exemplo, para produzir doses de vacina suficientes para o mundo; financiar serviços de saúde e proteção social universais; financiar medidas de adaptação climática e reduzir a violência de gênero em mais de 80 países. E, mesmo assim, esses homens seguiriam tendo oito bilhões de dólares a mais do que tinham antes da pandemia, que para eles tem sido um luxo.

A Oxfam lembra que os bancos centrais injetaram trilhões de dólares nos mercados financeiros para salvar a economia, mas grande parte foi parar nos bolsos dos bilionários, que aproveitaram o boom das bolsas.

Embora as vacinas fossem destinadas a acabar com essa pandemia, os governos dos países ricos permitiram que bilionários e monopólios farmacêuticos cortassem o fornecimento de bilhões de pessoas. Isso pode se traduzir em um aumento em todas as formas imagináveis ​​de desigualdade. “A previsibilidade dessa situação é escandalosa e suas consequências são mortais”, acrescenta Bucher.

Desigualdade e violência de gênero e racial

As desigualdades extremas são uma forma de violência econômica na qual as decisões legislativas e políticas que perpetuam a riqueza e o poder de uma elite privilegiada prejudicam diretamente a ampla maioria da população mundial e o nosso planeta como um todo.

“A resposta do mundo à pandemia desencadeou essa violência econômica, principalmente contra mulheres e meninas, e pessoas em situação de exclusão e pertencentes a grupos racializados. Com cada onda de Covid-19 vem um aumento na violência de gênero, aumentando ainda mais o volume de trabalho não remunerado que recai sobre mulheres e meninas”, diz Bucher.

O relatório aponta que a pandemia atrasou o caminho para a paridade: agora serão necessários 135 anos para fechar a lacuna de gênero, e não 99 anos, como se estimava antes de seu surgimento. Em 2020, as mulheres perderam 800 bilhões de dólares em renda e há agora mais 13 milhões de mulheres sem trabalho do que havia em 2019. Coletivamente, 252 homens possuem mais riqueza do que um bilhão de mulheres e meninas que vivem na África, América Latina e Caribe.

A pandemia afeta especialmente grupos racializados. No Reino Unido, as pessoas originárias do Bangladesh tiveram cinco vezes mais chances de morrer de Covid-19 do que a população branca britânica durante a segunda onda da pandemia. No Brasil, os negros têm 1,5 vezes mais chances de morrer do que a população branca.

Nos Estados Unidos, 3,4 milhões de negros estariam vivos hoje se tivessem a mesma expectativa de vida da população branca do país, o que está diretamente ligado ao legado histórico de racismo e colonialismo.

E as perspectivas estão piorando, pois as desigualdades entre os países crescerão pela primeira vez em uma geração. Os países em desenvolvimento, privados de acesso a vacinas suficientes devido à proteção que governos ricos dão aos monopólios das grandes empresas farmacêuticas, tiveram que cortar gastos sociais à medida que seus níveis de endividamento aumentavam.

Agora eles enfrentam a possibilidade de ter que adotar medidas de austeridade. A proporção de pessoas com Covid-19 que morrem do vírus nos países em desenvolvimento é cerca de duas vezes maior que nos países ricos.

“A pandemia de Covid-19 trouxe à tona a ganância e as oportunidades econômicas e políticas que transformaram essas desigualdades extremas em um instrumento de violência econômica”, explica Bucher.

Os países ricos protegem a riqueza

Apesar do enorme custo econômico de responder à pandemia, nos últimos dois anos, os governos dos países ricos se recusaram a aumentar os impostos sobre a riqueza dos mais ricos e continuaram a privatizar bens públicos, como a tecnologia necessária para produzir vacinas.

Fomentaram os monopólios das grandes empresas de tal forma que, apenas durante a pandemia, o aumento da concentração de mercados ameaça ser maior em um ano do que nos 15 anos entre 2000 e 2015.

As desigualdades são um aspecto fundamental da crise climática, já que as emissões de carbono do 1% mais rico superam em mais que duas vezes as emissões da metade mais pobre da humanidade. Isso contribuiu com a mudança climática em 2020 e 2021, causando incêndios florestais, inundações, tornados, perda de safras e fome.

“Que as desigualdades estejam aumentando nessa escala e taxa não é resultado do acaso, mas da escolha. Os modelos econômicos atuais não apenas nos expuseram mais ao impacto dessa pandemia, mas permitem ativamente que aqueles que já são extremamente ricos e poderosos explorem essa crise em benefício próprio”, explica Bucher.

O relatório destaca a importância de que as duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e China) tenham começado a considerar políticas para reduzir as desigualdades, incluindo a aplicação de alíquotas mais altas aos ricos e medidas para acabar com os monopólios.

Finalmente, a Oxfam recomenda que os governos recuperem o ganhos que os bilionários acumularam aplicando impostos de caráter permanente sobre o capital e a riqueza, para tributar a enorme riqueza que concentraram desde o começo da pandemia, e que invistam os trilhões de dólares conseguidos com esses impostos em gastos progressivos em serviços de saúde e proteção social universais, na adaptação às mudanças climáticas e na prevenção da violência de gênero e programas correlatos.

Recomenda também que os governos tratem das leis racistas e sexistas que discriminam as mulheres e os grupos racializados, e que criem novas legislações fundamentadas na igualdade de gênero com o fim de acabar com todas as formas de violência e discriminação. Todos os setores da sociedade devem definir urgentemente políticas que garantam que as mulheres, os grupos racializados e outros grupos oprimidos estejam representados em todos os espaços de tomada de decisões.

A Oxfam insta ainda que se derrubem as leis que prejudicam os direitos de sindicalização e greve dos trabalhadores e trabalhadoras, e que se apliquem normas jurídicas mais sólidas para garantir sua proteção, destacando que os governos ricos devem suspender imediatamente as normas de propriedade intelectual que regulam a produção de vacinas para que mais países possam produzir vacinas seguras e eficazes com o objetivo de acabar com a pandemia.

Por sua vez, Bucher afirma: “Não falta dinheiro, isso ficou claro quando os governos mobilizaram 16 bilhões de dólares para a resposta à pandemia. O que falta é vontade e imaginação para nos libertarmos do espartilho sufocante e letal que constitui o neoliberalismo extremo. Os governos devem ouvir os movimentos (como as greves climáticas estudantis e os ativistas do Black Lives Matter e #NiUnaMenos, ou os agricultores na Índia), que pedem justiça e igualdade”.

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