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Bombardear com toda força: Israel define o tom para o genocídio dos palestinos

Em Israel, nem os partidos mais liberais, nem os de extrema-direita, desejam o fim dos bombardeios contra Gaza
Vijay Prashad
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, em 25 de janeiro de 2018. (Foto: Valeriano Di Domenico / World Economic Forum)
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, em 25 de janeiro de 2018. (Foto: Valeriano Di Domenico / World Economic Forum)

No dia 5 de março de 2025, o tenente-general Herzi Halevi deixou o cargo de chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel. Ele ocupava essa posição desde 16 de janeiro de 2023, tendo, portanto, liderado as Forças Armadas durante a guerra contra os palestinos. Várias apreciações sobre Halevi surgiram após sua saída desse importante posto. Em um desses longos artigos, publicado no influente jornal Yedioth Ahronoth, um dos jornalistas mais renomados de Israel, Nahum Barnea, fez um perfil de Halevi. Nesse perfil, Barnea descreveu a reunião de gabinete ocorrida 48 horas após o ataque do Hamas aos postos de fronteira israelenses. Halevi apresentou as operações militares realizadas durante esses dois dias, afirmando que a Força Aérea havia atingido 1.500 alvos nesse curto período. Halevi não é conhecido por sua postura pacifista. Esse foi um ataque feroz em uma área majoritariamente civil.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, “explodiu de raiva”, escreveu Barnea. Ele começou a gritar e a bater na mesa, ao redor da qual estavam sentados os membros de seu gabinete. “Por que não 5.000?”, repreendeu Netanyahu. “Não temos 5.000 alvos aprovados”, respondeu Halevi. “Não estou interessado em alvos”, replicou Netanyahu. “Derrubem casas. Bombardeiem com tudo que vocês têm.”

A declaração de Netanyahu em 9 de outubro de 2023 definiu o tom de toda a guerra. Mas ele não estava sozinho nessa postura. Aqueles israelenses que se consideram mais liberais e menos beligerantes que ele estão igualmente comprometidos com o massacre.

Em junho de 2024, os membros da Unidade Nacional (Benny Gantz e Gadi Eisenkot) renunciaram ao gabinete de Netanyahu. Alegaram que o primeiro-ministro não conseguia se concentrar na guerra porque trazia “considerações externas e questões políticas” para as discussões. Eisenkot, ex-chefe do Estado-Maior, que já declarou apoiar uma solução de dois Estados, mesmo assim defendeu uma ação militar mais impiedosa contra os palestinos em Gaza.

Foi amplamente noticiado quando os membros do gabinete de Itamar Ben-Gvir, do partido de extrema-direita Otzma Yehudit, renunciaram em janeiro de 2025 por conta do cessar-fogo. Eles não queriam nenhum tipo de interrupção na guerra.

Portanto, nem a Unidade Nacional, mais liberal, nem a extrema-direita do Otzma Yehudit desejavam o fim dos bombardeios.

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Preparativos para romper o cessar-fogo

Um acordo de cessar-fogo havia sido preparado em 31 de maio de 2024, mas os israelenses se recusaram a assiná-lo. Contudo, aceitaram o cessar-fogo em 15 de janeiro de 2025, que entrou em vigor quatro dias depois. Durante esse período, as organizações palestinas e Israel trocaram prisioneiros políticos de acordo com o cronograma estabelecido durante as negociações. O Ramadã teve início em 28 de fevereiro. A primeira fase do cessar-fogo estava prevista para expirar em 1º de março, mas Israel exigiu sua prorrogação para que todos os prisioneiros israelenses fossem libertados; o Hamas, por sua vez, insistia querer avançar para a segunda fase do cessar-fogo, que permitiria uma maior entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. Em 2 de março, Israel bloqueou a entrada de ajuda humanitária e, em 9 de março, cortou o fornecimento de energia elétrica para Gaza. A vida dentro de Gaza se tornou ainda mais insuportável, pois a esperança trazida pelo cessar-fogo havia sido esmagada. Os palestinos aguardavam uma ação dos israelenses.

