Na extensa mitologização da vida de Nelson Mandela, frequentemente nos deparamos com uma figura política achatada, sem nuances ou contradições. Em um tributo após sua morte, o então presidente dos EUA, Barack Obama, descreveu-o como um herdeiro de Gandhi e Abraham Lincoln, uma figura que derrotou o apartheid apenas por meio da coragem moral. Há também o Mandela das camisetas e dos especiais de televisão, o avô sorridente, o Mandela da reconciliação e do compromisso.
Essas interpretações servem a uma variedade de propósitos políticos, mas todas negligenciam o fato de que o desenvolvimento intelectual e político de Mandela passou por uma série de transformações ao longo de sua vida. No último livro de Paul S. Landau, Spear: Mandela and the Revolutionaries (Lança: Mandela e os revolucionários, em tradução livre), encontramos um Mandela completamente diferente, que é muito influenciado pela companhia que tem, pelos lugares para onde viaja e pelos livros que lê. Esse é o Mandela da era anticolonial, preocupado com questões de estratégia militar, que fazia anotações marginais sobre Mao e que debatia o sucesso da revolução cubana com seus companheiros.
O livro abrange o período, grosso modo, do massacre de Sharpeville, em 1960, até o julgamento de Rivonia, em 1963-1964. Ele marca um período crítico na história do movimento contra o apartheid, à medida que a repressão do Estado se intensifica e o espaço para a oposição política legal diminui. Ele conta a história de como Mandela, juntamente com outros ativistas do Congresso Nacional Africano (ANC) e do Partido Comunista Sul-Africano (SACP), procurou canalizar a raiva popular para a violência organizada contra o Estado do apartheid e, ao fazê-lo, talvez criasse as possibilidades para a revolução. Esse é um período de significativa turbulência pessoal e política na vida de Mandela. Ele passa do anticomunismo de seus dias na Liga Juvenil do ANC para se tornar um membro de alto escalão do Partido Comunista. Ele desafia os princípios de não-violência do então presidente do ANC, Albert Lutuli, passa por treinamento militar na Etiópia e busca ajuda da União Soviética e da China. O que se revela é a complexidade do pensamento de Mandela, sua insistência para que o marxismo respondesse às condições sul-africanas e suas astutas habilidades organizacionais.
Landau faz uma reconstrução cuidadosa, reunindo as leituras, os debates, os movimentos e as amizades de Mandela durante esse período. O trabalho é rico em detalhes, às vezes quase vertiginoso, mas fornece uma noção do que estava em jogo em um período em que a revolução parecia possível.
Leia a entrevista com Paul S. Landau na íntegra:
Chris Webb: Gostaria de começar perguntando sobre a foto da capa do seu livro. Tirada na Etiópia em 1962, vemos nela um Mandela jovem e barbudo ladeado por dois indivíduos, um deles vestindo uniforme de oficial militar. Você poderia fornecer um pouco do contexto dessa foto? Quem são os dois homens da foto e o que Mandela estava fazendo na Etiópia?
Paul S. Landau: A capa da edição dos EUA e da edição global mostra Mandela ao lado de Tadesse Biru e Fekadu Wondemu, dois membros da unidade de guarda especial do imperador etíope, chamada Fetno Derash. Tadesse era oficial superior e ambos haviam recebido treinamento militar especial em Israel. Seu filho, Musie Tadesse, trabalha em Washington, nos EUA, como gerente de portaria e recepcionista no saguão de um grande prédio residencial. Ele me mostrou a fotografia original. Esses homens estão com Mandela porque o treinaram por mais de três semanas em noções militares básicas, inclusive armamento, em 1962, e eles se tornaram amigos. Eles representam um polo da lógica revolucionária de Mandela, se assim podemos dizer. Eles faziam parte de um império africano sobrevivente dos séculos 18 e 19, que ressoava a herança e o poder africanos, com raízes no antigo Império de Axum.
A capa sul-africana é diferente e mostra Mandela em uma fotografia sem data e sem origem comprovada. Ela é do Marrocos, de janeiro, fevereiro ou março de 1962. Fiz algumas pesquisas na Argélia, mas a data só pode ser aproximada. Mandela está olhando para cima, vendo alguns papéis, com dois argelinos não identificados, provavelmente oficiais da Frente de Libertação Nacional (FLN) ou do Exército de Libertação Nacional (ala militar da FLN) da Argélia. Logo atrás do ombro esquerdo de Mandela está Jacques Vergés, o famoso advogado franco-tailandês que mais tarde defendeu Carlos “o Chacal”.
