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Para uma teoria da vanguarda revolucionária no Brasil

Um dos sintomas da capacidade de uma organização ser vanguarda revolucionária é ela manter um arco de influência e direção política em amplos setores que não são membros do partido.
Um dos sintomas da capacidade de uma organização ser vanguarda revolucionária é ela manter um arco de influência e direção política em amplos setores que não são membros do partido. Por Jones Manoel | Revista Opera
(Imagem gerada com Dream Studio/Stability AI)

No artigo anterior, falamos da importância de construir as condições para o surgimento de uma vanguarda revolucionária numa situação de normalidade burguesa. Essa vanguarda revolucionária atua como contratendência à dinâmica do capital e seus aparelhos ideológicos e repressivos, e à própria subjetivação característica da ordem burguesa. É papel da vanguarda alargar os horizontes políticos, aumentar a radicalidade das lutas, transcender o nível de pequenas conquistas no sistema político e econômico vigente, e potencializar o surgimento de formas de ação política cada vez mais radicais e revolucionárias. 

Um dos problemas centrais na construção de uma vanguarda revolucionária é a questão organizativa. Antes de entrar no cerne do debate, é preciso traçar uma breve nota sobre o marxismo brasileiro nos últimos anos. Qualquer militante com algum tempo de experiência já percebeu uma dificuldade objetiva na formação e atuação política: os intelectuais marxistas mais famosos e lidos da atualidade escrevem pouco ou nada sobre a questão organizativa. 

É inútil procurar em marxistas famosos fora do Brasil e no cenário nacional, obras como o Que fazer? de Lênin ou O Partido com paredes de vidro de Álvaro Cunhal. Esse tipo de reflexão é artigo raro na produção marxista contemporânea. A explicação para isso é simples. Os chamados marxistas clássicos, como Lênin, Trótski, Gramsci, Stálin, Mao, Che, Fidel, Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin, Carlos Marighella, Ana Montenegro e afins, eram homens e mulheres de ação, revolucionários, militantes de partido, que produziam teoria e ciência revolucionárias, conectadas aos dilemas e desafios da ação política. 

Não eram acadêmicos fazendo pesquisas de acordo com os ditames da Capes e CNPq ou produzindo uma tese de doutorado. Por isso, os problemas do trabalho de massas, formação política, finanças, comunicação/agitação e propaganda, política de alianças, defesa da repressão, ações armadas, construção do partido, formação de quadros, em suma, todos os problemas da construção de uma organização revolucionária, recebiam sua atenção e reflexão.

A intelectualidade marxista brasileira, desde o fim da ditadura empresarial-militar, é majoritariamente formada por acadêmicos oriundos das camadas médias que, mesmo quando têm uma atuação militante, são, antes de tudo, acadêmicos. A universidade e seus aparelhos associados ditam os temas de pesquisa/publicação e sua forma. Temos muitas e qualificadas análises sobre o capitalismo contemporâneo em suas diversas expressões, mas quase nada sobre os desafios da organização política para superar o capitalismo contemporâneo. Existe um verdadeiro déficit no debate sobre a questão organizativa. 

Nesse ponto, é necessário evitar o espantalho. Aqui não existe nenhum tipo de postura “anti-intelectual” ou um repúdio da universidade. As pesquisas acadêmicas produzidas nas universidades são importantes, devem ser defendidas e ajudam na compreensão crítica da realidade. Contudo, entre a análise de um fenômeno, como a “uberização” da força de trabalho, e sua instrumentalização para organização e ação política, temos uma diferença qualitativa importantíssima. 

Lênin, no seu clássico O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, apresentou por exemplo uma análise das tendências da formação econômico-social do seu país, uma pesquisa científica de altíssima qualidade e erudição. Com as conclusões científicas de sua pesquisa sobre o desenvolvimento capitalista na Rússia, o líder bolchevique pensou nas consequências práticas, organizativas, estratégicas e táticas. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia tem sua derivação político-prática em reflexões como Que Fazer? e Duas táticas da social-democracia na revolução democrática – a universidade e seus quadros são capazes de produzir obras como a primeira, mas dificilmente vão entregar algo como as duas últimas. 

