O revisionismo histórico anticomunista e a russofobia nos países bálticos estão profundamente conectados tanto ao passado soviético quanto às ideologias e políticas externas alinhadas à OTAN e ao Ocidente geopolítico. A russofobia, entendida como preconceito ou hostilidade sistemática, como discutido por Gutorov et al. (2023), permeia o discurso político contemporâneo, exacerbada por eventos históricos e conflitos passados. O termo também é empregado para descrever uma aversão ou desconfiança em relação à política externa da Rússia e às suas ações no cenário internacional, frequentemente atribuídas a supostas intenções “nefastas”.
Com base em matérias de importantes veículos de comunicação bálticos e russos, esta análise aborda como a russofobia e o revisionismo histórico anticomunista influenciam diversas esferas da vida social e política na região, moldando ideologias governamentais e exacerbando tensões regionais. Este artigo visa avaliar como esses fenômenos moldam a geopolítica dos países bálticos, alinhando suas políticas externas aos interesses ocidentais e perpetuando o antagonismo com a Rússia.
Breve contexto histórico sobre o processo de formação dos países bálticos
A colonização da atual Estônia e Letônia pelos Cavaleiros Teutônicos no século 8 alterou profundamente as sociedades locais, inserindo-as na esfera cultural europeia sob domínio alemão. Como destacado por Auers em “Comparative Politics and Government of the Baltic States” (2015), os bálticos alemães, descendentes desses cavaleiros, mantiveram o controle sobre Estônia e Letônia por 700 anos, formando a classe dominante da região. A Lituânia, em contraste, resistiu à colonização até o final do século XIV, quando se uniu à Polônia e adotou o catolicismo, desenvolvendo uma trajetória distinta no Grão-Ducado da Lituânia, onde os poloneses compunham a elite política e econômica na Comunidade Polaco-Lituana.
No século 16, a Livônia, que compreendia partes da atual Estônia e Letônia, foi dissolvida, com seus territórios divididos entre Suécia, Polônia-Lituânia e Dinamarca. No século 18, a Grande Guerra do Norte (1700–1721) transferiu o controle das terras da Estônia e Letônia da Suécia para o Império Russo, enquanto a Lituânia foi incorporada ao Império Russo após as partições da Polônia (1772–1795). Na região, a Rússia Imperial estabeleceu administrações relativamente autônomas, preservando algumas tradições locais e o poder da nobreza alemã-báltica, que manteve certa autonomia. A Lituânia, em particular, servia como zona de amortecimento entre o Império Russo e a Alemanha.
Para neutralizar a influência alemã na elite báltica e a possibilidade de anexação desses territórios, o Império Russo adotou políticas de russificação, promovendo o ensino da língua russa e incentivando as culturas, línguas e associações locais. Ao final do século 19, estonianos e letões haviam avançado o suficiente para não dependerem mais da assimilação pela elite báltico-alemã.
Na Letônia, surgiram organizações nacionalistas, inspiradas também pelas ideias do Iluminismo europeu, focadas na promoção da cultura, língua e literatura letãs. Na Estônia, o movimento nacionalista se dividiu entre os “ocidentalistas”, que viam a cultura estoniana como ligada à Europa Ocidental pela influência báltico-alemã, e os “patriotas de São Petersburgo”, que rejeitavam essa conexão, tratando os bálticos alemães como opressores.
O “despertar nacional” estimulou o avanço socioeconômico e cultural da região, com a emancipação dos camponeses estonianos e letões no início do século 19, 45 anos antes da abolição da servidão no restante do Império Russo. Isso acelerou o desenvolvimento econômico e fortaleceu o nacionalismo emergente. A Lituânia só começaria seu processo nacionalista por volta de 1880.
Ao final do século 19, a industrialização e as mudanças sociais impulsionaram a formação de partidos e círculos políticos nos países bálticos, refletindo as transformações no Império Russo. Nesse contexto, surgiram o Partido Social Democrata da Lituânia (LSDP) em 1896, o Partido Social Democrata dos Trabalhadores da Letônia (LSDSP) em 1904 e a Associação dos Trabalhadores Social-Democratas da Estônia (ESDTU) em 1905. Os sociais-democratas bálticos defendiam uma união báltica autônoma dentro do Império, enquanto os sociais-democratas russos buscavam a união dos trabalhadores de todas as nacionalidades para derrubar o regime czarista.
Contexto histórico do século 20
Com o colapso do Império Russo e a instabilidade pós-guerra, os países bálticos tornaram-se campos de batalha entre bolcheviques, o exército branco, nacionalistas locais e forças alemãs. O Tratado de Brest-Litovsk (1918) consolidou a ocupação alemã na região, mas, após a derrota na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha continuou influenciando o Báltico por meio da Baltische Landeswehr, uma força militar composta por bálticos alemães e voluntários do Reich, que buscava combater os bolcheviques e manter o domínio alemão.
Com o apoio dos Freikorps alemães, a Lituânia assegurou sua independência pelo Tratado de Paz Soviético-Lituano, em1920. Estônia e Letônia, após guerras de independência contra bolcheviques e báltico-alemães, garantiram sua soberania pelos Tratados de Tartu e Riga, ambos em 1920. A instabilidade política dos anos 1920 resultou em regimes autoritários: Antanas Smetona tomou o poder na Lituânia após um golpe em 1926, enquanto Estônia e Letônia seguiram pelo mesmo caminho em 1934, após breves períodos democráticos.
