A RDC produz a maior parte do cobalto (70%) e do coltan (60%), essenciais para alimentar os nossos dispositivos eletrônicos. O país é o quarto maior produtor de cobre, que “é central na captação, armazenamento e transporte de eletricidade”, bem como o quarto maior produtor de diamantes e possui reservas substanciais de ouro, lítio, tungstênio e manganês. Também ocupa o primeiro lugar na África em termos de potencial hidroelétrico, 100.000 MW, ou 13% do potencial hidroelétrico do mundo.
Entretanto, a RDC fica apenas com uma pequena parte do valor total dos seus produtos. Em 2022, o país tinha um PIB de 64,7 bilhões de dólares, com pelo menos 4,3 bilhões de dólares em fluxos financeiros ilícitos. O setor global de tecnologia gerou cerca de 5 trilhões de dólares em receita em 2022. A Apple, a Alphabet e a Samsung, apenas três das dezenas de multinacionais que não poderiam existir sem os minerais da RDC, lucraram 156,7 bilhões de dólares – mais do que o dobro do PIB oficial da RDC. Apesar do fato de que, sem o Congo, a sua mão de obra e os seus recursos, não existiriam carros elétricos – com o preço médio de um VE (veículo elétrico) nos Estados Unidos em 2022 a 61.448 dólares – os mineiros na RDC podem ganhar pouco menos de 3.000 dólares por ano. Alguns trabalham por muito menos, ou estão presos em formas de escravidão moderna.[1]
O berço da riqueza da RDC está localizado nas províncias do leste: Ituri, Kivu do Norte, Kivu do Sul e Taganyika. Nesta região, mais de 120 grupos armados – incluindo o grupo rebelde M23 (apoiado pela Ruanda), as Forças Democráticas Aliadas e a CODECO – têm lançado ofensivas contra o Estado, grupos armados independentes e alinhados ao governo e diferentes coalizões de nações do leste e do sul da África.
Esta luta regional é sobretudo sobre quem serão os interlocutores entre a riqueza da RDC e o mundo. A luta internacional pela nação africana é, da mesma forma, sobre quem definirá os termos da extração de recursos. A RDC tornou-se um campo de batalha para as elites locais e regionais monopolizarem os degraus inferiores das cadeias de valor globais, além de sujeitar o país às implicações geopolíticas da busca por lucros por parte dos cartéis internacionais de minérios e dos gigantes trilionários da tecnologia eletrônica e da informação.
A RDC e a nova guerra fria
Na RDC, as empresas chinesas controlam 70% da exploração de minérios, enquanto o restante é detido por empresas ocidentais: Glencore, Barrick Gold, Ivanhoe Mines e também a Trafigura, de Cingapura. Estas empresas intermediam o processo através do qual as matérias-primas se transformam em bens acabados – baterias de íon-lítio, barras de ouro, fios de cobre, condensadores térmicos para telefones, etc. – utilizados pelos gigantes ocidentais do mercado consumidor e por um punhado de concorrentes do Sul Global.
A posição chinesa na RDC tornou-se uma ameaça para o bloco imperialista, como afirmou o deputado John James, presidente da Subcomissão dos Negócios Estrangeiros da Câmara dos Representantes para África:
“Garantir o acesso fiável e consistente dos EUA a cadeias de fornecimento de minerais essenciais com origem na RDC é essencial para reforçar a nossa segurança nacional.”
Na medida que a China desenvolveu as suas próprias indústrias, a ansiedade dos EUA em relação à posição dominante da China no setor de mineração aumentou, levantando a possibilidade de acesso preferencial a concorrentes estratégicos chineses em setores-chave para minerais críticos ou peças feitas por eles. A China tem renegociado acordos de exploração de minérios e prometido maiores valores para infra-estrutura, com base no trabalho já existente de construção de estradas, hospitais e portos. As duas nações também iniciaram negociações sobre o processamento de mais minerais dentro do país. A China também forneceu apoio militar à RDC na batalha contra o M23. E a crescente presença de atores regionais como a Turquia e a Rússia em vários setores da economia congolesa exerce uma pressão adicional sobre os interesses dos EUA.
Os Estados Unidos investiram dinheiro na tentativa de desenvolver cadeias de suprimento de produção de baterias em um esforço conjunto com a RDC e a Zâmbia. Também estão financiando, junto com a União Europeia, uma ferrovia de 555 milhões de dólares que liga a Angola ao coração da região mineira da RDC, além de estarem fazendo raras críticas a Ruanda, um aliado próximo, pelo seu papel no apoio ao M23.
Ambos os lados estão falando tanto de uma aspiração popular para o alívio da pobreza quanto de uma situação melhor para as elites da RDC, ambas ligadas à “segurança” no leste.