Seu livro faz um trabalho incrível ao situar o surgimento do MK [Umkhonto we Sizwe, “Lança da Nação” em zulu, braço militar do Congresso Nacional Africano] dentro das correntes mais amplas da luta anticolonial que caracterizaram o início da década de 1960. Você poderia descrever onde Mandela e seus companheiros buscaram inspiração naqueles primeiros dias?
Nas décadas de 1940 e 50, os membros mais experientes do ANC tinham conexões organizadas com líderes negros caribenhos e americanos – essas conexões foram rompidas pelo governo na década de 1960. Na virada para a resistência violenta organizada, Mandela estava seguindo o exemplo de Lênin, Mao, Che, Castro e, até certo ponto, do Irgun, a resistência extremista judaica contra os britânicos na Palestina. O exemplo imediato da Malásia, das Filipinas, de Cuba e, principalmente, da China chamou a atenção de Mandela enquanto leitor de escritos revolucionários. A influência da China veio por meio do treinamento dos primeiros líderes na China e do interesse de Mandela (e de Moses Kotane [do Partido Comunista] e Oliver Tambo [do Congresso Nacional Africano]) pela rebelião camponesa. Ao mesmo tempo, os combatentes antiapartheid do Congresso Pan-Africano (PAC) estavam atentos ao Congo e à ascensão de Patrice Lumumba e à liderança pan-africana de Gana. A questão é reconhecer que Mandela operou na confluência de entendimentos locais e práticas revolucionárias adotadas internacionalmente.
Muitos dos relatos históricos sobre o Umkhonto we Sizwe (MK) sugerem que ele foi uma criação do Partido Comunista Sul-Africano ou um resultado da retirada do ANC para a clandestinidade e da rejeição da não-violência. Pode nos dizer como seu livro complica essas leituras convencionais? De onde veio a decisão de se engajar na resistência violenta?
A mudança do movimento em direção à violência ocorreu em duas frentes. Em primeiro lugar, muitos jovens desejavam lutar contra o governo do apartheid para valer. Isso alimentou os casos de violência pública, e Mandela reconheceu os perigos da violência desorganizada. Sempre que ele, ou Walter Sisulu, percorriam o país em segredo, eles procuravam os jovens. Um impulso semelhante foi responsável pela formação inicial de unidades Poqo [braço militar do PAC) dentro e ao redor do Congresso Pan-Africano (PAC), o que também acelerou o pensamento de Mandela. A segunda frente surgiu de discussões iniciais entre homens presos em Joanesburgo e em outros lugares durante o início do “estado de emergência” declarado pelo primeiro-ministro da África do Sul, [Hendrik] Verwoerd, após os assassinatos de Sharpeville em 1960. Eles decidiram que não queriam mais limitar o ANC e o Partido Comunista à não violência. Suas discussões não continham detalhes, mas influenciaram a organização do Umkhonto we Sizwe (MK) de Mandela e seu papel no “Grupo de Ação” do ANC.
Mas um aspecto importante que o livro explora é como o Poqo, do Congresso Pan-Africano (PAC), e o MK (então ANC-MK, de 1962) se influenciaram e serviram de modelo um para o outro. Os historiadores trataram suas trajetórias como separadas e distintas, embora alguns de seus protagonistas se conhecessem e até trabalhassem uns com os outros e tivessem afiliações originais semelhantes. Portanto, eu diria que a absolutização de uma história muito particular e separada do ANC e do MK é o que eu gostaria de questionar.
Fiquei impressionado com o impacto transformador que essa virada para a violência teve sobre os envolvidos, mesmo que não tenha tido muito impacto material sobre a economia do apartheid. Como os atos de sabotagem eram entendidos no contexto mais amplo da luta? Eles eram vistos como um enfraquecimento da infraestrutura do apartheid ou como atos simbólicos que estimulariam uma resistência maior?
