Para muitos, não há dúvida de que o colonialismo “aconteceu”. Entretanto, o que esse fato histórico significa para a vida contemporânea dos povos em todo o mundo hoje é motivo de controvérsia, e não apenas entre os acadêmicos. Aqueles que já foram colonizadores ou colonizados tendem a concordar mais facilmente que alguns países colonizaram outros. A recente coroação de um novo monarca britânico faz lembrar a famosa frase que diz que “o sol nunca se põe no Império Britânico”. Simplificando, o alcance do Império Britânico era tão geograficamente expansivo – diz-se que ele ocupava quase 25% da massa terrestre da Terra em seu auge – que se o sol se punha em alguma parte do império, ele também nascia simultaneamente em outra parte do império.
As luzes nunca se apagavam, por assim dizer. Ampliando ainda mais essa metáfora luminosa, projetou-se que a luz do Iluminismo irradiada pela civilização britânica também iluminaria a escuridão da consciência dos colonizados. Mas, conforme sinalizado pelo famoso discurso do primeiro-ministro britânico Harold Macmillan ao parlamento da África do Sul, formado apenas por brancos, na Cidade do Cabo, em 1960, os ventos da mudança viriam pôr fim ao domínio político dos impérios sobre as colônias, pelo menos como uma prática política legítima que, para os britânicos, havia começado em 1497. Macmillan observou, repreendendo um pouco seu público branco sul-africano:
“No século XX, e especialmente desde o fim da guerra, os processos que deram origem aos estados-nação da Europa se repetiram em todo o mundo. Vimos o despertar da consciência nacional em povos que durante séculos viveram na dependência de algum outro poder. Há quinze anos, esse movimento se espalhou pela Ásia. Muitos países de diferentes raças e civilizações reivindicaram uma vida nacional independente… O vento da mudança está soprando neste continente e, quer gostemos ou não, esse crescimento da consciência nacional é um fato político.”
A ideia da consciência nacional como a expressão inevitável da liberdade, nesse caso, pensada e vivida pela primeira vez na Europa, estava agora se repetindo no resto do mundo. Foi assim que os contemporâneos liberais de Macmillan passaram a filosofar sobre a renúncia ao domínio político e à tutela de “suas” colônias. Os imperialistas liberais narram a descolonização como um ato benevolente na inevitável marcha em direção à liberdade e ao Estado-nação que o liberalismo reivindicaria, até hoje, como sua orgulhosa herança. Essa continua sendo uma narrativa destituída da história real da tutela e do paternalismo liberais que negaram violentamente a soberania aos povos colonizados por centenas de anos. Meu objetivo ao relembrar isso é destacar o consenso da maioria das pessoas – ex-colonizadores e colonizados – de que o colonialismo aconteceu, mas também de que o colonialismo definitivamente acabou. (Com mais nuances, uma versão desse argumento pode ser encontrada no livro “Against Decolonization, Taking African Agency Seriously” [Contra a descolonização, levando a agência africana a aério, em tradução livre], do filósofo de Cornell Olufemi Taiwo).
Há uma data de início e uma data final: a colonização terminou com a descolonização na década de 1960. Exceto nas colônias de povoamento, em territórios como Rodésia, Angola, Moçambique, Sudoeste Africano e África do Sul. Bem, sim, realmente a colonização terminou nesse sentido. Mas até mesmo no momento em que hasteavam com exuberância a nova bandeira da independência nacional, líderes anticoloniais como Nasser, do Egito, Nkrumah, de Gana, e Nyerere, de Tanganyika, já começavam a falar de “neocolonialismo”, a nova forma de colonialismo que descobriram, que prendia países politicamente livres a relações economicamente dependentes com as antigas potências colonizadoras. Foi uma relação que eles sentiram imediatamente como uma restrição à verdadeira independência e soberania.
Nas décadas seguintes, os líderes políticos africanos se preocuparam com os processos de formação do Estado e de construção da consciência nacional vista como necessária para produzir novas formas de comunidades que pudessem se unir em torno da nação. Os líderes políticos carismáticos e as ideologias de desenvolvimento ofereceram símbolos e programas para essa união. Ao mesmo tempo, uma geração de intelectuais e acadêmicos críticos chamou a atenção para os limites que as relações neocoloniais impunham à liberdade dos Estados libertados. A África não poderia “se desenvolver” se o próprio desenvolvimento estivesse sendo prejudicado desde o início.
Walter Rodney, o historiador e ativista caribenho que se viu envolvido nos debates acalorados da Universidade de Dar es Salaam na década de 1960, articulou o problema de forma contundente em “Como a Europa subdesenvolveu a África“. O colonialismo havia terminado formalmente, mas mantinha sua missão e seus ganhos por meio de uma relação sistemática de dependência econômica. Os intelectuais críticos da América Latina estavam chegando às mesmas conclusões, e desenvolveram conceitos como a “teoria da dependência”, articulada por sociólogos históricos como André Gunder Frank, para descrever os fenômenos históricos que estavam vivendo.
