A melhor cena de Oppenheimer, de Christopher Nolan, ocorre no final do filme. O físico protagonista está conversando com Einstein, relembrando uma conversa anterior em que eles discutiram a possibilidade de uma bomba atômica incendiar a atmosfera da Terra. “Quando lhe apresentei aqueles cálculos”, reflete Oppenheimer (Cillian Murphy), “pensamos que poderíamos iniciar uma reação em cadeia que poderia destruir o mundo inteiro”. “E daí?”, pergunta Einstein, enquanto a chuva começa a cair. “Acredito que fizemos isso”, diz Oppenheimer. A sequência final do filme é surreal: uma rajada de mísseis nucleares voando através de um dossel de nuvens e atravessando o espaço enquanto Oppenheimer observa tudo da fuselagem de um avião militar e – a imagem final do filme – um tsunami de fogo se espalhando sobre a Terra. A lógica da proliferação nuclear transformada em apocalipse.
Assim termina o extenso filme biográfico de Nolan, com uma das tentativas mais bem-sucedidas de fundir a ciência misteriosa, e ainda mistificadora, do centro do Projeto Manhattan, com os temas políticos e biográficos do filme – tentativa mais bem-sucedida, certamente, do que a decisão de Nolan de dividir a narrativa em “Fusão” e “Fissão” para descrever, respectivamente, a criação do Laboratório de Los Alamos e a implosão da carreira de Oppenheimer após a guerra ou, ainda, a tentativa de incluir uma explicação da mecânica quântica nas subtramas românticas do filme (“Fale-me sobre a física quântica”, diz Emily Blunt, que interpreta a sofrida esposa de Oppenheimer, um pouco embriagada, apenas para ser atingida por um comentário com tema atômico sobre “energia” e a força da “atração”). Pelo menos a troca de reações em cadeia é pertinente à inovação da Experiência Trinity: a equipe de Oppenheimer voltou à pré-natureza e, ao fazê-lo, criou uma tecnologia que poderia não apenas quebrar a determinação do Japão, mas também obliterar a civilização humana. A doutrina da “destruição mútua assegurada” é tanto um fenômeno científico quanto político.
O fato de Oppenheimer não conseguir fazer justiça, seja lá o que isso signifique, aos eventos no Novo México e às suas consequências científicas e políticas é menos uma questão de quem ele enfoca e mais de de como ele o faz. Alguns críticos sugeriram que foi obsceno concentrar-se na experiência pessoal de Oppenheimer, uma vez que qualquer “consequência” política ou angústia pessoal sofrida pelo físico não foi nada comparada ao sofrimento das vítimas japonesas dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki e, especialmente, daqueles que tiveram a sorte de não morrer nas explosões iniciais. E o argumento é justo, em um aspecto. Mas a incorporação da ciência transformadora ao coração do poder, que ergueu as cortinas para a atual era do capitalismo tecnocientífico, é um tema que vale a pena explorar neste momento, principalmente porque os tecnocratas de golas rolês pretas estão atualmente passando por um “momento Oppenheimer”. Esse assunto tem tudo para ser um filme; mas Nolan, cujo dom para criar mundos é inversamente proporcional ao seu dom de fazer sentido, não tem certeza do que fazer com ele.
Pelo que posso dizer, os detalhes factuais de Oppenheimer são bastante sólidos. Baseado no livro American Prometheus (Prometeu Americano, em tradução livre), de Kai Bird e Martin J. Sherwin, ele traça o percurso do Laboratório de Los Alamos com detalhes incomuns – até mesmo supérfluos – e não faz nenhuma tentativa de tornar Oppenheimer mais egoísta ou mais inocente do que ele era na vida real. Há o habitual artifício nolanesco: a narrativa retrocede e avança no tempo, e o filme muda do preto e branco para o colorido de uma forma que pode ser necessária para ajudar os espectadores a distinguir as diferentes cronologias. Mas, como uma anatomia do Projeto Manhattan, da louca Teoria dos Jogos que o sucedeu e da animosidade e o anticomunismo que marginalizaram Oppenheimer após a guerra, o filme é mais do que útil. Para quem não sabia nada sobre o Projeto Manhattan ou sobre o gênio que o presidiu, Oppenheimer pode ser uma excelente introdução.
