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Golpes no Uribismo e avanço da esquerda a semanas das eleições na Colômbia

Na Colômbia, ascensão de Gustavo Petro é acompanhada de enfraquecimento do Uribismo, pronunciamentos militares e ameaças de atentados contra sua vida.
Na Colômbia, ascensão de Gustavo Petro é acompanhada de enfraquecimento do Uribismo, pronunciamentos militares e ameaças de atentados contra sua vida. Por Roberto Montoya | El Salto – Tradução de Pedro Marin para a Revista Opera
(Foto: Gustavo Petro Urrego / Reprodução)

Dura semana para o Uribismo. À tensa e violenta situação que a Colômbia vive antes do primeiro turno das eleições presidenciais do próximo 29 de maio, na qual o candidato informal do Uribismo e do resto da direita, Federico Gutiérrez, competirá contra o líder da esquerda, Gustavo Petro, se somaram nos últimos dias duros reveses para a direita.

O ex-presidente Álvaro Uribe, onipresente na política colombiana durante os últimos 20 anos, mentor do atual presidente Iván Duque e do candidato Federico Gutiérrez, deve ir a julgamento por suposta compra de testemunhas e fraude processual.

Uribe não contava com essa decisão, dando como garantido que a juíza Carmen Ortiz confirmaria o pedido do Ministério Público para arquivar o processo aberto em 2018 pelo Supremo Tribunal de Justiça, processo que noticiamos na altura nestas mesmas páginas.

Tanto em 2018 quanto em 2020 a Corte entendeu que havia testemunhos e provas contundentes de que três ex-paramilitares de extrema direita presos haviam sido subornados dentro da prisão por enviados de Uribe, para que testemunhassem contra o senador de esquerda Iván Cepeda. Este se tornou o principal flagelo do Uribismo.

Cepeda havia apresentado uma acusação sólida, com testemunhos e provas documentais, sobre a coexistência de Uribe e seu regime com o narcoparamilitarismo de extrema-direita que devastou a Colômbia durante anos, causando a morte de milhares de pessoas.

Uribe, esse homem premiado e condecorado tantas vezes na Espanha, agora está judicialmente encurralado, e embora seus advogados ainda tentem apelar perante a Câmara Penal do Tribunal Superior de Bogotá, dificilmente conseguirão uma decisão antes das eleições de 29 de maio.

Para piorar a situação, o candidato da esquerda, Gustavo Petro, líder do Pacto Histórico, tem realizado comícios de sua campanha eleitoral às portas de alguns dos grandes latifúndios de Uribe na região de Córdoba, apontando as propriedades como exemplo de terras improdutivas dos latifundiários colombianos que ele propõe expropriar.

O líder do Pacto Histórico, que se apresenta como um defensor da soberania alimentar, sustenta que enquanto o país importa muitos dos alimentos que consome, há na Colômbia milhões de hectares férteis de terras que não são trabalhadas, nas mãos de latifundiários como Uribe.

Membro do movimento guerrilheiro M19 nos anos 70, Petro se tornou um pesadelo para o Uribismo e as forças armadas. Acompanhado da poderosa ativista da causa ambiental e feminista Francia Márquez, os dois aparecem hoje subindo nas pesquisas, enquanto Guetiérrez estagna.

Márquez, uma mulher negra que obteve grande apoio nas primárias, é quem mais faz campanha contra a exploração de petróleo, propondo um plano para reduzir progressivamente sua produção e promover energias renováveis. Ela também traz à campanha uma postura feminista contundente que compensa certa ambiguidade que Petro mantém sobre o tema.

A tensão aumenta à medida que a data das eleições se aproxima. O próprio comandante do Exército, o general Zapateiro, entrou na polêmica eleitoral, atacando Petro depois do candidato denunciar que vários altos oficiais militares estão na folha de pagamento do Clã do Golfo, um dos mais poderosos grupos de narcotráfico do país.

Longe de repreender o general por fazer declarações políticas que violam a Constituição, o presidente Iván Duque, violando por sua vez a Lei Eleitoral, saiu em sua defesa, reivindicando a honra e o papel das forças armadas na luta contra os narcotraficantes e atacando o candidato de esquerda.

O Uribismo, temeroso pelo avanço nas pesquisas da candidatura Petro-Márquez, tenta, numa corrida contra o tempo, avançar no Congresso uma reforma da lei de transferência de poder para impedi-los de acessar informações sigilosas de segurança nacional caso cheguem ao poder.

Gustavo Petro sabe que há muito tempo há um preço por sua cabeça, e nestes dias sua equipe de campanha o convenceu a cancelar alguns dos atos de sua campanha frente a avisos credíveis da polícia de que se preparavam atentados contra sua vida.