Em 1939, a Alemanha Nazista emitiu um ultimato à Lituânia, exigindo a devolução do Território de Memel, o que intensificou as tensões na Europa. O Pacto Molotov-Ribbentrop, também de 1939, colocou os países bálticos na esfera soviética, com Moscou utilizando esse pacto para ganhar tempo antes da já esperada invasão alemã. Nesse contexto, a Lituânia assinou o Tratado de Assistência Mútua com a União Soviética, permitindo a instalação de bases militares soviéticas em troca da devolução de Vilnius, antes sob controle polonês.
Com a queda de Paris para a Alemanha em 1940, a União Soviética pressionou o governo lituano a aceitar novas tropas e a formação de um governo popular, o que foi aceito, tendo iniciado a revolução socialista nos países bálticos, apoiada por parte da população local. Em 1941, com a Operação Barbarossa, a Alemanha Nazista invadiu a União Soviética e ocupou os países bálticos até 1944. Durante a ocupação nazista, muitos estonianos e letões saudaram os alemães como “libertadores”, resultando em movimentos colaboracionistas. Na Letônia, surgiram grupos ultranacionalistas e antissemitas, como a Frente Ativista Lituana, que buscavam se livrar da influência soviética com o apoio alemão.
Entre 1941 e 1944, o extermínio de até 95% da população judaica da Lituânia foi promovido, com participação significativa das milícias locais (Bubnys & Kuodytė, 2005; Shapiro, Kessner & Walden, 2010). Este período foi o mais devastador em termos de perda de vidas na história da Lituânia, como apontado em “The Vanished World of Lithuanian Jews” (Nikžentaitis, Schreiner & Staliūnas, 2004), com colaboracionistas lituanos desempenhando papel relevante nos crimes ao lado dos nazistas.
Em março de 1949, a Operação Priboi iniciou a deportação de cidadãos bálticos para a Sibéria, visando neutralizar colaboracionistas que, após a guerra, ainda buscavam a independência da União Soviética. Esse evento, junto à glorificação de colaboracionistas nazistas, foi reinterpretado nas décadas seguintes como parte de uma luta pela “independência” dos países bálticos, ignorando o papel crucial dessas forças nas atrocidades nazistas. Esse revisionismo histórico sustenta uma narrativa anticomunista que legitima o atual alinhamento geopolítico dos países bálticos com o Ocidente.
O ressurgimento do nacionalismo báltico nos anos 1980 culminou na restauração da independência em 1991, durante a dissolução da União Soviética. As elites bálticas têm promovido uma narrativa revisionista que equipara nazismo e comunismo, conforme discutido em “The Role of Political Elites in the Development of Politics of Memory in the Baltic States” (V. Smirnov, 2015). Essa narrativa ignora o apoio popular aos governos socialistas nos bálticos e reescreve a história para justificar uma política externa pró-Ocidente. Smirnov (2020) destaca que, após 1991, as elites optaram por uma orientação política voltada ao Ocidente, baseada na ideia de “Back to the West”, reciclando o anticomunismo e o colaboracionismo nazista em uma política externa anti-Rússia alinhada aos interesses ocidentais.
A geopolítica atual e eventos recentes
Os países bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia – mantêm estreitas relações com a OTAN e a União Europeia (UE) desde a dissolução da União Soviética nos anos 1990, buscando rápida integração nas estruturas ocidentais de segurança e economia. A adesão à OTAN, em 2004, garantiu-lhes não apenas defesa coletiva, mas também uma subordinação à estratégia militar dos EUA e da aliança, aproximando-se das fronteiras da Rússia e aumentando as tensões regionais.
A entrada na União Europeia trouxe benefícios econômicos, como o acesso a mercados amplos e fundos de desenvolvimento, que modernizaram infraestruturas e economias. Entretanto, essa integração também aprofundou a dependência econômica dessas nações em relação aos recursos europeus, levantando questões sobre como essa dependência influencia suas agendas geopolíticas, frequentemente alinhadas aos interesses ocidentais. A disseminação dos valores europeus fortaleceu a identidade ocidental da região.
A vinculação com a OTAN e a UE também moldou as políticas de memória e identidades nacionais dos países bálticos. Críticas ao período soviético e a exaltação da resistência ao comunismo tornaram-se centrais nessas narrativas, refletidas na remoção de monumentos soviéticos e na revisão de currículos escolares. Este processo visa promover uma visão histórica que condena exclusivamente a era soviética, como descrito por Auers em Comparative Politics and Government of the Baltic States (2015).
O anticomunismo tornou-se parte integral da identidade política e cultural da região, celebrando figuras e eventos que simbolizam a resistência à “ocupação soviética”. A Rússia, por sua vez, critica essas políticas como tentativas de reescrever a história, marginalizando as populações de origem russa, e vê a expansão da OTAN como uma ameaça direta à sua segurança. Esse contínuo alinhamento dos países bálticos com o Ocidente perpetua tensões com a Rússia, posicionando a região como possível epicentro de conflitos futuros.
