Este aumento da insegurança manifesta-se fundamentalmente em dois aspectos: por um lado, a crise prisional que o país está sofrendo, um fator que, no atual cenário, atuou como um gatilho após a fuga de Adolfo Macías, vulgo “Fito”, líder da gangue Los Choneros, de uma prisão em Guayaquil. Esta fuga, que não é a primeira, mostra a fragilidade de um sistema penitenciário que apresenta números alarmantes de presos assassinados dentro das prisões equatorianas, que chegaram à casa dos 400 mortos entre 2021 e 2022.
Por outro lado, o aumento da criminalidade e das atividades relacionadas ao narcotráfico tem tido uma presença exponencial no país em um curtíssimo espaço de tempo, intensificando a violência nas cidades litorâneas do país e infiltrando-se no convívio social equatoriano, com destaque especial em Guayaquil, cidade litorânea onde coexistem mais de uma dezena de quadrilhas criminosas ligadas às atividades do narcotráfico.
A chave para compreender as causas desta crise de segurança é o papel crescente do Equador como exportador de cocaína para os Estados Unidos e a Europa. Historicamente, o país não era um produtor ou exportador de cocaína; no entanto, as cadeias logísticas do tráfico de droga foram alteradas, transformando o Equador em uma “rodovia” para a exportação de toneladas de cocaína.
Este fator coincide com a gestão política dos governos de Lenín Moreno (2017-2021) e Guillermo Lasso (2021-2023), que, em uma tentativa de reduzir a dimensão do Estado equatoriano, criaram um vazio de poder nas regiões costeiras do país, onde o Estado tem pouco espaço para agir. A América Latina sabe bem que, quando o Estado é fraco e ineficaz, este vazio de poder é rapidamente preenchido pelos traficantes de drogas.
É aí que reside a disputa de poder que está em jogo nestas semanas e que pode colocar o Estado equatoriano em risco existencial. Dada a dimensão desta crise, os partidos políticos da oposição, incluindo o Correísmo, apoiaram firmemente o decreto aprovado pelo presidente Daniel Noboa, no qual elaborou um plano de ação que reconhece a existência de um conflito armado interno, declara o estado de emergência, mobiliza as Forças Armadas e identifica uma série de grupos de crime organizado como “organizações terroristas e atores não-estatais beligerantes”.
A aprovação deste decreto gerou uma resposta dos grupos criminosos sob a forma de uma invasão armada a um órgão de comunicação na cidade de Guayaquil, ou através de tiroteios, explosões e saques nas principais cidades do país. Com o novo decreto, estes grupos armados tornaram-se alvos militares, e resta saber até que ponto as Forças Armadas e a polícia equatorianas serão capazes de reprimir esta enorme onda de violência e reduzir ao máximo a capacidade de ação dos narcotraficantes.
O Estado equatoriano é política e militarmente unido, e um elemento que pode funcionar a seu favor é a falta de coesão interna dos seus beligerantes, uma vez que o confronto e a animosidade entre gangues tem sido uma caraterística constante do desenvolvimento da atividade do narcotráfico no país. Mas é precisamente essa fragmentação que pode ser outro dos pontos vitais para a consolidação do conflito. Sabe-se que no Equador operam inúmeras organizações criminosas – 22 foram identificadas no decreto – e que muitas delas têm um sistema de financiamento e formação externos, principalmente a partir do México, o que dificulta a identificação e a localização dos líderes desses bandos.
Outra das dificuldades que o Estado equatoriano pode enfrentar é a possível violação dos direitos humanos e o número de mortes que podem ocorrer se as operações forem interrompidas. Além disso, a crise prisional do país torna impossível conceber as prisões como um local onde as penas podem ser cumpridas, o que levanta mais uma vez a questão da extradição, um procedimento que foi rejeitado pelo povo equatoriano num referendo em fevereiro de 2023.
Em suma, esta crise será um teste relevante para as organizações de integração e cooperação regional que, historicamente, têm sido capazes de responder a crises internas, incluindo no Equador, mas que estão atualmente passando por um processo de reestruturação. Assim, nas próximas semanas, veremos se organizações como a OEA (Organização dos Estados Americanos), a UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) – recentemente revitalizada –, a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) ou a Comunidade Andina serão capazes de intervir conjuntamente, ou se a ajuda internacional virá das relações bilaterais. No caso de se conseguir uma resposta enérgica e bem sucedida, que envolva a cooperação regional sobre um tema tão sensível e que afeta toda a região como é o narcotráfico, esta crise poderia gerar uma dinamização destes processos de integração que beneficiaria claramente a região na abordagem dos desafios que a América Latina enfrenta neste contexto de crise da ordem internacional.
Se prevê que este conflito possa também intensificar o processo de militarização que a região está sofrendo, com Forças Armadas que são extraordinariamente valorizadas pelos cidadãos e consideradas a única instituição capaz de garantir a ordem e a segurança nos diferentes países. Esta militarização da vida pública coloca em risco as próprias democracias e pode aumentar as tendências autoritárias de alguns líderes latino-americanos. No entanto, no Equador, o que está em causa agora é o próprio Estado e, sem ele, não há espaço para a democracia.
(*) Álvaro García-Mayoral é politólogo formado pela Universidade Autônoma de Madrid e mestre em Teoria Política.
(*) Tradução de Raul Chiliani