Essa fidelidade aos fatos históricos, no entanto, também é, em certo sentido, o problema do filme, já que Nolan deve lidar com o “significado” da bomba por meio de quaisquer detalhes operacionais e emocionais que possam ser obtidos a partir do material biográfico. Isso significa que a questão, muito mais interessante, do que Oppenheimer representava, como um acadêmico em um campo abstrato subitamente empurrado para o negócio (não abstrato) de vencer uma guerra contra a Alemanha nazista e seus aliados, fica em grande parte perdida sob aspectos relativamente triviais da narrativa. Sim, Oppenheimer era um homem complexo: um cientista e um patriota, um personagem egoísta e de espírito público, brilhante e ingênuo. E sim, essa complexidade deve fazer parte dessa história, na qual uma burocracia militar se apoderou da física teórica e a levou para além do domínio teórico. Mas um filme sobre o “pai da bomba atômica” não pode se focar, como faz Nolan, na credencial de segurança do físico teórico sem prejudicar o tema em questão – sendo esse tema a própria violência, aos seres humanos e à natureza que eles habitam. Afinal de contas, estamos falando aqui da bomba: não de uma bomba, mas da Bomba A, e de uma ruptura radical em nossa compreensão do que é possível e permitido. Esse é o conteúdo do prometeísmo de Oppenheimer e o que conecta sua história ao nosso tempo. Se tal coisa pode ser dramatizada, certamente não foi neste filme, e minha sensação é de que ele pode até mesmo aumentar o monte de entulho de normalização do qual o tema precisa ser escavado.
Paradoxalmente, talvez, esse sentimento seja mais forte quando o filme retrata o Teste da Trinity em si. É famoso o fato de que muitas das pessoas envolvidas no teste recorreram à linguagem religiosa para descrever a experiência; o próprio Oppenheimer afirmaria mais tarde ter se lembrado dos versos da escritura hindu: “agora me tornei a Morte, a destruidora de mundos”. No momento, eles não conseguiram descrever o fenômeno e abriram um espaço para reflexão sobre sua indescritibilidade: o fato de não podermos “processar” o que aconteceu na Trinity, ou o que aconteceu um mês depois no Japão, faz parte do que aconteceu na Experiência Trinity. Mas como dramatizar isso em uma mídia cinematográfica, especialmente considerando que a “nuvem em forma de cogumelo” já se tornou um clichê visual? No mínimo, seria desejável ver algum tipo de dispositivo cinematográfico “alienante”, como quando David Lynch nos leva para dentro da explosão na Parte 8 da terceira temporada de Twin Peaks ou quando Stanley Kubrick coloca uma montagem de explosões ao som de “We’ll Meet Again” no final de Dr. Fantástico. Mas Nolan opta pelo fogo e pelo barulho, em uma cena que é notável somente pela sua banalidade: não a fissão nuclear, nem a fusão nuclear, mas o frisson nuclear. Um seguro para os perigos cinematográficos.
Mais uma vez, não é o fato de Nolan evitar a carnificina e o massacre que me preocupa. Há muitos filmes e programas de TV, desde When the Wind Blows, de Jimmy Murakami, até a brilhante série da HBO, Chernobyl, que se esforçam para mostrar os efeitos que as tecnologias nucleares tiveram, ou ainda podem ter, sobre os seres humanos. O que me preocupa é que Oppenheimer, longe de nos tirar de nosso sono, é incapaz de compreender a natureza radical do que aconteceu no deserto do Novo México ou de conectar o que aconteceu lá ao nosso atual momento tecnocientífico. Depois de assistir ao filme com meus filhos, dos quais o mais novo tem a mesma idade (treze anos) que eu tinha quando assisti ao filme Threads, da BBC TV – uma descrição aterrorizante de como uma guerra nuclear poderia começar e o que poderia acontecer depois dela –, fiquei imaginando o tipo de efeito que o filme teve sobre eles, intelectual e emocionalmente. Uma amostra não científica, é claro, e talvez um experimento totalmente injusto, dado o caráter mais protocolar da obra cinematográfica de Nolan. Mesmo assim, fiquei alarmado ao descobrir que o efeito foi bastante limitado.
“Então, qual foi a mensagem?”, meu filho (mais velho) me perguntou ao sairmos do cinema, e eu murmurei algo professoral sobre os filmes nem sempre serem passíveis desse tipo de interpretação direta. Mas acho que ele estava certo em fazer a pergunta e em parecer um pouco perplexo. Assim como eu, ele ficou comovido com a cena final, mas tudo parecia uma reflexão tardia. Certamente, nenhum de nós tinha a sensação de que Oppenheimer poderia dar início ao tipo de ação em cadeia necessária nessa conjuntura tão tensa.
(*) Richard King é escritor e autor de “Here Be Monsters: Is Technology Reducing Our Humanity?“(Monash University Publishing), publicado em 2023.
(*) Tradução de Pedro Marin