Pode parecer um truísmo, mas é necessário lembrar que não é possível construir um marxismo revolucionário tendo a universidade (que no capitalismo é, necessariamente, uma universidade burguesa) como lócus de produção. A universidade deve ser parte acessória e importante de uma produção crítica que vai adensar uma consciência revolucionária, mas o lugar por excelência de produção da teoria e cultura política para forjar essa consciência de ruptura é dentro das organizações revolucionárias. 

Voltando à questão organizativa. No capitalismo, a burguesia tem uma vantagem estratégica na luta política. Como falamos, as organizações políticas do proletariado são pressionadas a partir de diversos meios a adaptar-se à ordem burguesa, desenvolver formas de organização e ação que não transcendam ou tensionem fora dos limites da ordem vigente. Ao mesmo tempo, a burguesia tem quadros políticos e organizativos prontos a operar situações de emergência e resolver crises políticas em prol da ordem burguesa. 

 Leia também – A Revolução Brasileira como horizonte político concreto 

Não faltam exemplos históricos de momentos de crise e avanço da luta popular onde quadros de um partido político burguês, forças armadas ou outros aparelhos conseguiram liderar um processo contrarrevolucionário. No capitalismo, todo general, por exemplo, é um potencial líder da contrarrevolução. Os intelectuais, líderes políticos e quadros organizativos da burguesia acumulam experiência de gestão e comando político, econômico, organizativo e militar. Essa experiência, esse preparo, são normalmente decisivos em situações limites. 

Aliado a isso, a burguesia concentra meios de ação política: poder econômico, mando do aparato repressivo (públicos, como exércitos e polícias, ou privados), meios de espionagem e vigilância/condicionamento de massa (como redes sociais e tecnologia), capacidade de comunicação, maior facilidade no estabelecimento de unidade política (é mais fácil estabelecer unidade de ação em defesa do que já existe do que na construção de um mundo novo), apoio internacional, etc. Lênin, tratando do poder da burguesia após a tomada do poder pelo proletariado, apontou que, 

“Ainda durante muito tempo depois da revolução, os exploradores conservam inevitavelmente uma série de enormes vantagens factuais: mantêm o dinheiro […], certos bens móveis, muitas vezes significativos, conservam relações, os hábitos de organização e de administração, o conhecimento de todos os ‘segredos’ (costumes, processos, meios, possibilidades) da administração, conservam uma instrução mais elevada, a proximidade com o pessoal técnico superior (que vive e pensa à maneira burguesa), conservam (e isso é muito importante) uma experiência infinitamente superior na arte militar, e assim por diante. Se os exploradores são derrotados em único país – e este é, naturalmente, um caso típico, pois a revolução concomitante em uma série de países constitui rara exceção – continuarão a ser, no entanto, mais fortes que os explorados, pois as relações internacionais dos exploradores são imensas. Que uma parte dos explorados, da massa menos desenvolvida de camponeses médios, artesãos etc., segue e é suscetível de seguir os exploradores, isso até agora as revoluções provam, incluindo a Comuna (porque entre as tropas de Versalhes havia também proletários, coisa que o doutíssimo Kautsky ‘esqueceu’)”. (LENIN, 2019, p. 88).

A organização vocacionada para a tomada do poder, o esqueleto do corpo da revolução, deve se estruturar desenvolvendo cinco habilidades interligadas como forma de fazer frente às posições estrategicamente superiores da burguesia e ter aptidão histórica de ser a vanguarda revolucionária, o operador político decisivo na luta entre revolução e contrarrevolução. 

Primeiro, é preciso desenvolver mecanismos de defesa frente à  repressão e contra-inteligência, e manter capacidade de funcionamento em momentos de fechamento de regime. Se levamos a sério o marxismo e conhecemos a realidade do capitalismo periférico em particular, sabemos que o fechamento de regime e uma escalada de repressão é uma possibilidade política sempre em jogo. É evidente que é parte da luta pela Revolução Brasileira evitar o fechamento de espaços democráticos e combater a legitimidade da repressão, mas o avanço da luta popular terá inevitavelmente como resposta formas de aumento da repressão, vigilância e controle. 

