Mikhail Gorbachev, o último líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, cujas políticas levaram ao colapso devastador de seu país e do campo socialista global, morreu no último 30 de agosto.
O reinado de Gorbachev, que durou de 1985 a 1991, terminou com a restauração do capitalismo na URSS, a retirada de apoio e comércio vitais a países e movimentos antiimperialistas ao redor do mundo, o desmembramento do estado soviético em 15 estados separados e a abertura deles a um processo de exploração e corrupção sem precedentes. Direitos sociais essenciais como emprego, moradia, saúde, educação, licença maternidade e outros desapareceram praticamente da noite para o dia.
Até mesmo quando ainda aspirava ao cargo de Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), o Ocidente já o notara. Depois de se encontrarem em Londres, em 1984, Gorbachev foi elogiado por Margaret Thatcher, a ultra-reacionária primeira-ministra britânica, que disse: “nós gostamos dele […] podemos fazer negócios juntos”.
O presidente estadunidense Ronald Reagan, que infamemente rotulou a União Soviética de “o império do mal”, também se juntou ao cortejo a Gorbachev, que sempre se mostrou pronto para abraçar até mesmo os mais ardentes anticomunistas.
Em 1990, ele foi recompensado com o Prêmio Nobel da Paz por “acabar com a Guerra Fria” – ou seja, se render às demandas imperialistas e desmantelar o bloco socialista europeu. Alguns anos depois, ele receberia espaço para sua fundação nos terrenos da antiga base militar de Presidio, em São Francisco.
Perestroika e Glasnost
Embora o crescimento econômico soviético tenha diminuído para 2% ao ano quando Gorbachev assumiu, o povo não sofria de desemprego ou inflação. No final da década de 1980, tudo isso mudou drasticamente.
As reformas econômicas de Gorbachev conhecidas como “perestroika” pretendiam usar a competição de mercado como forma de acabar ou diminuir radicalmente as obrigações do governo soviético com a classe trabalhadora. As forças do mercado, em vez dos direitos legais consagrados da classe trabalhadora, seriam o que determinaria os padrões de emprego.
A facção da burocracia soviética representada por Gorbachev identificava nas relações socialistas de propriedade e no isolamento da União Soviética da economia global os obstáculos centrais que impediam o país de compartilhar dos frutos da revolução tecnológica que varreu o mundo no último quarto do século XX. Gorbachev e os “reformadores” soviéticos acreditavam que somente com o fim da Guerra Fria e a liquidação do planejamento econômico centralizado o imperialismo dos EUA aceitaria a entrada da União Soviética no modelo de economia global em rápida aceleração.
Em vez disso, as reformas colocaram em movimento forças dentro e fora do Partido Comunista Soviético que eram completamente burguesas e pró-imperialistas em sua orientação. O sistema político soviético pré-existente havia empurrado essas forças para a clandestinidade ou para o próprio Partido Comunista. Sem controle, as reformas levaram à inflação descontrolada e a uma desorganização econômica extrema.
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Junto com a perestroika, Gorbachev e seus partidários na liderança do PCUS promoveram a “glasnost”, palavra russa que significa “abertura”. Ela foi acompanhada por um expurgo dos comunistas e sua substituição por elementos anticomunistas e pró-capitalistas, especialmente nos meios de comunicação de massa. Uma guerra cultural interna contra a URSS e o comunismo se iniciou, levando à desorientação de amplas camadas do partido e da população em geral, que até então se orientavam politicamente pelo PCUS e outras instituições de estado.
Políticas reduzindo a assistência econômica para repúblicas menos desenvolvidas do bloco socialista e a promoção de elementos anticomunistas levou ao ressurgimento dos conflitos nacionais em muitas áreas da URSS.
Um fim antidemocrático
Em meio ao crescente caos econômico e político, o governo convocou um referendo sobre a manutenção ou não da União Soviética em março de 1991. As forças mais reacionárias, lideradas pelo ex-líder do Partido Comunista, Boris Yeltsin, esperavam que o referendo avançasse a causa da dissolução da URSS. Mas, em vez disso, mais de 70% dos votos foram em apoio à manutenção da URSS.
Em agosto de 1991, comunistas na liderança do partido tentaram impedir a desintegração da URSS e manter o sistema socialista, mas foram derrotados. Gorbachev então renunciou, cedendo o poder a Yeltsin, que imediatamente declarou a ilegalidade do PCUS.
Apesar do apoio esmagador à manutenção da URSS, em dezembro de 1991 os líderes da Rússia, Ucrânia e Belarus se reuniram secretamente e declararam que a união seria dissolvida em 25 de dezembro de 1991.
O que se seguiu ao fim da União Soviética foi um período prolongado de sofrimento indescritível para a grande maioria de uma população que há muito estava acostumada a ter suas necessidades básicas atendidas. O desemprego, inédito na União Soviética até 1990, disparou para 10% em 1995. A taxa de pobreza estava próxima de 20% em 2004, segundo dados do Banco Mundial. O poder de compra real fornecido pelo salário mínimo russo caiu drasticamente, quando Yeltsin desmantelou os antigos controles de preços de bens básicos. Em 1997, a renda média real das famílias da classe trabalhadora era de 25 a 30% do que era em 1990. Naquele ano, uma agência da ONU anunciou que 100 milhões de pessoas estavam abaixo da linha da pobreza na Rússia.
Entre 1990 e 1994, a taxa de mortalidade do país aumentou em surpreendentes 40%. A expectativa de vida masculina caiu de 63,8 anos para 57,7, e entre as mulheres, de 74,3 anos para 71,3 – um fenômeno sem precedentes em tempos de paz na história moderna.
A venda dos recursos e propriedades que pertenciam ao povo a preços de banana criou uma pequena classe de capitalistas super-ricos.
Gorbachev está sendo lembrado com carinho pela elite global, mas em sua terra natal a história é diferente. Na eleição presidencial de 1996, ele recebeu menos de 1% dos votos e foi insultado onde quer que fizesse campanha.