“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.” Este conto de apenas sete palavras, considerado o mais curto da literatura universal, é do hondurenho Augusto Monterosso (1921-2003), premiado escritor. Como toda literatura de ficção, o conto é polissêmico, mas adquire especial significação no contexto latino-americano, cuja história é marcada por inúmeras ditaduras militares e civis. E se aplica perfeitamente ao Brasil, que nunca impediu que o dinossauro se fizesse presente.
Logo após sair da prisão, em 1973, em conversa com Ênio Silveira, editor da Civilização Brasileira que publicou meu primeiro livro, “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), opinei que a ditadura ainda haveria de durar ao menos dez anos. Ênio me recriminou o pessimismo, tinha esperança de que ela não resistiria mais cinco anos. E durou mais onze anos.
O dinossauro, entretanto, não foi abatido. Ao contrário de países como a Argentina, o Chile e o Uruguai, nos quais assassinos e torturadores foram severamente punidos – o que separou, nas Forças Armadas, o joio do trigo –, em nosso país o dinossauro continuou a ser alimentado por uma Justiça inócua. Aprovou-se uma lei esdrúxula, a “anistia recíproca”, em nome de uma suposta pacificação do país. Ora, como anistiar quem sequer foi denunciado, investigado, julgado e punido? Assim, assassinos e torturadores, autores de crimes hediondos cometidos sob o manto do Estado, permaneceram impunes. O dinossauro ainda estava aqui…
Foi essa impunidade – mãe de todos os crimes – que permitiu a eleição de Bolsonaro em 2018. O caldo de cultura do golpe militar de 1964 permaneceu aquecido nas academias militares. Os torturadores, exaltados como heróis. Enquanto os que lutaram pela redemocratização, considerados terroristas…
O dinossauro permanece alerta. E quando acordamos para um novo período democrático, com a terceira eleição de Lula a presidente, em 2022, as patas do dinossauro se moveram da porta dos quartéis para depredar os prédios dos três poderes da República, em Brasília.
Agora, investigações da Polícia Federal e a delação do tenente-coronel Mauro Cid comprovam que a trama golpista era muito mais profunda. Seria deflagrada com o assassinato de Lula, do vice-presidente Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes. E lembro que ainda não conhecemos o teor da delação de Mauro Cid.
Pela primeira vez o dinossauro é intimidado. Foram indiciados 25 oficiais das Forças Armadas, entre os quais Bolsonaro, que pretendiam derrocar o Estado Democrático de Direito. Militares que juraram, em suas formaturas, defender a Pátria e a Constituição e, no entanto, conspiraram para praticar atos terroristas e subverter a ordem democrática.
Agora resta à Justiça levar adiante os processos disciplinares, suspender o soldo, os proventos e todas as regalias dos indiciados, extinguir o Batalhão de Forças Especiais (Kids pretos) e obrigá-los a ressarcir os danos causados aos cofres públicos pelas mobilizações neofascistas que promoveram. E puni-los com o rigor da lei.
Caso a Justiça e o Congresso sejam lenientes, quando acordarmos o dinossauro ainda estará aos nossos pés, pronto para transformar o Brasil em Pátria armada, sob intensa salva de tiros.
(*) Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Livraria virtual: freibetto.org