O revisionismo histórico anti-soviético e a russofobia são frequentemente utilizados como ferramentas geopolíticas para reforçar a identidade nacional dos países bálticos e justificar seu alinhamento com o Ocidente. Como argumentado por L. N. Zhilina em Systemic Nationalism (2022), tais narrativas desempenham um papel crucial na manutenção da unidade política e no fortalecimento de identidades nacionais anti-russas.
Este estudo, embora limitado por seu recorte temporal, oferece uma amostra das dinâmicas em curso na região, sem buscar esgotar o tema. O uso de justificativas históricas do século XX e anteriores continua a sustentar o revisionismo e a russofobia. Para uma análise detalhada, este artigo organiza os eventos recentes em áreas como cultura, educação, história, segurança e defesa, permitindo uma compreensão mais clara de como essas políticas são implementadas pelos governos da região.
História
A “política de desovietização” nos países bálticos é uma das principais fontes atuais de tensão, refletindo o esforço das elites locais em reinterpretar o passado soviético e consolidar novas identidades nacionais. Essa política se manifesta na remoção de monumentos soviéticos, exumação de soldados do Exército Vermelho e renomeação de ruas com referências a figuras literárias russas. Tais ações frequentemente geram controvérsia interna e diplomática com a Rússia.
Um exemplo significativo ocorreu em 2007, quando o monumento aos soldados soviéticos que libertaram a capital da Estônia, Tallinn, dos nazistas, foi transferido do centro da capital para o Cemitério Militar. Esse evento provocou distúrbios em massa, expondo profundas divisões sobre a memória histórica. Em janeiro de 2024, a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, afirmou que o monumento não seria desmantelado, reconhecendo que sua remoção poderia gerar novas tensões sociais.
Já em fevereiro de 2024, as autoridades estonianas anunciaram planos para reenterrar 38 sepulturas de soldados soviéticos e demolir suas lápides, sob o pretexto de renovação urbana. Essa ação foi amplamente criticada, especialmente pela Embaixada da Rússia, que classificou a medida como vandalismo, intensificando as tensões diplomáticas. Outro exemplo ocorreu na ilha estoniana de Saaremaa, onde 90 lápides de soldados do Exército Vermelho foram substituídas por um único pilar memorial após a exumação dos restos mortais.
Na Letônia, em fevereiro de 2024, o comitê da Câmara Municipal de Riga apoiou a renomeação de ruas que homenageavam poetas russos, como Pushkin e Lermontov, provocando protestos na capital. Paralelamente, o prefeito de Ogre, Egils Helmanis, celebrou publicamente figuras colaboracionistas ligadas à Waffen SS, como Karlis Lobe e Anton Mortukans, exacerbando a polarização em torno da memória histórica.
Na Lituânia, a destruição de monumentos soviéticos continua a ser um tema polêmico. Em janeiro de 2024, as autoridades de Vilnius decidiram demolir o memorial soviético no cemitério de Antakalnis, onde estão enterrados mais de 3 mil soldados do Exército Vermelho que libertaram a cidade dos nazistas. Em março de 2024, o partido da União Nacional pediu a demolição da escultura soviética “Portadores da Bandeira” em Ukmerge, enquanto defendia a preservação de um monumento a Juozas Krištaponis, colaborador nazista considerado por eles um “defensor da liberdade” lituana.
A política de memória na Lituânia também tem atraído críticas internacionais. Em 2023, o embaixador dos EUA na Lituânia, Robert Gilchrist, sugeriu a remoção de homenagens a colaboradores nazistas durante um evento sobre a memória do Holocausto, refletindo preocupações já levantadas no relatório “2023 Country Reports on Human Rights Practices: Lithuania”. A narrativa histórica na região, exemplificada por eventos como procissões nacionalistas e celebrações da “restauração do Estado lituano”, continua a ser usada para moldar identidades nacionais e influenciar relações internacionais.
Cultura
Nos países bálticos, a russofobia se manifesta de forma significativa no âmbito cultural, onde políticas rigorosas são implementadas para limitar a influência russa, justificadas por preocupações de segurança nacional e alinhamento com as políticas ocidentais. Entre dezembro de 2023 e março de 2024, diversas medidas foram adotadas para conter essa influência, incluindo a proibição de competições esportivas com atletas da Rússia e Bielorrússia, restrições à transmissão de programas esportivos russos e o cancelamento de eventos artísticos vinculados a esses países, sob o argumento de riscos à segurança nacional.
Essa intersecção entre cultura e política é evidente, com os governos bálticos tratando certos artistas como “ameaças à segurança nacional”, o que levanta debates sobre censura cultural e liberdade de expressão. O objetivo explícito dessas medidas é minar o “soft power” russo na região. Um exemplo ocorreu em 8 de fevereiro de 2024, quando as autoridades estonianas impediram a cantora russa Klava Koki de realizar um concerto, alegando que a artista não havia condenado publicamente a Operação Militar Especial da Rússia. A exigência de que artistas russos façam declarações políticas contra o governo de seu país como condição para se apresentarem em nações bálticas é vista por muitos como uma forma de coerção política.
Em 4 de março de 2024, o vice-prefeito de Tallinn afirmou que até mesmo programas esportivos russos, supostamente “apolíticos”, são uma forma inaceitável de influência e, por isso, devem ser restringidos. A Estônia propôs multas para estabelecimentos que transmitissem canais de televisão russos, controlando o acesso ao conteúdo no país.