Será que a ação israelense se resumia realmente à questão dos prisioneiros políticos que o Hamas ainda não havia libertado? Em 14 de março, o Hamas concordou em liberar Edan Alexander (cidadão estadunidense-israelense) e os corpos de cidadãos com dupla nacionalidade. Israel e os Estados Unidos recusaram essa proposta. Parecia haver outras questões em jogo, e não apenas a troca de prisioneiros.

Em 16 de março, Gadi Eisenkot e outros membros da Comissão de Assuntos Exteriores e de Defesa do Knesset (Parlamento) enviaram uma carta a Netanyahu e ao ministro da Defesa, Israel Katz. Eles argumentaram que o cessar-fogo havia permitido que o Hamas e a Jihad Islâmica se reagrupassem. Segundo eles, o Hamas agora contava com 25.000 combatentes armados, enquanto a Jihad Islâmica reunia 5.000 combatentes. E afirmavam que esses grupos haviam usado o cessar-fogo para planejar outro ataque no estilo do de 7 de outubro. Esses parlamentares sustentavam que a política de guerra de Netanyahu e o cessar-fogo demonstravam uma “falha em atingir os objetivos da guerra” e “prejudicavam os interesses de segurança nacional.”

No dia 17 de março, o gabinete israelense realizou uma reunião de emergência para discutir informações de inteligência de que o Hamas estaria planejando outro ataque. No dia seguinte, Katz se dirigiu ao Fórum Otef Israel – composto por residentes israelenses que vivem na orla de Gaza – e afirmou que “há preparativos constantes sendo feitos pelo Hamas para uma invasão” similar à de “7 de outubro”. “Devemos atacá-los e finalizar completamente o trabalho”, declarou Katz no fórum. Ficou claro que toda a classe política israelense – do gabinete de Netanyahu à oposição – havia começado a alimentar o temor de um novo ataque do Hamas.

O Hamas respondeu imediatamente, afirmando que as alegações de um ataque “são infundadas e meramente um pretexto frágil para justificar seu retorno à guerra”. O grupo disse ter “cumprido o acordo” e que foi Netanyahu – “buscando uma saída para suas crises internas” – quem buscava “reativar a guerra.”

O bombardeio israelense teve início em 18 de março com o massacre de 400 civis palestinos (incluindo 174 crianças).

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Em 22 de março, os israelenses destruíram o Hospital da Amizade Turca, localizado na Rua al-Hurriya, na região central de Gaza. Este era o único hospital especializado em câncer na área e havia prestado atendimento a 13.000 pacientes oncológicos, que ainda permanecem na região. Quando Israel ocupou a área com seus soldados, o hospital foi transformado em um quartel militar. Ao se retirarem em 19 de janeiro de 2025, a equipe médica tentou recuperar o hospital para os pacientes oncológicos. Agora, ele se encontra destruído.

Opções israelenses

O major-general Tamir Heyman, à frente do Instituto de Estudos de Segurança Nacional – um importante think tank em Israel – publicou uma coluna de grande repercussão na qual argumenta que os israelenses possuem dois objetivos: resgatar os prisioneiros e destruir o Hamas. Para isso, propõe três cenários:

1 – Primeiramente, os soldados israelenses entram em Gaza e assumem o controle militar do território, buscando e destruindo o Hamas, além de localizar os prisioneiros.

2– Em segundo lugar, Israel impõe um cerco ainda mais rigoroso sobre Gaza para enfraquecer o Hamas (mesmo que isso possa não resultar na libertação dos prisioneiros).

3– Por fim, um “modelo Hezbollah”, no qual Israel reconhece que o Hamas “não pode ser erradicado da face da Terra”, mas que o vínculo entre o Hamas e o povo palestino pode ser enfraquecido com a criação de uma força política alternativa em Gaza.

Os três cenários compartilham um elemento comum: o sofrimento dos palestinos. Em todo o espectro político israelense, com exceção de uma pequena minoria dissidente, essa é a orientação geral.

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Por que os israelenses quebraram o cessar-fogo? Não há uma boa razão. Nada foi feito no terreno pelos palestinos para provocar esse retorno à violência mortal. A troca de prisioneiros transcorreu da forma mais tranquila possível e o processo de verificação do cessar-fogo estava intacto. (Foto: Pamela Drew / Flickr)
Vijay Prashad: o ataque infernal de Israel contra os palestinos em 18 de março

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