Nesse sentido, é preciso oferecer um riso irônico para partidos que dizem defender o socialismo e registram toda sua militância no TSE via filiação (oferecendo ao estado burguês, sem qualquer trabalho, o mapa de toda sua base social ativa). Também é no mínimo irônico que organizações que se pretendem revolucionárias, em momentos de golpes, fechamentos de regime e escalada da repressão, não tenham nenhum plano de contingência e resposta, sendo facilmente desmanteladas – o que mostra mais radicalidade verbal do que prática política revolucionária. 

É possível, contudo, que mesmo uma organização estruturada, com boa contrainteligência e capacidade de resistir à repressão, seja desmantelada. Nesse caso, temos um dispositivo organizativo que foi derrotado, mas ao menos existia. O drama brasileiro é que a maioria das organizações [todas?] que dizem lutar pelo socialismo nem ao menos consideram o debate sobre a necessidade de criar esse dispositivo organizativo para resistir à repressão. 

Em segundo lugar, a organização revolucionária precisa desenvolver uma capacidade de adaptabilidade de ação e flexibilidade organizativa para fazer frente ao inesperado na história. Em janeiro de 1917, pouco tempo antes do início da Revolução Russa, Lênin dava uma palestra sobre a Revolução de 1905 e falava que ele, provavelmente, não veria a próxima revolução no país. Era tarefa dos jovens, dizia o líder bolchevique, estarem preparados para esse momento. Poucos dias depois, o regime com mais de 300 anos de existência desaparece. 

Os bolcheviques atuaram e se prepararam por anos para derrubar o czarismo. Mas era impossível prever que isso aconteceria em fevereiro de 1917. Em poucos meses, os marxistas russos tiveram que atuar de forma inédita num movimento de massas crescente, com amplas liberdades democráticas. No final do ano, estavam organizando ações armadas para a tomada do poder. Como um partido acostumado a conspirações e trabalho de base discreto (evitando a repressão) conseguiu tornar-se um partido de massas rapidamente? Como um partido sem organização militar permanente montou tão rapidamente um dispositivo militar que não só garantiu a vitória em outubro de 1917, como venceu em seguida uma guerra civil? 

Os bolcheviques, de modo ímpar, desenvolveram essa flexibilidade organizativa e capacidade de adaptação. Mas essa qualidade não veio do nada. Lênin, nos debates sobre um jornal unificado para toda Rússia, falava que a estrutura de produção e distribuição do jornal, nas condições repressivas do czarismo russo, era o embrião de um dispositivo militar. A hierarquia, cadeia e rede de comunicação, estrutura conspirativa e ilegal e as bases responsáveis pela distribuição do jornal poderiam, caso necessário, transformar-se numa força armada popular. 

Numa estrutura organizativa de agitação e propaganda os bolcheviques conseguiram vislumbrar a potencialidade de um dispositivo militar. Não é impossível que, mesmo na situação desfavorável para a classe trabalhadora que vivemos no Brasil, uma série de manifestações populares e greves desencadeiem uma ofensiva popular que vá demandar das organizações que se pretendem revolucionárias novas formas de ação e organização. O tempo é curto para adaptações e longos debates, e se a organização não estiver criando desde já uma capacidade adaptativa para o momento de aguçamento da luta de classes, perderá o bonde da história. 

 Leia também – Autocrítica ou anticomunismo? Aportes teóricos para compreender a autofobia na esquerda brasileira 

Para ter essa habilidade elencada acima, é necessário um terceiro elemento central: ótima formação de quadros e militantes. A formação política não se resume ao domínio do programa político da organização, marxismo, debates sobre estratégia e tática, etc. Inclui também a capacidade de direção, sensibilidade política, compreensão das tendências políticas no calor da batalha, criatividade, firmeza, resistência física e emocional, habilidades práticas (não se monta um dispositivo militar quando necessário se absolutamente ninguém numa organização tem experiência com debates militares, por exemplo). 

