Em meio à campanha eleitoral para a presidência, da grave crise estrutural e da emergência sanitária pelo coronavírus, a violência na Colômbia segue sendo um fator crítico: um informe das Nações Unidas destacou que nos primeiros dois meses de 2022, mais de 274 mil pessoas foram afetadas pela violência, em um aumento de 621% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Enquanto isso, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz) denunciou diversos crimes contra líderes sociais, ex-combatentes e a população civil: nos três meses transcorridos em 2022, a Colômbia já registrou 30 massacres.
No dia 28 de março, no município de Uribia, no departamento de La Guajira, no norte do país, três indígenas wayúu foram assassinados. A Defensoria Pública denunciou a presença e atuação de grupos do crime organizado binacionais (colombiano-venezuelanos) na fronteira marítima, em presumida aliança com habitantes da região vinculados ao narcotráfico.
Durante 2021, o Indepez contabilizou 114 massacres e destacou que ao menos 198 líderes sociais assassinados, totalizando 1284 dirigentes mortos desde a assinatura dos Acordos de Paz em 2016. Acrescentou ainda que em março foram 15 líderes sociais vítimas de homicídio. Desde a assinatura do Acordo de Paz entre o governo colombiano e a então guerrilha das FARC-EP, foram registrados 1334 assassinatos de homens e mulheres.
Os assassinatos em março ocorreram nos departamentos de Bolívar, Boyacá, Chocó, Chaquetá, Cuaca, Putumayo, Norte de Santander, Ilha de San Andrés e Tolima. Desde 2016, o Indepaz registrou 310 assassinatos contra assinantes do processo de paz, onze dos quais ocorridos neste ano.
O Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA), por sua vez, revelou que nos primeiros dois meses de 2022, mais de 274 mil pessoas foram afetadas por dinâmicas associadas à violência armada, o que representa um aumento de 621% em comparação com o mesmo período de 2021, e alertou que ao menos 13 mil colombianos foram forçados ao deslocamento interno neste ano.
A OCHA advertiu que, para este ano, se espera que “a situação humanitária do país continuará sendo complexa e afetará as populações mais vulneráveis do país face o período eleitoral e as defasagens socioeconômicas da pandemia. Não se pode perder de vista as emergências de menor magnitude que há no centro-sul do país, dado que são zonas utilizadas como rotas de cultivos ilícitos”.
De acordo com a organização internacional, o aumento deste índice corresponde a diversos fatores, como a disputa entre grupos armados que afeta as populações.
O informe aponta, ainda, que há relatos de pessoas que saíram da Venezuela para a Colômbia em função de enfrentamentos na fronteira. “A situação humanitária destes territórios da zona de fronteira com a Venezuela e do Pacífico se tornou mais complexa, devido à disputa territorial exercida por diversos Grupos Armados Não-Estatais (GANE). A população destes territórios enfrentou emergências devido ao deslocamento”.
Em janeiro foram 25 emergências por deslocamentos massivos, nas quais mais de 12 mil pessoas foram forçadas a deixar seus territórios, enquanto que em fevereiro foram onze casos. “As famílias deslocadas relatam ameaças de recrutamento forçado e em alguns casos o uso de suas casas como escudos de guerra em meio aos enfrentamentos”, indica o relatório.
Além disso, o relatório aponta que alguns dos deslocados se negam a relatarem seus flagelos, por temerem retaliações, já que uma grande porcentagem das vítimas retorna a seus territórios sem garantias de proteção nem condições adequadas de segurança.
Durante este ano, a Defensoria Público publicou cinco alertas prévios relacionados aos riscos de deslocamento forçado, sendo “as mulheres, crianças e adolescentes, pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diversas, comunidades afrodescendentes e indígenas, pessoas em processo de reintegração, líderes sociais e defensores de direitos humanos as principais populações em risco”.
A ONU indicou que durante os dois primeiros meses do ano foram reportadas 48 mil pessoas em situação de confinamento, das quais 87% estão em Chocó, um aumento de 394% em relação ao mesmo período do ano anterior.
“O confinamento se apresenta como uma estratégia de autoproteção das comunidades que ficam no meio do fogo cruzado e que sofrem com a contaminação por artefatos explosivos. Na maioria dos casos, as condições de segurança não são suficientes para que se realizem missões de verificação e/ou entregas humanitárias, razão pela qual muitos dos confinamentos ficam invisibilizados nas cifras oficiais”, explicou.
Seguem os falsos positivos
No povoado de El Remanso, no município de Puerto Leguízamo, no departamento de Putumayo, o Comando Contra o Narcotráfico e Ameaças Transnacionais, dirigido pelo major-general Edgar Alberto Rodriguez, executou um novo massacre, apresentado como um combate entre um grupo remanescente das FARC-EP organizado na Frente 48. O alto oficial é alvo de acusações por sua participação em 73 execuções extrajudiciais ou “falsos positivos”.
As vítimas foram o presidente da Junta de Ação Comunal do povoado, Didier Hernández Rojas, sua esposa Ana María Sarria, o governador do Conselho Kichwa Pablo Panduro Coquinche, um menor de 16 anos, Oscar Olivo Yela, e duas pessoas conhecidas como Pequeño e Cuéllar, além dos feridos Willinton Galíndez, Vanesa Rivadeneira Reyes e Nora Andrade, que participavam de um bazar comunitário.
A operação foi financiada por máfias ligadas ao narcotráfico de reconhecidos criminosos como Araña (Giovany Andrés Rojas) e Alacrán (Victor Patiño Fomeque), com fluídas e abundantes relações com oficiais, suboficiais e soldados dos diversos ramos das Forças Armadas, a quem contribuem com cifras milionárias de dinheiro e propriedades de luxo em Bogotá e Medellín.
A Defensoria Pública, a população do município e do povoado e organizações de direitos humanos apontaram que se trata de um “falso positivo” contra civis desarmados, apresentados como guerrilheiros mortos em combate.
A Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (Opiac) denunciou que “eram civis, não guerrilheiros” as onze pessoas mortas. A comunidade destacou que o bazar era feito para coletar fundos que seriam usados para atender as necessidades do povoado, e que foram levantados 11 milhões de pesos colombianos (cerca de 13 mil reais), que desapareceram nas mãos dos soldados.
O analista Horacio Duque destaca que “apesar da grave denúncia, que volta a pôr foco sobre o dantesco capítulo dos ‘falsos positivos’, o governo uribista de Iván Duque descartou imediatamente qualquer irregularidade. O irresponsável ministro da Defesa, o uribista Diego Molano, respondeu em suas redes sociais: ‘a operação não foi contra camponeses, e sim contra dissidências das FARC. Não foi contra inocentes indígenas, mas contra narcococaleiros’. Mas crescem as dúvidas sobre a versão entregada pela Força Pública do general Rodriguez”.
Enquanto a violência não diminui, organizações, comunidades e vítimas insistem para que os Acordos de Paz sejam integralmente cumpridos. Esse acordo, e outros Acordos Humanitários que sejam feitos com outros grupos armados, serão chave para o candidato ou a candidata que assuma a presidência da Colômbia em agosto.