Essa é uma questão com a qual me debati. O significado de derrubar um poste foi confundido entre o representacional e o transformador (como uma ação), de maneiras imprevisíveis. Podia-se apontar o efeito, se eficaz, ou o barulho e a inconveniência momentânea como um sinal, se ineficaz. Essa bifurcação de padrões, em que duas ênfases podem se unir, garantiu que, para cada atraso ou ação não satisfatória, o sofrimento por meio do esforço em qualquer forma ainda fosse valorizado. Não é suficiente entender o MK como uma operação inteiramente estratégica com um alvo político fixo. Mandela entendeu que o Estado responderia de tal forma que somente a escalada para novas formas de caos seria possível. Ele compreendia bem a trajetória futura na qual as ações armadas iniciariam mais perturbações e na qual a vida civil comum seria prejudicada.
Mas o que estava sendo explorado na época era algo impensável (como acabou sendo) na África do Sul, uma simultânea ação urbana e rural usando armas, explosivos e franco-atiradores, levando ao estabelecimento de vários centros libertados simultâneos, inclusive em Johanesburgo, nos quais, sob uma Frente Unida, o MK ofereceria abrigo seguro aos combatentes. No entanto, essa frente se desfez sob forte pressão, assim que os preparativos foram iniciados, e se dividiu em diferentes linhas em diversas partes da África do Sul.
Gostaria de perguntar sobre como esse período de intensa atividade política moldou e reformulou o pensamento político de Mandela. Ele foi educado no programa radical da Liga Juvenil do ANC na década anterior, mas seu pensamento sobre o pan-africanismo, o comunismo e o não-racialismo passou por algumas mutações durante o período que você aborda no livro. Você poderia descrever essas mudanças e sua influência?
Mandela era um sujeito de alta estirpe, educado e cosmopolita, que surgiu como líder dentro do núcleo da Liga Juvenil do ANC em Joanesburgo. O princípio da liderança africana nas organizações africanas é algo que Mandela prezava. Desde suas primeiras experiências como advogado, Mandela tinha amigos brancos e buscava interações urbanas, não provinciais, com pessoas de todas as raças. Todos ao seu redor estavam se filiando ao ilegal Partido Comunista Sul-Africano (SACP) e, quando ele o fez, quase certamente em 1955, carregava consigo a reputação de ser o principal líder ativista do ANC. Ao mesmo tempo, Mandela e seus camaradas mais próximos procuraram pan-africanistas do mundo todo e trabalharam arduamente para conseguir uma frente unida com o Congresso Pan-Africano (PAC) – algo que não se concretizou.
Em 1962, depois de sete anos, Mandela apoiou o fim total da atividade do Partido Comunista como tal, em prol do MK e do ANC, de modo que, depois disso – sem muito sucesso, especialmente porque o partido estava sem obstáculos em Londres –, Moisés Kotane adotou uma política de “partido zero” para todos os campos do MK. Minha sugestão, no livro, é que esse rebaixamento do partido foi o prelúdio de um esforço renovado para iniciar uma Frente de Unidade Sul-Africana (SAUF) com outras organizações, incluindo os remanescentes do PAC na África do Sul e no exterior. A popularidade e a persistência do PAC-Poqo, como interlocutor do ANC-MK e alvo para a formação de uma coalizão de unidade funcional em 1962, é um argumento do livro.
Acho que muitas pessoas associam as Frentes Unidas à Frente Democrática Unida da década de 1980. Você poderia falar um pouco sobre essa ideia de uma Frente Unida Sul-Africana (SAUF) da década de 1960, de onde ela veio e por que fracassou nesse momento?
De um ponto de vista estrangeiro, deveria haver apenas uma organização liberacionista africana e suas subsidiárias em um único país. Kwame Nkrumah administrava um fundo especial para movimentos de libertação e mantinha fundos para a criação inicial da Frente Unida Sul-Africana (SAUF) no exterior, envolvendo o ANC, o PAC e uma organização da Namíbia, e sempre reunia representantes do ANC e do PAC. Uma unidade real também implicaria em cooperação interna. Um segundo centro ficava em Dar es Salaam, onde Julius Nyerere tinha uma visão mais flexível de ordem associativa ou comunitária. Mandela participou do Movimento Pan-Africano de Liberdade da África Oriental e Central (PAFMECA – um precursor da Organização da Unidade Africana) em Adis Abeba com O.R Tambo. Foi nesse momento, quando Mandela voltou do exterior em 1962, que vemos seu nacionalismo revolucionário, influenciado por Castro, por exemplo, mas também pelo anticolonialismo africano e negro mundial.