Na Letônia, em 1 de fevereiro de 2024, foi aprovada uma lei que proíbe equipes esportivas de competirem contra times da Rússia e Bielorrússia, mesmo sob bandeira neutra, e impede a realização de torneios que incluam atletas desses países, como um gesto de solidariedade com a Ucrânia. No início de março, um homem foi detido no país por conectar residentes a canais de televisão russos proibidos, podendo enfrentar até três anos de prisão.
Na Lituânia, a arte também é tratada como uma possível ameaça à segurança. Em dezembro de 2023, a Comissão de Cultura do Seimas propôs a criação de um comitê especial para avaliar essas ameaças, sugerindo a proibição de concertos de artistas que se apresentaram na Crimeia ou em regiões russas, prevendo sanções para os organizadores desses eventos.
Em fevereiro, o Parlamento lituano solicitou ao presidente que retirasse a cidadania da bailarina Ilze Liepa por seu suposto “apoio à Rússia”. Liepa respondeu afirmando que valores como “pátria, dignidade e honestidade” são mais importantes que a livre circulação pela Europa.
A criação do comitê de fiscalização de artistas em dezembro de 2023 levou ao cancelamento, em 27 de fevereiro, de um show da cantora americana LP na Lituânia, em função de uma postagem em que ela aparecia com um presente de fãs russos. Essas ações integram um esforço coordenado dos países bálticos para restringir a influência cultural russa e bielorrussa, dentro de uma estratégia mais ampla de desovietização, solidariedade à Ucrânia e reafirmação de identidades nacionais em oposição à Rússia.
Educação
O sistema educacional é outro campo em que as tentativas de eliminar a influência russa se manifestam. Nesse processo, a língua e a cultura russas estão sendo progressivamente excluídas das escolas e currículos. Os governos bálticos têm implementado políticas que reduzem o ensino do russo como segunda língua estrangeira, substituindo-o por idiomas da União Europeia, como o inglês e o alemão, com o objetivo de enfraquecer a influência cultural russa e promover a unificação educacional com os padrões europeus.
Em 16 de janeiro de 2024, a primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, anunciou o fim do financiamento para escolas que ensinam em russo, reforçando a posição do estoniano como a “língua oficial do país”. Essa medida afeta diretamente a comunidade de língua russa, que constitui uma parte significativa da população.
Na Lituânia, o Ministro da Educação, Gintautas Jakstas, anunciou em 23 de janeiro que a redução do ensino de russo nas escolas se deve ao “declínio da popularidade do idioma”, e previu que, dentro de uma década, o russo será oferecido como segunda língua estrangeira apenas em poucas escolas. Contudo, foi informado em 31 de janeiro que as escolas russas continuarão operando devido à falta de alternativas educacionais nas áreas em que estão localizadas, atendendo cerca de 14 mil estudantes.
A formação de novos professores de russo foi interrompida, parte do esforço de unificar o sistema educacional em torno das línguas da União Europeia. Essas mudanças levantam preocupações sobre o futuro da educação em russo e o impacto nas comunidades russófonas, que dependem desse ensino. As políticas refletem uma tentativa dos países bálticos de reduzir a influência russa e integrar-se mais profundamente à União Europeia, mas também intensificam as tensões com as minorias étnicas. Isso gera debates sobre os direitos linguísticos e culturais dessas comunidades, ressaltando o impacto potencial dessas políticas na coesão social da região.
Religião
A religião, assim como a educação, tornou-se um campo de batalha na luta contra a influência russa nos países bálticos, com as autoridades adotando medidas rigorosas contra a Igreja Ortodoxa Russa, vista como uma questão de “segurança nacional”. No período analisado, houve expulsões de membros da Igreja Ortodoxa Russa e a legalização de exarcados paralelos, em uma tentativa de reduzir a influência do Patriarcado de Moscou e criar estruturas religiosas alinhadas aos interesses nacionais dos países em que tais medidas foram perseguidas.
Em 18 de janeiro de 2024, o ministro do Interior da Estônia, Lauri Läänemets, informou ao Metropolita Eugene Rešetnikov que a Igreja Ortodoxa Russa não poderia se manter alheia à política, justificando a recusa em prorrogar sua autorização de residência com base em acusações de apoio à operação militar russa na Ucrânia. A decisão gerou forte reação do Conselho de Igrejas da Estônia, que considerou a medida parte de um esforço mais amplo para marginalizar a Igreja Ortodoxa Russa. Apesar dos apelos do clero e dos paroquianos, Eugene foi obrigado a deixar o país em 6 de fevereiro.
Ao mesmo tempo, em janeiro, o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla solicitou ao Ministério da Justiça da Lituânia o reconhecimento legal do Exarcado de Constantinopla, o que enfraquece a posição da Igreja Ortodoxa Russa no país e reflete um realinhamento religioso com o Ocidente. Em 7 de fevereiro, logo após a expulsão do Metropolita Eugene da Estônia, o Ministério da Justiça da Lituânia reconheceu oficialmente o Exarcado de Constantinopla.