Toda organização, como disse Antônio Gramsci, é composta basicamente por três estratos: a) dirigentes; b) corpo intermediário que faz a função de ligação entre dirigentes e as bases; c) e as bases sociais da organização. Os dirigentes precisam ser muito bem preparados, experimentados na política, tendo experiência com o movimento de massas, sólida formação teórica, agilidade política e inventividade. Os corpos médios – como os dirigentes regionais – precisam ter as mesmas qualidades que os dirigentes nacionais, mas com destaque para a capacidade de materializar em ações concretas e práticas as orientações de ação que parecem “abstratas”. Por exemplo, a direção de uma organização compreende que é necessário ampliar a aliança com setores da pequena-burguesia, evitando a conquista desses setores pela reação; quem vai dirigir a aplicação dessa política, seu significado prático, são esses estratos médios da organização – eles concretizam o “como fazer” de uma política. 

Por último, temos as bases, as massas de uma organização. Além de todas as habilidades acima citadas, a base precisa expressar uma aguda criatividade, senso de oportunidade, capacidade de traduzir no senso comum um programa político e orientação de ação, e inovar na ação seguindo a linha política da organização. Isso só é possível com uma relação de sintonia, confiança política e qualificada comunicação interna para atuar como um só corpo político. Os meandros práticos dessa formação política – e formação política não é e nunca será reunir-se esporadicamente para debater algum tema como em uma universidade – vão ser objeto de outra reflexão. Avancemos. 

Uma organização revolucionária também precisa ter a capacidade de ser a encarnação da vontade nacional-revolucionária em um determinado momento histórico. Os bolcheviques venceram em 1917 porque para os camponeses (maioria do país), eles eram os maiores representantes da reforma agrária, para os operários, os grandes defensores do emprego, comida, condições dignas de vida; para o conjunto da população, os grandes promotores da paz e até da unidade nacional de uma Rússia ameaçada de balcanização. 

Na China, Vietnã e Coreia, os partidos comunistas conseguiram ser depositários de todas as demandas concretas dos explorados (também maioria camponesa), mas também o máximo representante de bandeiras gerais, transclassistas, de todo o povo: como independência, libertação e dignidade nacional. Em Cuba, de certa forma, aconteceu a mesma coisa. Mas Cuba tem uma particularidade importante: ao contrário dos exemplos asiáticos, com partidos comunistas grandes e capilarizados por todo país, na ilha socialista, a vanguarda revolucionária expressada na guerrilha quase não tinha base urbana e mesmo assim conseguiu dirigir, na prática, as lutas estudantis, sindicais e populares nas cidades. 

Em um país como o Brasil, com dimensões continentais e gritante desigualdade regional, ser esse articulador universal de diversas demandas particulares, imediatas e geral-abstratas no hoje (como dignidade nacional) é muito difícil. A incapacidade de ser esse sujeito político nacional-revolucionário já enterrou duas revoluções na França, por exemplo – a Revolução de Junho de 1848 e a Comuna de Paris, quando o proletariado revolucionário não conseguiu estabelecer uma aliança operário-camponesa e acabou isolando-se. 

Ser o sujeito nacional-revolucionário exige não só uma linha política, palavras de ordem, política de alianças, estratégia e tática acertadas, mas ótima estrutura de comunicação interna, planejamento e recrutamento eficientes, robusta capacidade financeira, ativa flexibilidade organizativa sem quebrar o centralismo e  unicidade política. 

Alguém pode argumentar que o exemplo cubano invalida meu argumento. É verdade que a guerrilha comandada por Fidel Castro tinha pouca base urbana e mesmo assim, por meio de uma política de alianças com organizações como o partido comunista e hegemonia política e ideológica, conseguiu dirigir a luta revolucionária a nível nacional – até certo ponto, esse foi o caso dos bolcheviques com o campesinato da Rússia. O sujeito nacional revolucionário se expressou num bloco social formado via alianças com a direção de uma organização. É lícito pensar, considerando a história brasileira, que dificilmente teremos uma organização com capacidade de ser a vanguarda revolucionária de norte a sul do país, mas sim um bloco social amplo e contraditório, com fortes traços regionais das forças políticas que o compõem. 

 Esse raciocínio não anula o nosso argumento, só mostra que em um país continental como o nosso, ser o sujeito universal da ruptura com a ordem burguesa é mais difícil e complexo – e complexo do ponto de vista político e organizativo, na materialização da aliança do bloco social da revolução. 