Por que uma frente unida possivelmente transformadora fracassou? Não temos muitas evidências reais para colocar uma pedra sobre isso. Eu sugeriria que os arquivos da CIA e os cabos do SIS (inteligência do MI6 britânico) fossem totalmente investigados, primeiro, porque a história completa de quem foi comprometido e quando, dentro das fileiras do PAC (e do ANC) não foi (em minha opinião) totalmente esclarecida. Mas, certamente, a captura de Mandela foi um verdadeiro golpe. E o uso de tortura e de celas de isolamento quebrou muitos membros do MK, justamente quando a unidade precisava de um impulso.
Mandela era membro do Partido Comunista, mas dificilmente era um marxista ortodoxo; ele não seguia a linha do partido de Moscou. Que tipo de comunista era Mandela e como seu marxismo foi influenciado pelas condições da África do Sul?
Para Mandela, a tensão permanente no pensamento comunista era esta: entre querer seguir o “povo” e querer, ou precisar, liderar o “povo” quando a violência se aproximava. Mandela estava interessado, do ponto de vista operacional, em cadeias de comando duráveis e resistentes a interrupções. Ele e um pequeno comitê estariam no comando, porque nenhum processo democrático legal era possível, em sua organização, devido à repressão do Estado. Mas acho que Mandela também era um comunista na medida em que defendia o reconhecimento de contradições que não poderiam ser resolvidas, exceto desafiando a produção e a distribuição em suas formas existentes. Portanto, o interesse nos vastos espaços do interior africano e do campo dos trabalhadores rurais como áreas de organização era real. Em segundo lugar, há uma conexão com as estruturas remanescentes de chefes tradicionais (mas transformadas), algumas das quais Mandela sabia muito bem que estavam do lado do ANC. Mas nada disso foi feito, e o lado urbano da liberação territorial foi baseado inteiramente no sigilo e clandestinidade.
Gostaria de perguntar sobre a influência do que você chama de “marxismo negro” no Partido Comunista Sul-Africano (SACP). Como figuras como JB Marks, Moses Kotane, Dan Tloome, Nelson Mandela e Walter Sisulu moldaram a orientação política e teórica do partido durante esse período?
Uma vertente do marxismo negro está na auto narrativa do movimento; a ideologia do antiapartheid está explicitamente ligada a um projeto de exposição da cumplicidade britânica e de outros mecanismos capitalistas na longa desapropriação da terra pelos africanos. Mas havia também a convergência entre os pensadores e ativistas negros globais, representada por grandes líderes e pensadores caribenhos e partidos comunistas, que é o marxismo negro, e Mandela se viu dentro dessas correntes.
Quanto à segunda parte da pergunta, no livro, dedico tempo a esboçar biografias de forma breve o suficiente para permitir que o leitor conheça muitos desses homens e mulheres, Sisulu, Marks, Moses Kotane, Dan Tloome e pessoas menos conhecidas que, de fato, foram muito importantes. Esses e dezenas de outros homens e mulheres aparecem no livro porque foram os companheiros de liderança e alguns estavam em posições intermediárias ao redor de Mandela, sem os quais nada teria acontecido. De modo mais geral, há no mercado editorial uma falta de tolerância com a citação de nomes de muitas pessoas negras que interagem entre si. Portanto, de certa forma, é em parte para restaurar a afiliação de Mandela a um projeto liberacionista negro com outros que uso o termo “marxista negro”.
Dito isso, ele percorreu um caminho estreito e teve que se esquivar muito para manter o foco na construção de uma força militar de vanguarda, seu plano; construir uma ampla coalizão entre o ANC e o PAC, buscando o anonimato às vezes e não em outras, cooperando, mesmo que com dúvidas, para apresentar uma frente unida (fosse a SAUF ou não) fora e potencialmente dentro da África do Sul.
A princípio, Mandela queria operar por meio de uma cadeia de comando duradoura, sem recorrer ao ANC, reorganizado com bases locais. Sua última ação ocorreu em julho de 1962, quando ele descredenciou o Partido Comunista após conversas com seus colegas (encontrei este documento) e foi falar com o chefe Albert Lutuli, presidente do ANC, sobre isso. Todo o ANC clandestino deveria fazer parte da atividade revolucionária imediata, da libertação dos negros e da classe.