O Centro Democrático, partido do outrora poderoso Álvaro Uribe e seu discípulo, o presidente Duque, não apresentou um candidato próprio nestas eleições após sua demolidora derrota nas eleições legislativas de março passado, e deixou a decisão final nas mãos de suas bases, embora ninguém duvide que Gutiérrez, à frente da coalizão direitista Coalizão Equipo por Colombia, seja seu candidato, seu cavalo de tróia. Muitos Uribistas já indicaram sua intenção de votar por ele.

Gutiérrez, que militou nas fileiras do Uribismo e que ao ser eleito prefeito de Medellín dedicou seu triunfo a Uribe, necessita desses votos, mas ao mesmo tempo tenta não parecer uma marionete, como foi Duque. O Uribismo afunda cada dia mais.

Dias atrás, e cinco anos depois da assinatura do acordo de paz entre a guerrilha das FARC e o governo de Juan Manuel Santos, que tanto Uribe quanto Duque rechaçaram e boicotaram, a Colômbia escutou pela primeira vez o testemunho de onze militares, dentre eles um general, dois coronéis e dois tenente-coronéis, que reconheceram que assassinaram 120 camponeses para que passassem como guerrilheiros mortos em combate.

Os crimes, conhecidos como falsos positivos, foram cometidos neste caso em Catacumbo, uma região que faz fronteira com a Venezuela, no departamento Norte de Santander, mas outras zonas da Colômbia, como Meta, Casanare, Antioquía e Huila também viveram essa guerra suja do governo.

Em troca dos assassinatos recebiam promoções, recompensas econômicas e outros benefícios. Com o fim de melhorar as estatísticas oficiais do êxito militar, o governo Álvaro Uribe (2002-2010) aprovou em 2005 uma diretiva militar interna para incentivar as detenções ou mortes de guerrilheiros.

Estes onze militares concretamente estão envolvidos no Caso 03, de assassinatos e desaparecimentos forçados apresentados como baixas em combate por agentes do Estado, acusados de crimes de guerra e crimes de lesa-humanidade entre janeiro de 2007 e 2008 pelo tribunal da Jurisdição Especial para a Paz (JEP).

O tribunal os convocou no fim de março deste ano para audiências onde seus testemunhos se intercalaram com os dos familiares de suas vítimas.

Néstor Gutiérrez, um suboficial acusado de vários dos assassinatos de Catacumbo, reconheceu ante os familiares de Javier Peñuela: “era um camponês, sim, digo isso em público hoje e aqui, e como todos os seus familiares era um homem de bem. Seu único pecado foi descer à cidade para arrancar um dente.”

Lá foi detido, levado a outra região onde foi executado; tiraram suas roupas, as queimaram e puseram nele uniformes da guerrilha. “Assassinamos pessoas inocentes, camponeses”. Um após o outro, foram ouvidos os depoimentos dos parentes dos assassinados e depois os de seus assassinos.

A JEP tem milhares destes crimes registrados, mais de 6,4 mil falsos positivos, uma prática que teve maior intensidade durante os anos em que Juan Manuel Santos era ministro da Defesa de Uribe, entre 2006 e 2009. Santos, que chegaria à presidência em 2010 pelas mãos de Uribe, de quem depois se afastou, foi nomeado Prêmio Nobel da Paz por promover os Acordos de Paz de 2016 com a guerrilha.

Em junho de 2021, ele pediu perdão pela primeira vez quando questionado pela Comissão da Verdade por esses eventos: “Isso nunca deveria ter acontecido. Reconheço e peço desculpas a todas as mães e a todas as suas famílias, vítimas deste horror, do fundo da minha alma.”

Santos disse que a princípio não acreditou nas terríveis denúncias que os familiares das vítimas faziam sobre os crimes cometidos pelo Exército contra civis inocentes, mas as organizações de direitos humanos consideraram as palavras do ex-presidente pouco críveis.

Consideram que era impossível, sendo ministro da Defesa e conhecendo a longa história de crimes cometidos pelas forças armadas colombianas, e apontam que sequer ordenou uma investigação sobre tantas denúncias similares, até que seu mandato se aproximasse do fim.

Até o momento Santos conseguiu não ser investigado pela Justiça e na Espanha e em outros países tem mantido uma imagem de férreo defensor dos direitos humanos. Mas a sinistra prática dos “falsos positivos” parece não ter ficado para trás.

A última matança protagonizada pelo Exército de Iván Duque ocorreu no último 28 de março, na zona fronteiriça entre Colômbia e Equador, na comunidade de Alto Remanso, de cerca de 250 habitantes, totalmente abandonada pelo Estado, onde habitualmente se movem dois grupos dissidentes das FARC que se negaram a entregar suas armas. São os chamados Comandos Bolivarianos de Fronteira (CBF) e a Frente Primeira Carolina Ramírez, que se enfrentam pelo controle do território.