Por último, é necessário um robusto dispositivo de comunicação atuando em duas frentes: comunicação interna e agitação e propaganda. Novamente, a capacidade de direção política de uma organização não depende apenas da qualidade de sua linha política – não podemos esquecer da capacidade de fazer circular e tornar conhecida essa linha política. A comunicação, inclusive, pode ser o elemento de direção de diversos setores da classe trabalhadora, mesmo que com pouquíssima base na classe que se está dirigindo. Foi o caso dos bolcheviques na Rússia, organização majoritariamente urbana, com baixa influência no campesinato, e que conseguiu liderar os camponeses na revolução (os socialistas revolucionários eram o partido com maior base social no campesinato). 

Voltando à questão anterior, em um país continental como o nosso, a capacidade de ser sujeito nacional-revolucionário coloca a comunicação externa, a agitação e propaganda (agitprop), num posto de importância majorada. Na atualidade, na era da internet, a agitação e propaganda é cada vez mais complexa. Nos escritos de Lênin, o debate é centrado no jornal do partido, revista teórica e panfletos. Hoje, além desses elementos – que continuam atuais –, temos redes sociais, rádios comunitárias, documentários, comunicação via aplicativos de mensagens, etc. 

Um dos sintomas da capacidade de uma organização ser vanguarda revolucionária é ela manter um arco de influência e direção política em amplos setores que não são membros do partido. Influência na opinião pública, disputar e orientar a consciência das massas, conquistar setores da intelectualidade, camadas médias e cultura, desenvolver formas de comunicação adaptadas a cada público receptor mantendo a unicidade de linha política, furar os bloqueios temáticos dos aparelhos ideológicos da burguesia (na grande mídia, por exemplo, você nunca verá debates sobre nacionalização de grandes indústrias e fim do latifúndio. Se as organizações revolucionárias não conseguiram pautar temas como esses, eles simplesmente não existem para o povo trabalhador). 

Imagine, por exemplo, que uma organização lança uma nota política sobre um tema importante da conjuntura. Depois de lançada a posição política, não temos nenhuma dinâmica de ação planejada para essa posição chegar e ser compreendida pelos mais amplos e diversos setores da sociedade. Não existe ação planejada, sistemática e contínua de circulação da linha política. Na prática, a organização que assim atua, confessa que não tem capacidade de ser ator central na luta de classes e que suas notas políticas são apenas objeto de disputa em pequenos segmentos sociais de pessoas já organizadas e militantes. 

A comunicação de uma organização, sua agitação e propaganda, deve sempre ser pensada em termos de alcance crescente (o que fazer para alcançar mais pessoas?), flexibilidade e capacidade de adaptação (como manter o aparato de agitprop em situações de aumento da repressão, por exemplo) e diversidade na unidade (como produzir comunicação para dirigir ao mesmo tempo setores das camadas médias ligados à cultura e camponeses semianalfabetos, produzindo conteúdos diferentes, mas mantendo esses dois segmentos da sociedade atuando na mesma estratégia política?). 

Para além da comunicação externa, temos a comunicação interna, a capacidade de circular dentro da organização os repasses, orientações de ação, experiências, informes, problemas, potencialidades regionais e afins. Uma organização revolucionária deveria funcionar como uma grande central de coleta de informações em cada base e processamento dessas informações nas instâncias de direção, derivando consequências políticas e organizativas. É um corpo que deveria ser capaz de manter secretas ações futuras, transmitir rapidamente para suas bases planos de ação, fazer dupla comunicação (uma orientação política pública, para toda sociedade, e outras restritas, para o corpo interno da militância). 

Relembrando, falamos de capacidade de resistir à repressão e escaladas de vigilância e controle, adaptabilidade organizativa para lidar com o imprevisto na história e aguçamento da luta de classes, ótima formação de quadros, vocação para ser o sujeito nacional-revolucionário e sólida e potente capacidade de comunicação externa e interna. 

É difícil, é claro, desenvolver ao mesmo tempo todas essas habilidades. É totalmente normal que uma organização tenha em algumas mais potencial e em outras maior debilidade. Mas uma organização que não tenha em boa situação nenhuma dessas capacidades pode até ter uma linha política e estratégia revolucionária, mas dificilmente será a vanguarda da tomada do poder – falta a infraestrutura para materializar a política.

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