Talvez não seja coincidência o fato de que tenha sido por volta dessa época que o agente local da CIA tenha denunciado Mandela aos policiais da Divisão Especial.
Sobre esse último ponto, fiquei surpreso ao ler sobre o papel que o MI6 desempenhou em Botsuana, essencialmente ajudando a organizar a passagem para que muitos revolucionários deixassem o país e fossem treinados no exterior, na China ou no bloco soviético. Ao mesmo tempo, Don Rickard, o homem da CIA em Durban, admitiu ter dado uma informação à polícia que levou à prisão de Mandela. Como podemos entender as funções complexas e, às vezes, aparentemente contraditórias, dos serviços de inteligência durante esse período?
Pérfida Albião [expressão que designa a Inglaterra de forma hostil, como o reino da hipocrisia], por um lado. Mas, por outro lado, no serviço colonial que restava nessa interseção havia muitas pessoas estranhamente simpáticas e interessantes. É impopular dizer isso, sem dúvida. Mas se você era devotado ao espírito da época e fazia parte do edifício imperial, e olhava para as declarações do Partido Trabalhista e via os símbolos da União sendo derrubados, e entendia que sua função era trabalhar para esse fim, bem… Mas, no final, os tempos estavam mudando e novas conexões estavam sendo feitas. Encontramos o modelo do Fetno Derash etíope e do Irgun israelense lado a lado com um foco maoista no MK, obtendo algum dinheiro soviético, mas com a inteligência de fronteira financiada pelo SIS britânico os auxiliando. Tudo estava em movimento.
Para a CIA, a situação era diferente. Eles podem ter tido uma visão mais restrita. Como você disse, Don Rickard, agente da CIA, disse que foi ele [que entregou Mandela], e depois disse à equipe de filmagem de John Irvin e a James Sanders: “Fui eu”, novamente. Também sei de alguém que disse a Rickard que Mandela estava na festa em que ele compareceu antes de ser preso, mas omiti esse nome porque nenhuma informação é infalível e não faz sentido transformar uma pessoa ou família em um alvo.
Gostaria de perguntar sobre o método. Você escreveu que muitos livros sobre Mandela e sobre esse período “adotam uma perspectiva de branquitude mundial”, na qual Mandela, Sisulu, Tambo e outros são figuras de proa, mas não são levados a sério como pensadores e estrategistas políticos. Que método o livro emprega para tentar resolver esse problema?
Ele se baseia predominantemente (mas não exclusivamente) nas lembranças, em entrevistas transcritas, editadas em livros ou (às vezes) em áudio bruto, com homens e mulheres negros envolvidos no MK de 1960 a 1963. Tive de lutar contra a disponibilidade de arquivos e fontes, porque a maioria dos líderes e companheiros brancos deixou memórias pessoais e confessionais reveladoras ou atraiu biógrafos admirados e, ao mesmo tempo, penetrantes. Mas há registros de áudio e transcrição, deixados por meus colegas, a quem agradeço (e dos quais obtive as permissões para usar), e eles não são de forma alguma responsáveis pelo que eu fizer de suas entrevistas ou pelos erros que eu cometer. Mas foi isso que me permitiu conhecer muitos dos protagonistas em torno de Mandela.
Mas há um certo discurso: imagina-se que os verdadeiros comunistas sejam os brancos, o que é e foi um erro. É verdade que não havia um membro do partido mais estável do que “Rusty” Bernstein, por exemplo, um sul-africano judeu nascido na Grã-Bretanha relativamente desconhecido, e não havia um líder mais crítico no MK do que Jack Hodgson, um ex-operador de máquinas que trabalhava à procura de fortuna na mineração da África Central. Mas Edwin Mofutsanyana, Yusuf Dadoo, Moses Kotane e outros romperam essa barreira. A partir de 1955, Duma Nokwe, Joe Matthews, Walter Sisulu e Nelson Mandela, entre outros membros africanos do ANC, também estavam dentro do SACP. A transição no partido foi que a velha guarda foi levada a aceitar a ação estratégica revolucionária, primeiro com a participação de Mandela na destituição de Alfred Xuma como presidente do ANC e, mais tarde, com a decisão de mudar de tática e usar a violência.