Ao mesmo tempo, manter o estado-nação pós-colonial unido era um desafio em muitas partes do continente africano, mas também em outros lugares, logo nos princípios da descolonização, como uma expressão da celebrada consciência nacional de Macmillan. Pensemos na matança que acompanhou a divisão da Índia por meio da partição para produzir duas novas entidades políticas, uma pátria para os muçulmanos chamada Paquistão, e a controversa disputa sobre para quem a Índia deveria ser uma pátria, uma questão que aparece com destaque nas dificuldades atuais da Índia. Houve também o impulso secessionista que produziu a guerra de Biafra na Nigéria (1967-1970). Foi a destreza política de Julius Nyerere que conseguiu unir Tanganica e Zanzibar, apesar da revolução de Zanzibar.
A precariedade da unidade exigia cada vez mais um controle firme da vida política e estados mais centralizados. As suspeitas de golpes e intrigas palacianas concentraram ainda mais os poderes políticos, incentivando chefes militares a assumirem papéis políticos em nome da unidade e do desenvolvimento. Nesse contexto, surgiram novos tipos de figuras políticas, como Idi Amin, Jean Bedel Bokassa e Mobutu Desire Sese Seko, que, na política africana, se enquadraram nas teorias de homens fortes.
Outra trajetória de líderes pós-independência é simbolizada pela figura trágica e leonina de Thomas Sankara, ou pelas figuras ideologicamente sincréticas de Sekou Toure e Muammar Gaddafi; eles representaram um tipo diferente de esperança de comprometimentos nacionalistas radicais. As guerras civis que ocorreram no período pós-independência na África mobilizaram círculos eleitorais definidos, em alguns lugares, por solidariedades tribais, em outros, por solidariedades religiosas, ou ainda combinações de ambas, e mapearam noções territoriais de quem era pertencente a certas comunidades. E, muitas vezes, esses sentimentos também eram inflamados pela Guerra Fria.
No que diz respeito aos intelectuais, as ortodoxias dominantes daqueles que “estudavam a África” como vocação profissional – os especialistas em políticas públicas e muitos africanistas populares da América do Norte ou da Europa – olhavam com desconfiança para alguns de seus colegas, que tendiam a valorizar a realidade social das solidariedades e a consciência do clã ou da tribo em detrimento da nação e do Estado. A ciência política africanista tendia a lamentar a ausência de uma consciência nacional como antídoto para a consciência paroquial. O futuro, como desejava a teoria da modernização, produziria o cidadão moderno, individualizado e supostamente abstrato da teoria política liberal, livre da identidade tribal ou religiosa. Na esquerda ocidental, de influência marxista, também havia um lamento, não tanto pelo indivíduo da liberdade liberal, mas pelo sujeito político coletivo radical unido pelas relações de classe que estava sendo fraturado pela consciência cultural/étnica das membresias tribais.
Mas o que um consenso sobre o caráter histórico do colonialismo representa em relação à compreensão da vida política atual continua sendo um grande debate. Os movimentos políticos do continente africano, que criticam a centralização de líderes e poderes dos Estados e das figuras políticas, identificaram cada vez mais os problemas da África contemporânea como um produto da ação das elites e dos líderes africanos. Desiludidos com a ênfase na formação e na unidade do Estado às custas do povo, embora alegando ser em nome do povo, a resposta aos problemas dos movimentos de oposição pós-Guerra Fria residia nas panaceias da sociedade civil e do multipartidarismo defendidas no final da década de 1990.
No início da década de 1970, as análises das práticas dos Estados e dos líderes eram compreendidas por meio de conceitos como corrupção ou neopatrimonialismo; ambos são conceitos que combinam descrições de poder com explicações de práticas políticas. Descrições mais elaboradas da agência como a expressão de patologias grotescas de poder e até mesmo de poder libidinal viriam em seguida (por exemplo, nos escritos de Bayart e Mbembe). Esses argumentos enfatizaram cada vez mais o poder de agência ou as escolhas feitas pelos próprios líderes africanos como os principais culpados, sejam como participantes do domínio colonial ou como agentes dos próprios destinos desastrosos das sociedades africanas pós-independência.
Com o tempo, esse modo de crítica produziu duas respostas como soluções. Primeiro, uma onda atual de políticas bem-intencionadas e grupos de reflexão dedicados a estudos sobre liderança e a necessidade de produzir mais “líderes éticos”. A esperança de que os estudos de liderança resolvam os problemas da África é uma expressão de uma ideia de agência. Segundo, enfatizar o arbítrio ao responsabilizar líderes individuais por meio da criminalização de abusos de poder – uma resposta impulsionada por uma abordagem de direitos humanos.
