A Assembleia Legislativa de El Salvador aprovou na terça-feira passada (15) a oitava prorrogação de um estado de exceção vigente no país desde março, em meio a denúncias de organismos internacionais por violações de direitos humanos e pelo desaparecimento de 4 mil pessoas nos últimos 30 meses.
Desde 27 de março deste ano, as garantias constitucionais do direito à defesa, a detenção provisória de até 72 horas e a inviolabilidade da correspondência estão suspensas, embora a Constituição estabeleça um prazo máximo de 30 dias para essas suspensões, prorrogáveis unicamente se as causas que geraram a declaração do estado de exceção se mantiverem.
No 27 de março, quando foram registrados 62 homicídios em um dia, a Assembleia Legislativa aprovou a implementação do estado de exceção pela primeira vez e por 30 dias, a pedido do presidente do país, Nayib Bukele.
O plano de extermínio
O ministro de Segurança, Gustavo Villatoro, assegurou que “esta é uma estratégia firmemente elaborada e os resultados indicam que esta estratégia não está falhando”, e informou que ao menos 57.568 pessoas foram detidas desde o 27 de março, quando o estado de exceção foi instaurado pela escalada de homicídios.
As chamadas maras ou pandillas (gangues), presentes em bairros e comunidades populosas do país, estão envolvidas com o narcotráfico e o crime organizado, praticam extorsão contra comerciantes e empresas de transporte e assassinam aqueles que se negam a pagar, segundo as autoridades.
Villatoro assegurou que os resultados do estado de exceção “são inegáveis”, destacando a captura de 843 chefes de grupos criminosos, sendo 644 da Mara Salvatrucha (MS-13) e 199 da Mara Barrio 18, organização transnacional multiétnica que foi fundada como uma gangue de rua em Los Angeles, EUA. Disse ainda que dos 15 líderes da chamada Ranfla Nacional, a direção nacional da MS-13, nove estão detidos.
“Tínhamos registrados 76.600 membros de gangue, o que quer dizer que, com essa cifra, falta capturar cerca de 26 mil”, disse Villatoro, que arremeteu contra as organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, afirmando que “está claro que só velam pelos direitos humanos dos criminosos”.
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Em El Salvador, nos crimes relacionados com o crime organizado, que incluem as gangues, são aplicadas penas de 20 anos de prisão para os adolescentes maiores de 16 anos e de até 10 anos de prisão aos maiores de 12 anos.
As organizações de defesa dos direitos humanos denunciaram reiteradas irregularidades durante o estado de exceção. A organização cristã anglicana Cristosal informou que, em sete meses de estado de exceção, foram registradas 2.938 denúncias e mais de 3.107 pessoas tiveram seus direitos violados, além de terem registrado 80 mortos sob a custódia do Estado.
Villatoro destacou também que o país alcançou uma marca de “238 dias com zero homicídios”, dado no qual as mortes de diversos membros de gangues em supostos enfrentamentos com a Polícia Nacional Civil (PNC) são omitidas. O ministro assegurou ainda que durante o estado de exceção foram apreendidas 1.861 armas, 2.276 veículos, 13.556 telefones e cerca de 1,43 milhões de dólares em dinheiro vivo.
A deputada do partido centrista Vamos, Claudia Ortiz, destacou que, a essa altura, “já não podemos falar de regime de exceção. Exceção é uma situação extraordinária que dura pouco tempo. […] Se homicídios foram prevenidos, que bom. Isso é importante, mas não pode ser feito nas costas de pessoas inocentes”.
Por sua vez, o líder do partido Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), Jaime Guevara, assegurou que o estado de exceção “tem causado ansiedade, dor e luto nas famílias salvadorenhas”, e que a violência em sua totalidade não foi detida. “O governo diz que não há homicídios, mas eles prosseguem, como vemos nos últimos dias.”
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Desaparecidos
Em dois anos e meio, El Salvador registrou 4.060 pessoas desaparecidas, segundo o Observatório Universitário de Direitos Humanos (OUDH) da Universidade Centroamericana (UCA). E apesar de 67,76% desses casos terem sido classificados como finalizados, a organização questiona a veracidade dos dados, por conta da falta de informações sobre eles.
Dos 4.060 casos de pessoas desaparecidas registrados de janeiro de 2020 até junho de 2022, segundo as cifras da Polícia Nacional Civil, somente 1.309 seguem ativos até o dia de hoje. O resto está “fechado”. Só entre janeiro e junho de 2022 foram reportados 692 casos. Destes, segundo a PNC, 512 foram encerrados e 180 seguem ativos – isto é, a pessoa desaparecida segue sendo buscada.
Jorge Rodríguez, coordenador técnico do relatório “O desaparecimento de pessoas em El Salvador: o continuum da impunidade”, assegurou que o período presidencial que teve os indicadores mais altos de desaparecimentos é o do atual mandatário Nayib Bukele.
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“Há elementos incongruentes, como a utilização do termo ‘ausência voluntária’, ou a negação a informações públicas que as organizações e famílias solicitam. Todos esses elementos nós levamos em conta para pôr em dúvida a informação que nos dão as instituições públicas, mas é importante visualizá-las e retomá-las para a análise, porque é a fonte que pode nos aproximar mais de esclarecer o comportamento a nível nacional”, disse ele.