Em meados de dezembro do ano passado, o Congresso Nacional Africano (CNA) celebrou sua conferência nacional, na qual o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, foi reeleito líder do partido. Isso significa que ele dirigirá o CNA nas eleições gerais de 2024. Alguns dos delegados presentes no Centro de Exposições de Joanesburgo, na província de Gauteng – onde a conferência do partido foi realizada – gritaram pedindo que Cyril renunciasse por um escândalo conhecido como Farmgate (Ramaphosa sobreviveu a uma votação parlamentar pela sua destituição por conta desse escândalo).
Irvin Jim, secretário-geral do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Metal da África do Sul (NUMSA, na sigla em inglês), nos disse que seu país “está sentado sobre um barril de pólvora”. Atualmente, uma série de crises sacodem a África do Sul: uma crise de desemprego, uma crise elétrica e uma crise de xenofobia. O contexto no qual a conferência nacional se celebrou é, assim, desolador. “A situação é brutal e dura”, afirma Irvin Jim. “As enfermidades sociais que as pessoas enfrentam todo dia são terríveis. O índice de delinquência é muito alto. A violência de gênero que as mulheres sofrem é muito alta. As estatísticas nos mostram que, basicamente, as pessoas lutam por migalhas”.
Na conferência do CNA, cinco dos sete cargos mais importantes – desde o presidente até o tesoureiro geral – ficaram nas mãos de partidários de Ramaphosa. Com sua equipe no poder, e com ele mesmo como candidato presidencial em 2024, é pouco provável que o partido proponha mudanças drásticas na sua orientação política ou que ofereça ao povo sul-africano uma nova perspectiva para o futuro do país.
O CNA governa a África do Sul há quase 30 anos (após o fim do apartheid em 1994) e, desde então (e até as eleições gerais de 2014) o partido tem obtido imponentes 62,65% da cota total de votos. Nas últimas eleições gerais de 2019, Ramaphosa venceu com 57,5% dos votos, muito a frente de qualquer um de seus oponentes. Esse controle do poder eleitoral criou uma sensação de segurança nas altas esferas do CNA. No entanto, nas bases há uma certa inquietação. Nas eleições municipais de 2021, o apoio ao CNA caiu pela primeira vez abaixo dos 50%. Em agosto de 2022, uma pesquisa de opinião nacional demonstrou que, se as eleições de 2024 fossem celebradas hoje, o CNA obteria 42% dos votos.
Acordo negociado
Irvin Jim não é um desconhecido no CNA. Nascido no Cabo Oriental da África do Sul em 1968, Jim se lançou na juventude no movimento contra o apartheid. Obrigado pela pobreza a abandonar seus estudos, trabalhou na fábrica da Firestone na cidade de Porto Elizabeth. Em 1991, Jim se tornou delegado sindical do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Metal da África do Sul (NUMSA). Como membro do movimento comunista e do CNA, ele pôde ver como o novo governo – dirigido pelo ex-presidente sul-africano Nelson Mandela – fazia um “acordo negociado” com a antiga elite do apartheid. Esse “acordo”, argumentou Irvin Jim, “deixou intacta a estrutura do capital monopolista branco”, que incluía sua propriedade privada sobre os minerais e a energia do país, bem como sobre as finanças. O Banco de Reserva da África do Sul se comprometeu, disse ele, “a proteger o valor da riqueza dos brancos”. Na nova África do Sul, segundo ele, “os africanos negros podem ir à praia. Podem colocar seus filhos na escola que queiram. Podem escolher onde viver. Mas o acesso a estes direitos é determinado pela sua posição econômica na sociedade. Se eles não têm acesso ao poder econômico, não têm nenhuma dessas liberdades”.
Em 1996, o CNA introduziu algumas mudanças na estrutura econômica, mas sem prejudicar aquele “acordo negociado”. A política conhecida como GEAR (Crescimento, Emprego e Redistribuição, na sigla em inglês), gerou crescimento para os donos da riqueza, mas não conseguiu criar um processo de aumento de emprego e redistribuição a longo prazo. Devido à incapacidade do CNA em abordar o tema do desemprego – catastroficamente, a taxa de desemprego foi de 63,9% durante o primeiro trimestre de 2022 para jovens entre 15 e 24 anos –, a angústia enfrentada pelos sul-africanos se agrava mais ainda. O CNA, disse Irvin Jim, “expôs o país a uma grave vulnerabilidade”.
Solidariedade, não ódio
Mesmo que o CNA obtenha menos dos 50% dos votos nas próximas eleições gerais, pode ficar com o governo, já que nenhum outro partido conseguirá um apoio sequer comparável (nas eleições de 2019, a Aliança Democrática obteve apenas 20,77% dos votos). Irvin Jim nos diz que é necessário que as forças progressistas da África do Sul lutem e “revisem o acordo negociado”, criando um novo esquema político para o país. O Plano Nacional de Desenvolvimento 2030, de 2013, é uma pálida sombra do tipo de política necessária para definir o futuro da África do Sul. “Mal fala de emprego”, disse Jim sobre o plano. “E os únicos empregos do qual fala são limpador de janelas e cabeleireiro. Não há nenhum impulso para defender a manufatura e a industrialização”.
Um novo programa – que revitalize a agenda da liberdade na África do Sul – deve buscar “o poder econômico junto ao poder político”, diz Jim. Isso significa que “há uma necessidade genuína de se apropriar e controlar todos os níveis de comando da economia”. As reservas de minerais não-energéticos da África do Sul estão estimadas em 2,4 a 3 trilhões de dólares. O país é o maior produtor do mundo de cromo, manganês, platina, vanádio e vermiculita, bem como um dos maiores produtores de ouro, minério de ferro e urânio. Como um país com tantas riquezas pode ser tão pobre é uma questão respondida pela ausência de controle público sobre os metais e minerais na África do Sul. “A África do Sul precisa assumir a propriedade pública desses minerais e metais, desenvolver o processamento deles por meio da industrialização, e distribuir os benefícios aos sul-africanos marginalizados, sem-terra e despossuídos, a maioria dos quais é negra.”
Nenhum programa do tipo será levado a sério se a classe trabalhadora e os pobres das cidades permanecerem fragmentados e sem poder. Jim nos disse que seu sindicato – o NUMSA – está trabalhando com outros para conectar as “lutas do chão de fábrica com as lutas comunitárias”, os “empregados com os desempregados”, e criando uma atmosfera de “solidariedade, ao invés de espírito de ódio”. As respostas para a África do Sul terão de vir dessas lutas, diz o veterano sindicalista. “O povo”, diz ele, “deve liderar os líderes”.