A política de pilhagem
A mesa principal do mundo político é povoada pelos homens mais ricos do país. Um dos dois principais líderes da oposição, Moise Katumbi, tem uma fortuna de dezenas de milhões. O outro, Martin Fayulu, foi executivo da Exxon Mobil. O mais recente ex-presidente, Joseph Kabila, tem um extenso portfólio de negócios e o atual presidente Félix Tshisekedi tem os seus próprios laços com os magnatas da RDC.
As elites da RDC enfrentam poderosas correntes subterrâneas em torno de questões econômicas e de segurança. Cidades do Leste como Goma e Beni, por exemplo, têm sido palco de inúmeros protestos, apesar do “estado de emergência” que funciona como uma forma de lei marcial. Em dias de grandes protestos, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas, associando a guerra e a “balcanização” do leste da RDC por potências regionais à pilhagem de recursos.
De fato, os países mais envolvidos em várias intervenções militares na RDC são beneficiários da sua reserva de recursos. Do ouro produzido na RDC, 90% é contrabandeado através de Ruanda e Uganda. Pelo menos 50% das exportações de minérios de Ruanda – sua segunda maior receita de exportação – têm origem na RDC, incluindo 90% das exportações de coltan.
A RDC é o terceiro maior transportador de mercadorias no porto de Mombaça, no Quênia – posição que seria mais destacada se considerarmos as mercadorias falsas provenientes de Uganda, Ruanda e Burundi. A Tanzânia está empenhada no “mais ambicioso” projeto ferroviário da África, a fim de se beneficiar do envio de mercadorias da RDC.
O segundo maior banco da RDC é propriedade do gigante bancário queniano Equity Bank. O principal rival do Equity Bank, o KCB Group, é proprietário de outro grande banco da RDC, e o maior banco de varejo da Tanzânia formou uma parceria com os países escandinavos para entrar no mercado.
Olhando para o futuro
Apesar da disputa acirrada em torno das eleições de dezembro de 2023 na RDC, os principais candidatos apresentaram no geral uma proposta semelhante: acabar com o conflito armado por meio de ofensivas contra os maiores grupos armados e incorporar o restante às estruturas de segurança do Estado, juntamente com a atenuação parcial da pobreza por meio de uma maior captura dos rendimentos dos recursos naturais.
Dadas as semelhanças de retórica com o atual governo, o futuro imediato provavelmente também será semelhante. O atual governo respondeu à pressão popular por um maior desenvolvimento financiado pela riqueza gerada pela extração de recursos. Para isso, tem procurado resolver algumas das desigualdades mais gritantes dos vários contratos de mineração que dominam o cenário da extração, obtendo compromissos de financiamento de infraestrutura e acordos que permitirão que mais receita tributária flua para o governo da RDC.
O governo ajudou a financiar projetos como o Programa de Desenvolvimento Local dos 145 Territórios de Tshekedi (PDL-145T), que é um fundo de 1,6 bilhões de dólares distribuídos em três anos, para construir escolas, instalações de saúde, prédios administrativos locais, estradas, etc. A agricultura em larga escala também está emergindo como um novo setor.
Sem dúvida, estas iniciativas são importantes em alguns lugares, mas o fato de o Programa Alimentar Mundial classificar a situação da RDC como “a maior emergência de fome do mundo” e de o desemprego ser atualmente de 80% mostra como as várias iniciativas de desenvolvimento são limitadas.
As alianças regionais e internacionais provavelmente permanecerão em um equilíbrio instável.. Ruanda, Angola, Burundi e Uganda são os países com a participação militar mais direta, sendo que os três últimos têm uma parceria mais forte com o governo da RDC. A Ruanda, porém, vê a classe política da RDC como uma ameaça ao seu controle dos fluxos de recursos e como apoiadora (incluindo militarmente) dos seus oponentes políticos. Isto deu origem a uma estratégia de guerra por procuração permanente, cuja encarnação atual é o M23, o que torna provável o agravamento das tensões entre Ruanda e a RDC.
Globalmente, o “interesse” chinês é o mais compatível com iniciativas de desenvolvimento em qualquer escala significativa. Romper o monopólio da alta tecnologia e a dependência econômica dos mercados dos EUA e da UE é uma pré-condição para atingir seu objetivo de construir uma sociedade moderadamente próspera até 2050. Para tal, são necessárias relações comerciais sólidas com a RDC o que, por consequência, requer uma maior receptividade aos termos congoleses. A plena exploração dessa tendência só surgirá na medida em que as pessoas que estiverem negociando representarem a maioria que vive na pobreza.
O descontentamento popular levou o Dr. Denis Mukwege, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, à disputa presidencial, representando o desejo de muitos de ter um defensor dos pobres e deslocados. Candidato independente e sem partido, sua candidatura representa o movimento dos pobres, trabalhadores e camponeses como um todo, avançando com energia, mas ainda buscando sua base organizacional.
O futuro da República Democrática do Congo é, sem dúvida, difícil no curto prazo, mas o surgimento de maior força e organização na luta contra o neocolonialismo oferece esperança para o longo prazo.
(*) Tradução de Raul Chiliani