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Luís Carlos Prestes: um “Poder” acima dos outros

Dois meses antes da assinatura da Constituição de 1988, Luís Carlos Prestes já denunciava o estabelecimento do Poder Militar na Carta Magna
Luís Carlos Prestes
Militares do Exército Brasileiro em cerimônia do Dia da Bandeira em Brasília, em 2018. (Foto: Exército Brasileiro/Divulgação/Flickr)
Militares do Exército Brasileiro em cerimônia do Dia da Bandeira em Brasília, em 2018. (Foto: Exército Brasileiro/Divulgação/Flickr)

O seguinte artigo de Luís Carlos Prestes, no qual denuncia o estabelecimento das Forças Armadas como um “‘Poder’ acima dos outros” na Constituição de 1988, foi publicado no jornal Tribuna da Imprensa no dia 28/07/1988, praticamente dois meses antes da assinatura da Constituição, em 05/10/1988.

Com o término dos trabalhos do Congresso Nacional, que foi eleito com atribuições constitucionais; aproxima-se o dia 5 de outubro, em que deverá ser promulgada a nova Constituição da Nação. Nestes dias, o que se lê e se ouve, de personalidades as mais conhecidas, muito especialmente dentre aquele que, na qualidade de membros do Congresso Nacional, participaram da elaboração da nova Carta Magna do país, são palavras as mais exaltantes sobre o texto aprovado. Proclama-se em geral a notável conquista democrática obtida pela população, graças a novos preceitos que vão assegurar a nosso povo direitos políticos e sociais que abrirão para a Nação inteira, mas particularmente para o povo trabalhador; novas e maiores garantias políticas e sociais, que significam um bom passo para a frente no caminho da democracia.

No que diz respeito à estrutura sindical, cita-se, com razão, o que consta do Artigo 7, item I, que veda a interferência estatal em seu funcionamento, e que a criação de sindicatos é independente de autorização. Fala-se também do Artigo 8, pelo qual é assegurado o direito de greve, competindo exclusivamente aos trabalhadores decidir de sua oportunidade.

No entanto, todos os que se têm manifestado para exaltar o trabalho realizado pelos senhores constituintes e, muito particularmente eles próprios, muito significativamente silenciam a respeito do Artigo 142, que se refere às Forças Armadas, atribuindo-lhes funções evidentemente incompatíveis com um regime efetivamente democrático. Trata-se de preceito que constituiu uma das maiores ou, mesmo, a maior vitória dos generais na Constituinte, na qual, segundo a opinião do professor Eurico Lima Figueiredo, citado pela Revista “Senhor/Isto É”, na qualidade de “conhecido especialista em assuntos militares”, o qual afirma que “eles [os militares] ganharam [na Constituinte] todas as batalhas”.

Qual será a causa de tão singular silêncio: Mantido também por quase toda a imprensa e seus mais conhecidos cronistas políticos? Será ainda o receio da brutalidade arbitrária daqueles que manejam as armas compradas com o dinheiro do povo?

Que nos diz, porém, o Artigo 142? – Que às Forças Armadas (quer dizer, aos generais) é concedida a atribuição constitucional de “garantirem […] a lei e a ordem”. Atribuição constitucional que nem ao presidente da República ou aos outros dois poderes do Estado é tão expressamente concedido. É verdade, que para melhor enganar o povo, sua Excelência o senador Fernando Henrique Cardoso conseguiu incluir no referido Artigo 142 uma frase que, aparentemente, limita o poder das Forças Armadas, ao afirmar que aquela atribuição dependerá da “iniciativa” de um dos poderes do Estado. Reserva evidentemente apenas formal, já que será sempre fácil aos donos dos tanques e metralhadora imporem a “um dos poderes do Estado” que tome referida iniciativa. Além, também, de contrariar conhecido preceito da tradição constitucional de nosso país, que sempre afirmou serem os três Poderes do Estado autônomos, mas harmônicos entre si, não podendo, portanto, nenhum deles tomar qualquer iniciativa isoladamente.

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Quer dizer, em nome da salvaguarda da lei e da ordem pública, ou de sua “garantia”, estarão as Forças Armadas colocadas acima dos três Poderes do Estado. Com a nova Constituição, prosseguirá, assim, o predomínio das Forças Armadas na direção política da Nação, podendo, constitucionalmente, tanto depôr o presidente da República, como os três Poderes do Estado, como também intervir no movimento sindical, destituindo seus dirigentes, ou intervindo abertamente em qualquer movimento grevista, como vem se fazendo desde os decretos de Getúlio Vargas, de 1931, ou mesmo, voltando aos tempos anteriores, em que a questão social era considerada uma questão de polícia, segundo o senhor Washington Luís.

Todos os preceitos da nova Constituição, na verdade, por melhores que sejam, a nada serão reduzidos, em virtude de o Artigo 142, com a atribuição conquistada pelos generais de “garantir […] a lei e a ordem”. O silêncio feito a respeito daquele Artigo é explicável! – trata-se de encobrir para o povo o preceito mais reacionário, ou ditatorial, da nova Constituição, a qual, na prática, pode a qualquer momento ser anulada ou rasgada constitucionalmente!…

Muito ainda precisaremos lutar, pois, para nos livrarmos dessa interferência indébita e nefasta dos generais, para conquistarmos um regime efetivamente democrático. Mas a vitória final será do povo trabalhador organizado e dirigido pela classe operária, jamais daqueles que manejam os tanques e canhões.

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