Essas ações indicam um esforço coordenado dos países bálticos para marginalizar a Igreja Ortodoxa Russa, enquanto fortalecem instituições religiosas alinhadas com suas políticas de segurança. A ortodoxia é a segunda maior religião na Lituânia e tem posição significativa na Estônia e Letônia, tornando essas medidas especialmente impactantes. O movimento se assemelha ao ocorrido em 2018, quando o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla concedeu autocefalia à Igreja Ortodoxa da Ucrânia, exacerbando as tensões com o Patriarcado de Moscou. Tais iniciativas não só intensificam as tensões com a Rússia, mas também criam divisões religiosas dentro das populações locais, refletindo um esforço deliberado para redefinir a autoridade religiosa e cultural em consonância com o Ocidente.
Segurança
A russofobia nos países bálticos se reflete em rigorosas políticas de segurança e vigilância que visam limitar a influência russa na região, impactando cidadãos de origem russa e bielorrussa. Essas medidas incluem processos judiciais, sanções, deportações e prisões, afetando desde jornalistas e acadêmicos até aposentados e cidadãos comuns, com a “segurança” sendo amplamente usada como motivo para abranger desde questões de privacidade até o direito à moradia.
Em janeiro de 2024, Vyacheslav Morozov, professor da Universidade de Tartu, foi preso pela Polícia de Segurança da Estônia acusado de espionagem, exemplificando que a crescente vigilância e desconfiança também atinge as instituições acadêmicas. Declarações de grandes políticos ilustram o ambiente de extrema vigilância e de divisões internas. Em 21 de fevereiro, a primeira-ministra Kaja Kallas expressou preocupação sobre os russos idosos da Estônia, sugerindo que poderiam querer restaurar um “sentimento de domínio” no país.
Na Letônia, as políticas de segurança tornaram-se ainda mais rígidas com a deportação de 1.167 russos sob o pretexto de segurança nacional, principalmente idosos, e a fiscalização rigorosa de correspondências enviadas para a Rússia e Bielorrússia, sob a alegação de violações das sanções da União Europeia, uma medida que contradiz o princípio constitucional da privacidade. Também no início do ano, a jornalista Alla Berezovskaya foi julgada no caso conhecido como “o caso dos 14 jornalistas”, acusada de violar sanções da UE.
Casos como o de Boris Katkov, de 82 anos, líder da Associação de Cooperação Letão-Russa, deportado sem direito a contestação, evidenciam a severidade dessas políticas. Além disso, idosos que não conseguem passar nos testes de língua letã enfrentam a possibilidade de perda de cidadania e benefícios sociais. A historiadora Svetlana Vidyakina, presidente da Sociedade Pushkin da Letônia, também foi notificada sobre sua deportação por não cumprir o teste de idioma. Em janeiro, o Tribunal Constitucional da Letônia considerou constitucional a retirada em massa das autorizações de residência de russos. Em fevereiro, o país prorrogou a proibição de entrada de russos até março de 2025, com poucas exceções.
Na Lituânia, cidadãos russos e bielorrussos residentes também foram considerados uma “ameaça à segurança nacional”, com o Seimas apoiando a extensão das sanções por mais um ano. Em fevereiro de 2024, mais de 400 cidadãos russos foram classificados como ameaças à segurança, e as autoridades começaram a verificar bielorrussos que entraram no país antes de 2022, baseando-se em questionários que investigavam suas opiniões políticas. Além disso, a Lituânia proibiu militares e funcionários públicos de viajarem para Rússia, Bielorrússia e China, e exigiu que veículos com placas russas fossem regularizados ou removidos até março de 2024. Essas políticas de segurança demonstram como o conceito de “segurança nacional” é instrumentalizado para justificar ações severas contra minorias étnicas, levantando preocupações sobre direitos humanos e exacerbando as tensões na região.
Sanções
Além das preocupações de segurança, os países bálticos têm intensificado o uso de sanções econômicas como ferramenta estratégica para combater a influência russa. Essas sanções visam setores-chave, como energia, tecnologia e finanças, buscando enfraquecer a economia russa e reduzir sua presença comercial na região. Entre dezembro de 2023 e março de 2024, foram implementadas várias medidas, incluindo o bloqueio de sites e produtos de origem russa, a proibição de exportações e o boicote a grandes marcas internacionais que mantêm relações comerciais com a Rússia.
Embora o objetivo principal das sanções seja enfraquecer a Rússia, elas também afetam as economias locais dos países bálticos, que ainda dependem de alguns produtos e serviços russos. Justificadas como parte do cumprimento das diretrizes da União Europeia, essas medidas buscam alinhar as políticas internas desses países aos interesses estratégicos do Ocidente, reforçando a integração com a UE e a OTAN.
Em dezembro de 2023, o Conselho Nacional de Mídia Eletrônica da Letônia bloqueou todos os sites associados ao Yandex, companhia de internet que conta com buscador, marketplaces, serviço de email e navegador, como parte de uma estratégia mais ampla para reduzir a influência comercial russa na região. No início de fevereiro de 2024, a fabricante de cerveja lituana Švyturys-Utenos pediu desculpas por ainda comercializar produtos com rótulos em russo e comprometeu-se a cobri-los com adesivos em lituano.
