Donald Trump falou a repórteres durante mais de três horas a bordo do avião presidencial Air Force One a caminho do Super Bowl em Nova Orleans no dia 9 de fevereiro de 2025. Não ficou claro para os repórteres que transmitiram seus comentários se Trump estava falando como presidente dos Estados Unidos, um membro das Nações Unidas, ou como um magnata do setor imobiliário. Gaza, em suas palavras, é um “sítio de demolição” que precisa ser “terraplanado” e “consertado”. Como Gaza fica no Mar Mediterrâneo, disse Trump, ela poderia ser transformada em uma nova Riviera Francesa. Segundo ele, não se trata de uma cena do crime de genocídio, mas de “uma grande área imobiliária”. Os Estados Unidos, disse ele com seu sorriso presidencial, “assumirão o controle da Faixa de Gaza, e faremos um bom trabalho com ela também”.
Palestinos em Gaza que tenham ouvido seus comentários poderiam imaginar que os Estados Unidos estariam financiando a reconstrução de Gaza, que foi estimada pelas Nações Unidas em, no mínimo, 53 bilhões de dólares (o custo após a destruição de Gaza por Israel em 2014 foi de 2,4 bilhões de dólares). Em 2023, o total da Ajuda ao Desenvolvimento no Exterior dos EUA foi de 66 bilhões de dólares e, com os cortes proclamados pelo presidente Trump, é improvável que os EUA consigam reunir algo próximo ao valor necessário para a reconstrução de Gaza. Não havia nada de humanitário nos comentários de Trump sobre a criação da Riviera de Gaza (ou, já que isso parece ser um presente para Israel, é mais provável que Trump imagine que seja a Riviera Azzah, o termo sionista para “Gaza” que significa “cidade forte”). Desde o início da campanha genocida, o establishment israelense tem dito que quer anexar Gaza, o que parece estar alinhado com a visão de Trump de tornar Gaza americana ou de desenvolver Gaza como um resort à beira-mar para turistas americanos e colonos israelenses. Conhecendo Trump, é provável que ele queira reservar uma seção da orla da praia para si e construir um Hotel e Prédio Comercial Trump, com um cassino anexo para incrementar o empreendimento.
Gentrificação sionista
Nada disso é uma surpresa, e essas ideias não são exclusivas de Trump. O projeto sionista como um todo idealiza uma “Eretz Israel” (Grande Israel) que se estenda desde as fronteiras com o Egito até as do Irã. A escritura imobiliária de tal projeto é uma linha da Bíblia: “Aos teus descendentes dei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates” (Gênesis 15:18). Não está claro a qual rio do Egito esse trecho se refere, se ao Nilo ou ao Wadi el-Arish (na Península do Sinai). Mas se o Eufrates for considerado como sua fronteira, então a terra que os sionistas reivindicam inclui toda a Cisjordânia e Jerusalém, o Líbano, a Jordânia, a Síria e a metade ocidental do Iraque. Há mapas desse tipo que podem ser vistos nos escritórios de políticos israelenses de extrema direita (em 19 de março, o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, falou em Paris em cima de um pódio que exibia um mapa israelense que incluía a Jordânia). Isso é absolutamente normal no mundo dos assentamentos ilegais na Cisjordânia (parte do Território Palestino Ocupado, determinado pela ONU), que os colonos chamam de Judeia e Samaria. A geografia dos sionistas tem sido diferente desde quando seu guia espiritual, Ze’ev Jabotinsky, escreveu em The Iron Wall (1923) que os sionistas devem construir a “Eretz Israel” atrás de um “muro de ferro, ou seja, um poder forte na Palestina que não seja suscetível a qualquer pressão árabe”.
Trump não é exatamente um grande leitor. Ele provavelmente nunca ouviu falar de Jabotinsky ou de Theodor Herzl. Ele provavelmente não sabe definir o sionismo. Mas ele certamente percebe uma oportunidade imobiliária quando a vê, e foi assim que ele entendeu sua solução para os problemas enfrentados por Israel. Em seu primeiro mandato, Trump fez o “acordo do século”, os Acordos de Abraão, que levaram uma série de países a normalizar suas relações com Israel: Bahrein e Emirados Árabes Unidos (setembro de 2020), Sudão (outubro de 2020) e Marrocos (dezembro de 2020). Com o Egito (1979) e a Jordânia (1994) já tendo feito acordos de paz com Israel, os mapas começaram a se afastar dos palestinos e se aproximar dos israelenses. Os novos governos do Líbano e da Síria não estão longe de fazer seus próprios acordos separados, e a Arábia Saudita já disse que normalizaria suas relações com Tel Aviv. Trump é um político “bazaari” (mercador), que lança acordos bizarros no ar (para o Marrocos, a aceitação de sua ocupação ilegal do Saara Ocidental) em total desrespeito ao direito internacional. Agora ele está fazendo o mesmo com Gaza.
“Acho que é um grande erro permitir que as pessoas – os palestinos, ou as pessoas que vivem em Gaza – voltem mais uma vez”, disse ele no Air Force One. “Não queremos que o Hamas volte”, disse Trump. “Os Estados Unidos vão se apropriar [de Gaza]”. Não demorou muito para que todos os relatores especiais da ONU assinassem uma firme carta condenando os comentários de Trump. Eles argumentaram corretamente que sua ideia, se implementada, seria um crime de guerra. Trump não entende de direito internacional. Ele pensa como um gentrificador. É isso que ele tem feito nos Estados Unidos: despejar pessoas comuns e construir prédios horríveis como um monumento à riqueza fabulosa de poucos. Trump, assim como os colonos ilegais, é um condutor da gentrificação sionista.
Silêncio
Marwan Bardawil é um engenheiro da Autoridade Palestina de Recursos Hídricos. Em uma coletiva de imprensa em Ramallah, na Palestina, à qual se deu pouca atenção, Bardawil disse que 85% das instalações de água e esgoto na Faixa de Gaza foram destruídas pelo genocídio israelense. Custará 1 bilhão de dólares para reparar e substituir as instalações de água e esgoto em Gaza. A poliomielite, que foi erradicada em Gaza há um quarto de século, reapareceu devido ao colapso do sistema de água.
Os palestinos estão sendo silenciados à medida que o debate sobre Gaza se desenrola. Se eles querem um Hotel e Prédio Comercial Trump, é uma decisão que cabe a eles, não a Trump ou a Netanyahu. Mas eles não estão clamando por uma torre dourada em Gaza. O que eles querem são suas casas. E suas universidades. E seus hospitais. E as fotografias de seus familiares, que agora estão todos mortos.
(*) Tradução de Raul Chiliani / Revista Opera