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Mercados de carbono: tendenciosos, deturpados e debilitados

Os mecanismos de mercado não podem parar a destruição climática: após mais de uma década, há poucas evidências de redução de emissões pelos mercados de carbono
Jomo Kwame Sundaram
IPS
Uma central termoelétrica. (Foto: rawpixel)

Os impostos, preços e mercados de emissões de dióxido de carbono têm sido enaltecidos como a chave para deter o aquecimento global. Mas é preciso dizer que os mercados de carbono falharam fundamentalmente em atingir esse objetivo porque favorecem os ricos e poderosos.

As soluções de mercado são melhores?

Os economistas ortodoxos acreditam que a melhor maneira de conter o aquecimento global é tributando as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Como consequência dessa opinião, foram definidos “preços de carbono” equivalentes aos gases de efeito estufa. Mas muitos destes preços foram revistos devido à sua natureza variada, instável, discutível e possivelmente incomparável.

A premissa subjacente desse modelo é a de que os altos preços de carbono impostos às emissões de gases de efeito estufa convencerão os emissores a escolherem fontes de energia “mais limpas” e que preços mais altos de bens e serviços com uso intensivo de energia farão com que os consumidores comprem alternativas com uso menos intensivo de energia.

Os preços positivos de carbono tributam os combustíveis fósseis, as emissões de gases de efeito estufa e os bens e serviços produzidos de acordo com sua intensidade energética. Portanto, quando os preços do carbono caem, a eficácia de seu efeito de desincentivo sobre o uso de combustíveis fósseis é reduzida.

Os países desenvolvidos criaram esquemas de “comércio de carbono” para, supostamente, deter as emissões de gases de efeito estufa. As empresas que desejam emitir mais do que as cotas que lhes foram alocadas devem comprar licenças de emissão de outras empresas, que concordam em emitir abaixo da cota.

Os preços de carbono estão corretos?

Os economistas convencionais acreditam que os preços do carbono devem cobrir os “custos sociais” das emissões de gases de efeito estufa, mas discordam sobre como calculá-los. Os formuladores políticos acreditam que é necessário estabelecer descontos nesses preços para obter uma ampla aceitação dos mercados de carbono. 

Um relatório recente do Fundo Monetário Internacional reconheceu que “as diferenças entre os preços eficientes e os preços de varejo dos combustíveis são enormes e generalizadas”. Essas distorções prejudicam o próprio objetivo da precificação do carbono.

Em 2022, a Gro Intelligence estimou o custo social das emissões de carbono em 4,08 dólares por tonelada métrica, um valor usado pelo influente Barômetro de Carbono Gro-Kepos. Mas a Resources for the Future estimou esse custo em 185 dólares por tonelada, um valor mais de quarenta vezes maior!

Embora os preços do carbono sejam projetados para taxar os combustíveis fósseis, os preços baixos reduzem seu efeito dissuasivo. Os subsídios aos combustíveis fósseis reduzem os preços do carbono, que podem até se tornar negativos, e enfraquecem os efeitos esperados nos mercados nos quais o carbono é comercializado.

Quando os preços do carbono são descontados ou deliberadamente mantidos baixos, eles são muito menos eficazes na dissuasão das emissões de gases de efeito estufa, introduzindo distorções no sistema de preços e causando uma infinidade de outros efeitos indesejáveis que são difíceis de prever.

Em um artigo publicado no The New York Times, Peter Coy apontou que o preço do carbono aumentou de menos de 4 dólares para quase 20 dólares por tonelada métrica entre 2012 e 2020, antes de cair drasticamente de novo para cerca de 4 dólares por tonelada em 2022!

Por incrível que pareça, Coy concluiu que os preços do carbono “estavam na direção certa” desde 2012. Ainda não se sabe até que ponto os baixos e voláteis preços do carbono desestimularão o uso de combustíveis fósseis e acelerarão o investimento em energias renováveis.

Subsídios ocidentais aos combustíveis fósseis

Os preços do carbono dispararam quando os preços dos combustíveis fósseis subiram após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, mas logo despencaram quando os governos europeus entraram em cena para subsidiar os preços da energia.

Como observou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE_ das nações ricas, “o apoio dos governos aos combustíveis fósseis quase dobrou em 2022”, chegando a mais de 1,4 trilhão de dólares! Os subsídios estatais aumentam com os preços dos combustíveis fósseis quando os governos tentam mitigar o aumento dos preços dos combustíveis. Assim, esses subsídios anulam o objetivo dos preços de carbono, e podem reduzi-los a ponto de se tornarem negativos!

Esses subsídios foram considerados necessários para manter o apoio público ao esforço de guerra da OTAN na Ucrânia e para reduzir os preços de exportação dos combustíveis fósseis russos. Essas intervenções “geopolíticas” prejudicaram as taxações, os preços e os mercados de carbono.

Os preços do carbono caíram drasticamente em todo o mundo, de 18,97 dólares para 4,08 dólares por tonelada entre 2021 e 2022. 

Nesse último ano, nove dos 26 países incluídos no Barômetro de Carbono da Gro-Kepos tiveram preços negativos e apenas seis, excluindo os EUA, estavam acima de 25 dólares. 

Desde então, os preços do petróleo e do gás natural caíram em relação aos seus picos de 2022 e os subsídios ao consumidor caíram na mesma proporção. Portanto, os preços de carbono para emissões de gases de efeito estufa se recuperaram. Esses subsídios e a volatilidade dos preços não ajudam as empresas a planejar e investir em seus padrões de uso de energia, o que é fundamental para acelerar as necessárias “transições de carbono”.

Não é de surpreender que, depois de mais de uma década de operação desses mercados de carbono, existam poucas evidências de que eles tenham efetivamente reduzido as emissões de gases de efeito estufa, nem é surpreendente que isso não tenha sido feito de forma suficiente para evitar uma catástrofe climática. Está claro que não podemos contar com esses mercados para reduzi-las suficientemente.

China, de acordo com o mercado

É significativo que após a implementação do sistema de comércio de emissões na China em 2021, seu preço de carbono subiu para um nível mais alto do que o dos Estados Unidos em 2022. Como sua renda per capita é muito menor do que a do Ocidente, o preço mais alto do carbono na China é provavelmente o mais importante desestímulo ao uso de combustíveis fósseis.

A China é hoje o maior emissor de carbono do mundo, portanto, seu preço de 19 dólares por tonelada em 2022 aumentou significativamente a média ponderada internacional. Enquanto, graças aos subsídios concedidos, a média ponderada de todos os outros países foi negativa: 4,50 de dólares por tonelada em 2022!

Apesar da retórica exagerada dos países ricos, exigindo preços de carbono e mercados de carbono em todo o mundo, seu próprio compromisso com essa abordagem problemática para mitigar as emissões de gases de efeito estufa tem sido muito mais fraco do que o da China!

IPS A Inter Press Service é uma agência de notícias internacional, fundada em 1964 com o propósito de fornecer notícias sobre o Terceiro Mundo aos veículos de imprensa do Primeiro Mundo e dos próprios países subdesenvolvidos

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