Na comunidade se celebrava o terceiro dia de um bazar comunitário, com festa, baile, comidas, bebidas, futebol e rinha de galos, no qual participavam dezenas de pessoas, inclusive de outras comunidades, quando forças militares mascaradas e vestidas de petro, emboscadas ao redor da região, começaram a disparar indiscriminadamente.

Ao menos onze pessoas foram mortas, entre elas mulheres e um adolescente, além do governador indígena da região, Pablo Panduro Coquinche, o presidente da Junta de Ação Comunal (JAC), Divier Hernández e sua esposa, Ana María Sarriz, que estava grávida, além do ex-guerrilheiro desmobilizado Jhon Jairo Silva Mutumbajoy.

Tanto o comandante do Exército, Zapateiro, como o presidente Duque, apresentaram a “operação antiterrorista” como um grande feito militar, assegurando que na festa havia guerrilheiros, que oito deles foram mortos e que os outros três morreram por ter disparado contra a ação militar.

A versão de toda a comunidade de Alto Remanso rechaça totalmente essa versão, e acusa os militares de terem disparado contra civis crendo que havia combatentes das dissidências das FARC nas festas.

Membro de organizações camponesas como a Moviccaap, jornalistas e peritos do Ministério Público que chegaram várias horas depois ao local descobriram que os cadáveres foram manipulados, trocados de lugar, e que alguns corpos com grandes manchas de sangue foram colocados em coletes à prova de balas grosseiramente imaculados, com armas longas deixadas ao lado deles.

David Melo Cruz, advogado das vítimas e membro da Fundação Liderança e Paz de Putumayo, suspeita que o Exército confundiu um dos participantes da festa com Carlos Emilio Loaiza, codinome Bruno, líder guerrilheiro que buscavam capturar, e que por isso começaram a disparar.

O presidente Duque repetiu rapidamente na sua conta de Twitter a versão do ministério da Defesa: “foram neutralizados onze integrantes das dissidências das FARC”. No entanto, nem o Ministério Público nem a Defensoria do Povo aceitam essa versão, e uma investigação que ameaça converter-se em um escândalo de grandes proporções às portas das eleições foi iniciada.

O candidato presidencial da esquerda, Petro, contestou o tuíte do presidente: “não é neutralização, senhor presidente Duque, é assassinato. Não eram onze integrantes das FARC, eram camponeses e indígenas civis desarmados, inclusive crianças. É um crime de guerra de seu governo. Em meu governo vamos pôr fim definitivamente aos ‘falsos positivos’”.

Por sua vez, Sergio Fajardo, ex-prefeito de Medellín e candidato centrista da Coalizão Centro Esperanza, disse que “um exército não pode matar civis, roubar e manipular corpos; um governo não pode apresentar uma ação desproporcional e vil como uma operação bem-sucedida”.

Se ele não for para o segundo turno das eleições presidenciais, é dado como certo que ele pedirá o voto de seus seguidores para Petro, enquanto o Partido Liberal do ex-presidente César Gaviria anunciou já oficialmente que apoiará a candidatura de Federico Gutiérrez, o candidato direitista da Coalizão Equipo por Colombia.

Também Ingrid Betancourt, ex-refém das FARC e candidata do partido Oxígeno Verde, que conta com somente 1,1% das intenções de voto, declarou que “um falso positivo é a violação dos direitos humanos mais atroz da história recente, não pode haver impunidade”, mas não esclareceu a que candidato dará seu apoio.

A tensão é máxima na Colômbia. O ministro da Defesa terá que comparecer ao Congresso para explicar a matança de Alto Remanso, enquanto se sucedem as declarações de militares hostis a Petro e crescem os rumores de golpe de Estado.

Gustavo Petro se viu obrigado, no último 2 de maio, a suspender sua visita aos departamentos do Eixo Cafeeiro colombiano depois de saber da existência de um plano para matá-lo.

Segundo a equipe de segurança do líder da coalizão Pacto Histórico, a informação foi recebida de primeira mão de fontes na zona, e indicava que o grupo de narcotraficantes e sicários La Cordillera preparava o atentado.

O La Cordillera é um poderoso grupo que opera nos departamentos de Quindío, Risaralda e Caldas, e exerce controle sobre boa parte das autoridades civis e políticas do Eixo Cafeeiro, e no qual está assegurada a participação inclusive de agentes da Seção de Investigação Criminal (Sijín).

A possibilidade de que uma coalizão de esquerda alcance pela primeira vez o poder na Colômbia, um país assolado pelo narcotráfico e a violência política a décadas, fez soar todos os alarmes nas fileiras da direita e dos grandes poderes desse país, e também para além de suas fronteiras.

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