No final de fevereiro de 2024, o diretor do Centro Internacional de Estudos de Defesa da Estônia declarou que as sanções visavam “devolver a Rússia aos anos 90”, criando uma situação em que o país ficaria incapaz de financiar tanto suas Forças Armadas quanto seus pensionistas. Em 7 de março, o Ministério da Defesa da Estônia anunciou a recusa em vender produtos de empresas como PepsiCo, Mars e Nestlé, que estavam na lista de sanções ucranianas, afirmando que o governo estoniano “não apoiará a economia e o exército russo”.
A postura agressiva dos países bálticos foi reforçada em 15 de março, quando o presidente da Letônia declarou: “A Rússia deve ser destruída”, em referência à famosa frase latina sobre Cartago. As sanções, justificadas pela necessidade de “cumprir as determinações da União Europeia”, visam não apenas enfraquecer a economia russa, mas também influenciar o clima político interno nos países bálticos, promovendo um rompimento cultural e econômico com a esfera russa.
Política de Defesa
Além das sanções econômicas, os países bálticos têm implementado estratégias defensivas robustas para reforçar sua segurança, fortemente moldadas por suas alianças com a OTAN. O aumento da presença militar da aliança e o fortalecimento das defesas na região são vistos como respostas diretas à Rússia.
Durante o período analisado, houve um significativo investimento em infraestrutura de defesa, incluindo a produção doméstica de munições e drones de ataque, visando melhorar a autossuficiência militar e a prontidão operacional. Os países bálticos também começaram a reforçar as fronteiras com a Rússia e Bielorrússia, criando uma “linha de defesa” composta por bunkers, campos minados e valas inundadas, mencionada pela primeira vez na Cúpula da OTAN em Madrid, em junho de 2022.
Exercícios militares com a OTAN e outros países membros também foram realizados, com o objetivo de aprimorar a capacidade de resposta coletiva na região. A cooperação em tais exercícios reflete o compromisso dos países bálticos em manter uma posição estratégica de defesa conjunta com seus aliados ocidentais. Além do fortalecimento de suas defesas internas, Estônia, Letônia e Lituânia têm ativamente apoiado a Ucrânia, enviando recursos e reforçando alianças globais para se contrapor à Rússia em um cenário geopolítico mais amplo. Esses países se veem como parte da “linha de frente” no conflito geopolítico entre o Ocidente e a Rússia, intensificando suas estratégias defensivas e colaborando estreitamente com aliados internacionais.
Estônia: expansão da capacidade militar e integração com a OTAN
Em agosto de 2023, o Ministério da Defesa da Estônia anunciou planos para iniciar a produção nacional de munições em um prazo de três a cinco anos, com o objetivo de aumentar a autossuficiência militar e reforçar o papel do país dentro da OTAN. Em janeiro do ano seguinte, o país divulgou a construção de 600 bunkers ao longo da fronteira com a Rússia, como parte de uma estratégia coordenada com os demais países bálticos. Cada nação é responsável por um componente específico da linha de defesa regional, e os bunkers estonianos foram projetados para acomodar esquadrões da OTAN, podendo ser adaptados como quartéis-generais, depósitos de munições ou até mesmo reposicionados conforme necessário.
Em fevereiro de 2024, a Estônia enviou um pacote de ajuda de 80 milhões de euros para a Ucrânia, composto por mísseis antitanque Javelin, metralhadoras, munições e outros equipamentos, reforçando as capacidades ucranianas no combate tático. Além disso, o país sediou os exercícios militares da OTAN no “Acampamento de Inverno”, onde tropas de aliados como Reino Unido e França treinaram operações em condições de inverno rigoroso.
A então primeira-ministra Kaja Kallas, durante a Conferência de Segurança de Munique em fevereiro de 2024, destacou o papel da Estônia como parte vital da “linha de frente” do conflito entre o Ocidente e a Rússia. Kallas pediu que os Estados Unidos não se afastassem das questões europeias, enfatizando o custo potencial de um distanciamento americano. Nesse mesmo período, os Estados Unidos transferiram 500 mil dólares em ativos russos confiscados para a Estônia, destinados à restauração do sistema energético da Ucrânia.
O reconhecimento da Estônia como um baluarte da defesa ocidental ficou evidente quando, em março de 2024, o embaixador norte-americano, George P. Kent, reconheceu publicamente o país como “líder ideológico da Aliança” em um artigo publicado no site da embaixada. No entanto, os esforços estonianos para expandir suas capacidades defensivas também geraram debates internos. Em março de 2024, parlamentares discutiram a criação de um novo imposto para financiar o aumento do orçamento de defesa, o que suscitou debates sobre quem deve arcar com os custos – as elites ou a sociedade como um todo.
Outro desafio interno foi a equiparação de soldados reservistas aos regulares, permitindo sua participação em missões da OTAN. Esse movimento evidenciou problemas linguísticos dentro das Forças Armadas, especialmente no leste do país, onde a predominância do idioma russo exigiu a redistribuição de soldados em diferentes unidades.
Essas medidas refletem a intensificação dos esforços da Estônia para fortalecer sua estrutura de segurança nacional em resposta às crescentes tensões regionais, ao mesmo tempo que aumenta seu papel dentro da OTAN. No entanto, esses esforços enfrentam desafios domésticos, como o financiamento das operações e a coesão interna dentro das Forças Armadas, revelando as complexidades de manter uma postura defensiva robusta enquanto lida com questões internas de governança.
