Primeiro, a explosão. O edifício de seis andares tremeu, alguns fios logo se quebrando com a força de uma chicotada. Ato contínuo, mais da metade da fachada desabou sem dar tempo, sem anúncio, cada pedaço de andar engolindo o de cima, esmagados tetos contra pisos e pisos contra tetos, em meio a um estrondo e uma nuvem de poeira que ocultava tudo, menos os gritos desesperados. Parecia que o chão tinha acabado de abrir e fechar, quando dois outros prédios desabaram.
Imediatamente se conheceram as causas do incidente de 6 de maio no Hotel Saratoga, em Havana Vieja, embora a investigação ainda esteja aberta: foi um vazamento de gás ocorrido enquanto um caminhão-tanque abastecia o prédio, que se preparava para reabrir esta semana. Sem hóspedes, os quartos estavam bem fechados, e talvez um simples clique do interruptor de luz fosse suficiente para a massa de gás acumulada causar a onda de choque que estilhaçou as janelas, a marchetaria e a fachada clara com decorações em estuque verde e branco, originais do século XIX.
Não é a primeira vez que Cuba entra de luto. Um acidente como este poderia parecer até menor em um país que padeceu, em meio século, com mais de trinta furacões de grande magnitude, dezenas de mortes durante a sabotagem da CIA no cargueiro La Coubre no porto de Havana em 1960, a explosão de um avião civil com 73 passageiros em 1976, uma série de bombas em hotéis e restaurantes na década de 90 e o eterno bloqueio do governo dos Estados Unidos – “ação desonesta”, o chama o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador – que naturalizou a escassez de quase tudo e que tornou a pandemia mais desesperadora, para citar alguns exemplos dramáticos.
Mas não. A explosão no Hotel Saratoga, com quase uma centena de feridos – dentre eles 43 mortos até o dia 11 de maio – é outra coisa. O que fez dessa notícia em particular uma Grande História não foi a explosão sentida em Havana, nem a fumaça densa que podia ser vista das áreas altas, nem a sensação de vulnerabilidade com a qual ela nos deixou, mas sim a solidariedade dos cidadãos que se aglomeraram ao redor da área, exigindo um lugar para resgatar as vítimas dos escombros, doar seu sangue aos feridos ou aliviar a angústias das vítimas. Duas horas depois do acidente, a fila de voluntários e voluntárias em frente aos bancos de sangue, policlínicas e hospitais superava os milhares, e a maioria eram jovens, estes mesmos que a propaganda de Miami diz estarem fugindo em massa de Cuba.
Enquanto o Governo age e a imprensa pública dá lições de agilidade e sensibilidade, as pessoas da rua, com todos os tipos de profissões, continuam a ajudar os seus compatriotas. Não sabemos os nomes de todos os socorristas – muitos deles bombeiros voluntários –, dos professores da escola “Concepción Arenal” que fica ao lado do hotel e que protegeu seus alunos, das crianças que salvaram outras crianças, dos transeuntes que ajudaram os trabalhadores de Saratoga e as famílias dos dois prédios que implodiram na vizinhança, nem dos cães farejadores que ainda procuram os rastros de pelo menos duas pessoas desaparecidas nos escombros.
Ao caírem, os prédios mostraram suas vísceras, suas artérias, seus nervos e sua fragilidade, que são as nossas. Mas eles também expuseram aquela espécie de sentimentalistas decentes que não estão em perigo de extinção e que são os melhores de todos nós, os heróis que correram para salvar os outros, sem perceber que outra explosão e outro colapso poderiam tê-los feito vítimas. E, ao mesmo tempo, há um exército anônimo de profissionais de saúde que não descansam há mais de cem horas desde o acidente.
Em Soldados de Salamina, o romancista espanhol Javier Cercas nos lembra que “no comportamento de um herói há quase sempre algo cego, irracional, instintivo, algo que está em sua natureza e do qual ele não pode escapar.” Ele é o que olha o absurdo e a crueldade da vida de frente para nos tornar mais humanos, aquele que nos adverte que do desespero nasce a luta.
A morte não prevalece. Mais uma vez.
*Rosa Miriam Elizalde é uma jornalista cubana e fundadora do Cubadebate. Ela é vice-presidente da União de Jornalistas Cubanos (UPEC) e da Federação Latino-Americana de Jornalistas (FELAP). É autora e co-autor de vários livros, incluindo Jineteros en La Habana e Chávez Nuestro. Por seu trabalho destacado, foi merecedora em várias ocasiões do Prêmio Nacional de Jornalismo Juan Gualberto Gómez. É colunista do semanário La Jornada, do México.