Em muitas dessas abordagens, o foco está nas soluções para as dificuldades políticas e econômicas da África, resolvidas principalmente pela agência africana, em uma concepção na qual a agência é interpretada como as escolhas que os indivíduos fazem no presente. Essas escolhas são entendidas como más escolhas quando os líderes políticos obtêm ganhos privados de recursos públicos e como boas escolhas quando os líderes agem em prol do interesse público. Como formulações da agência política, essas abordagens tendem a uma compreensão amplamente a-histórica dos sujeitos políticos e da formação do sujeito político, pois pensam na agência e na liderança fora da história política e econômica. Nessas análises, o colonialismo terminou, como declarou Macmillan, com a independência política. Por exemplo, nas estruturas do discurso de direitos humanos concebidas pelo direito penal, tentar explicar por que esta ou aquela prática ou evento horrendo está acontecendo, ou aconteceu, tende a ser visto como uma desculpa. A explicação e a impunidade foram confundidas.
Foi nessa brecha que alguns estudiosos dos dilemas políticos contemporâneos se debruçaram sobre diferentes lugares e experiências coloniais para oferecer relatos de dilemas políticos no presente. Quando o teórico político ugandense Mahmood Mamdani publicou seu clássico “Citizen and Subject” (Cidadão e Sujeito, em tradução livre) em 1996, tratava-se de uma intervenção que buscava repensar a agência por meio da historicização das identidades e práticas políticas. Em vez de lamentar a ausência de um sujeito liberal que pudesse transcender a tribo ou lamentar a ausência de uma consciência de classe que pudesse suprimir a tribo ou a raça, o ponto de partida de Mamdani foi perguntar como poderíamos explicar a politização da identidade cultural como a base das solidariedades que produziram a violência das guerras civis e até mesmo o genocídio. Antes de oferecer uma solução, Mamdani nos obrigou a perguntar primeiro: qual é o problema? Como podemos entender o dilema que estava se manifestando politicamente?
Como uma primeira abordagem, Citizen and Subject ofereceu uma maneira de pensar sobre o colonialismo, não como uma experiência ou um momento específico que aconteceu no passado e que é melhor deixar no passado, mas como um fenômeno histórico, com o legado do colonialismo tardio no presente. Um legado não implica que sejamos prisioneiros da história, sobredeterminados pelo passado. Mas implica que a agência é configurada dentro de relações historicamente particulares das quais não somos os únicos autores ou agentes. O falecido intelectual caribenho Stuart Hall poderia ter descrito como “estudar a conjuntura“.
“Uma conjuntura é um período durante o qual as diferentes contradições sociais, políticas, econômicas e ideológicas que estão em ação na sociedade se reúnem para dar a ela uma forma específica e distinta… Uma conjuntura pode ser longa ou curta: não é definida pelo tempo ou por coisas simples como mudanças de regime – embora elas tenham seus próprios efeitos… a história avança de uma conjuntura para outra em vez de ser um fluxo evolutivo. E o que a faz avançar é geralmente uma crise, quando as contradições que estão sempre em jogo em qualquer momento histórico são condensadas….As crises são momentos de mudança em potencial, mas a natureza de sua resolução não é dada.”
Qual é, então, a relação entre o colonialismo como um fato histórico e as dificuldades de nosso presente político, nossa conjuntura atual? Deveriam os ex-colonizados, tanto intelectuais quanto líderes políticos, dispensar o colonialismo como uma presença no presente? Ou será que os acadêmicos e intelectuais devem incentivar mais, e não menos, a reflexão sobre as maneiras pelas quais o colonialismo molda as instituições políticas e a agência política, bem como as sensibilidades e as formas de pensar e conhecer o mundo? Essas são perguntas que animam os capítulos que foram reunidos em “On the Subject of Citizenship: Late Colonialism in the World Today” (Sobre o tema da cidadania: o colonialismo tardio no mundo atua, em tradução livrel). Nele, os acadêmicos analisaram situações políticas contemporâneas, por exemplo: violência política em federações étnicas como a Etiópia; como as sociedades europeias lidam com sua autoidentidade como seculares e tolerantes em relação aos migrantes pós-coloniais; ou como as mulheres como agentes políticos são compreendidas em relação aos mercados e ao patriarcado na democracia indiana.
Por mais diversas que sejam, as reflexões podem ser consideradas como formas de pensar sobre o colonialismo no presente. E elas sustentam não apenas que entenderemos melhor o Sul global se compreendermos melhor a relação entre o passado colonial e o nosso presente, mas também que entenderemos melhor a modernidade em escala global se compreendermos as formas historicamente específicas sobre as quais cada região da Terra, Leste e Oeste, Norte e Sul, carrega o rastro e a assinatura manchada de sangue da modernidade colonial tardia.