Letônia: expansão militar e desafios econômicos
Em novembro de 2023, a Letônia anunciou sua participação em um concurso da União Europeia para cofinanciamento da indústria de defesa, com o objetivo de produzir munições em parceria com as empresas Nexter e Namo. Em janeiro, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Krišjānis Kariņš, declarou que o país planejava destinar 2,4% do PIB para a Defesa em 2024, com a meta de aumentar essa porcentagem para 3% até 2027. Ainda em janeiro, debates surgiram no parlamento sobre a possível saída da Letônia da Convenção de Ottawa, que proíbe o uso de minas antipessoais, como uma maneira de permitir a implantação dessas armas na fronteira com a Rússia. Embora a proposta tenha sido rejeitada pelo comandante do Exército, Leonīds Kalniņš, ela ilustra as crescentes tensões na região.
O plano de defesa das fronteiras da Letônia, apresentado em janeiro de 2024, inclui a construção de fortificações, obstáculos e campos minados ao longo das fronteiras orientais. O ministro da Defesa, Andris Spruds, reconheceu que o custo elevado do projeto significa que sua implementação durará até a próxima década. Para aumentar o contingente da OTAN na região, o ministro dos Negócios Estrangeiros sugeriu em fevereiro de 2024 que outros países membros da aliança adotassem o serviço militar obrigatório, seguindo o exemplo da Letônia.
No final de fevereiro de 2024, foi anunciado que a Letônia assumiria a missão de policiamento aéreo da OTAN nos países bálticos até novembro, enquanto a base aérea da Estônia passa por reformas. Em março, o Ministério do Desenvolvimento Regional propôs inundar partes da região de Latgale, uma tática para dificultar o avanço de tropas inimigas em caso de invasão, sublinhando a gravidade com que o país encara a “ameaça russa”.
O governo letão também anunciou um investimento de 330 milhões de euros ao longo de cinco anos na construção de sua linha de defesa, que incluirá fortalezas, campos minados e outras medidas estratégicas. No entanto, os custos dessas fortificações e abrigos antiaéreos nas regiões orientais podem ultrapassar 1 bilhão de euros, valor equivalente ao orçamento total de defesa do país para 2024. Com isso, a Letônia depende significativamente de financiamento externo da União Europeia e avalia a possível introdução de um imposto de defesa para sustentar sua expansão militar.
Essas iniciativas refletem a postura cada vez mais assertiva da Letônia em resposta às tensões regionais, ao mesmo tempo que expõem os desafios econômicos do país para sustentar suas ambições militares. Embora a Letônia demonstre um forte compromisso em expandir sua capacidade defensiva, a dependência de apoio externo e as limitações orçamentárias impõem obstáculos significativos para a concretização de seus planos estratégicos.
Lituânia: modernização militar e parcerias estratégicas
Em janeiro de 2024, a Lituânia deu passos para reforçar a defesa, começando com uma proposta parlamentar voltada para a produção de drones de combate, dada a incapacidade da indústria local de produzir equipamentos militares pesados. No mesmo mês, a Lituânia e a Polônia anunciaram exercícios militares conjuntos no corredor de Suwalki, uma área estratégica entre os dois países, que aconteceu em abril. Além disso, a Lituânia confirmou a compra de tanques Leopard 2 da Alemanha, com planos de formar uma nova divisão militar até 2030.
Como parte da “grande linha de defesa do Báltico”, a Lituânia propôs a instalação de blocos de concreto armado, ouriços e minas antitanque nas suas fronteiras, complementando os bunkers já planejados. Simultaneamente, a empresa alemã Rheinmetall demonstrou interesse em construir uma fábrica de munições na Lituânia, em parceria com o Ministério da Economia.
O orçamento de defesa da Lituânia para 2024 foi fixado em 2 bilhões de euros, o que representa 2,75% do PIB, com 232 milhões de euros destinados à ajuda militar para a Ucrânia. Em janeiro de 2024, a presidente do parlamento, Victoria Cmilyte-Nielsen, sugeriu a possibilidade do governo pedir empréstimos diretamente à população para aumentar ainda mais o orçamento de Defesa. No mesmo período, o então ministro das Relações Exteriores declarou que o país enfrenta um “inimigo poderoso” e precisa de todo o apoio ocidental disponível.
No final de fevereiro, a Lituânia tomou medidas para fortalecer suas fronteiras, fechando dois postos de controle com a Bielorrússia, mantendo apenas dois pontos abertos. Em alinhamento com o apoio ocidental, o chefe do Ministério das Relações Exteriores elogiou a proposta do presidente francês Emmanuel Macron de enviar tropas à Ucrânia, sublinhando a importância de uma liderança política em tempos de crise.
Para aumentar seu contingente militar, o parlamento lituano discutiu a inscrição imediata de jovens no exército após o ensino médio, com um serviço militar obrigatório de nove meses, seguido de benefícios universitários. Em março de 2024, a primeira-ministra Ingrida Šimonytė propôs que a Polônia incorporasse em sua legislação a obrigação de fornecer assistência militar à Lituânia, destacando a importância de harmonizar as obrigações internacionais com as legislações nacionais.
As iniciativas da Lituânia mostram um esforço proativo para fortalecer sua política de Defesa, com investimentos em tecnologias militares e um aumento expressivo no orçamento destinado à defesa. Isso consolida sua posição no flanco oriental da OTAN e demonstra seu compromisso com o aumento de suas capacidades militares. O país está direcionando recursos para a produção de drones de combate, adquirindo tanques Leopard 2 e avançando na construção de suas fortificações ao longo das fronteiras.
A análise das recentes políticas de defesa da Estônia, Letônia e Lituânia revela um alinhamento estratégico claro entre os países bálticos, motivado pelas crescentes tensões regionais e pela proximidade com a Rússia e Bielorrússia. Embora essas iniciativas fortaleçam suas defesas e consolidem suas posições dentro da OTAN, elas também podem intensificar as tensões com Moscou, criando novos desafios para a estabilidade regional. Cada país, dentro de suas capacidades, está investindo em modernização militar, fortificação de fronteiras e fortalecimento de sua presença na OTAN. Além das infraestruturas militares e estratégias defensivas, esses países também buscam apoio financeiro e político ocidental para sustentar seus esforços de segurança a longo prazo, o que revela a sua dependência pelos recursos europeus para o fortalecimento defensivo da região.
Conclusão
Este artigo analisou eventos significativos ocorridos entre dezembro de 2023 e março de 2024 nos países bálticos — Letônia, Estônia e Lituânia. A análise focou no papel central que o revisionismo histórico anticomunista e a russofobia desempenham na formação das políticas internas e externas dessas nações, influenciando decisões legislativas e suas alianças estratégicas com o Ocidente. Tais fenômenos estão profundamente enraizados nas experiências históricas dos países bálticos com a União Soviética, a dissolução da URSS e a subsequente integração com a OTAN e a União Europeia. A forma como as elites desses países reinterpretam a história, especialmente em relação à colaboração com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, reflete o desejo de alinhar suas identidades nacionais com os valores ocidentais e afastar a influência russa.
Conforme discutido, a russofobia nos países bálticos vai além de um preconceito cultural, manifestando-se por meio de políticas que reescrevem a memória histórica e impactam diretamente as populações russófonas. A remoção de monumentos soviéticos, a renomeação de ruas e a proibição de eventos culturais e esportivos relacionados à Rússia são exemplos de como a memória histórica é manipulada para reforçar identidades nacionais excludentes. Essas políticas podem não apenas alienar as comunidades russas e bielorrussas, mas também comprometer a coesão social, gerando divisões internas significativas.
As políticas de segurança e defesa, marcadas pelo aumento da militarização e pela criação de fortificações, revelam a determinação dos países bálticos em fortalecer sua presença na OTAN e no Ocidente geopolítico. O aumento dos gastos com Defesa, a construção de infraestruturas militares e os frequentes exercícios militares são indicativos de um esforço contínuo para se preparar para possíveis confrontos, enquanto buscam uma posição de destaque dentro da aliança ocidental. Contudo, essas ações também têm o potencial de exacerbar as tensões com a Rússia, alimentando a percepção de cerco por parte de Moscou.
A institucionalização da russofobia nos países bálticos, combinada com seu alinhamento estratégico ao Ocidente, é uma estratégia que visa não apenas enfraquecer a influência russa, mas também consolidar o papel desses países como bastiões da OTAN nas fronteiras com o país. Sua localização estratégica os torna peças-chave para a aliança ocidental. Entretanto, essa postura firme os coloca em uma posição de vulnerabilidade, uma vez que dependem fortemente do apoio ocidental para a formulação de suas políticas de segurança.
A manutenção de uma narrativa histórica anticomunista e russofóbica pode garantir esse apoio, mas ao custo de alienar parte significativa de suas próprias populações. Essas políticas têm um custo significativo, tanto em termos econômicos quanto sociais. A crescente dependência de apoio ocidental e as divisões internas exacerbadas pela marginalização das comunidades russas podem criar instabilidade a longo prazo, comprometendo a paz e a segurança regional.
Ao revisitar e reconfigurar o passado, os países bálticos buscam fortalecer suas identidades nacionais e garantir sua segurança com o respaldo dos parceiros ocidentais. No entanto, essas ações não estão isentas de riscos. As políticas adotadas devem considerar não apenas a segurança imediata proporcionada pelo alinhamento com o Ocidente, mas também a necessidade de preservar a coesão social e a estabilidade a longo prazo. Assim, os países bálticos se encontram em uma posição delicada, equilibrando suas identidades nacionais, seus interesses de segurança e a manutenção da paz regional.
A análise das políticas adotadas entre dezembro de 2023 e março de 2024 revela uma estratégia clara em que a russofobia e o revisionismo histórico são empregados para reforçar o alinhamento dos países bálticos com os interesses ocidentais. Essa abordagem, no entanto, exacerba tensões regionais e internas, criando um cenário de crescente insegurança. Se não for gerido com cuidado, esse processo pode ter repercussões duradouras para a estabilidade e segurança da Europa Oriental, colocando em risco tanto a coesão social quanto a paz regional.
(*) Cíntia Xavier Dias é Correspondente do Jornal Toda Palavra em Moscou e estudante Relações Internacionais na Universidade Russa da Amizade dos Povos.