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Lavrov na América Latina: Um tour político

Em giro pela América Latina e Caribe, Lavrov reforça laços contra política norte-americana na região e busca fazer frente à desestabilização da Venezuela.
por Arantxa Tirado | CELAG – Tradução de Ciro Moreira para a Revista Opera
(Foto: en.kremlin.ru/)

O resultado do giro político de Lavrov não se mede pelo número de convênios firmados ou reativados, mas sim pela busca de consensos para a construção de uma nova geopolítica.

Entre 5 e 8 de fevereiro, o chanceler russo, Sergei Lavrov, realizou um giro oficial por três países da América Latina e Caribe (ALC): Cuba, México e Venezuela, todos eles com uma política externa independente, quando não confrontada, com os interesses geoestratégicos dos Estados Unidos. Estas alianças e a crescente presença da Rússia na ALC é vista como uma ameaça pelos EUA.

Mas além dos acordos técnicos de cooperação em matérias econômicas, comerciais, militares, diplomáticas e políticas firmados com alguns destes países, a visita de Lavrov tem um forte caráter político. O The New York Times disse que a Rússia enviou Lavrov para contrariar as sanções dos Estados Unidos à Venezuela. Em todas as suas intervenções, Lavrov se encarregou de deixar claro a discordância russa com a política norte-americana para com a Venezuela. A ALC não é o único lugar onde a Federação Russa tem interesses geoestratégicos contrapostos aos Estados Unidos; essa disputa geopolítica também é expressa abertamente nos conflitos na Ucrânia e Síria. Apesar da importância desta viagem, não houve grande repercussão na mídia, que esteve concentrada no impeachment de Donald Trump.

Não é um detalhe que, em paralelo à visita de Lavrov, o auto-proclamado “presidente” da Venezuela, o deputado da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, deu seus últimos passos em um giro internacional cuja parada final foi os Estados Unidos. A coincidência do giro de Lavrov com a presença do opositor venezuelano nos EUA é significativa. Enquanto Guaidó apareceu junto com Trump, também se reuniu com os congressistas que lideram os ataques à Cuba, Venezuela e Nicarágua, com o diretor da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e com o secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) Luis Almagro, o chanceler russo lançou claras mensagens aos EUA a respeito de sua interferência na Venezuela.

Cuba

A Rússia tem cooperação com Cuba, seu “sócio prioritário”, em cultura, energia, metalurgia, infraestrutura do transporte, tecnologia espacial, comunicações e informática, farmacêutica e biotecnologia, e ainda possui uma amizade histórica desde os tempos da União Soviética.

A visita de Lavrov a Cuba foi eminentemente política. Pouco foi discutido sobre os acordos alcançados entre ambos os países durante esta viagem, se houveram, fora para discutir a coordenação da política exterior ou a ênfase da denúncia do bloqueio à Cuba.  O que se discutiu na reunião entre o chanceler russo e o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, foi a referência de Lavrov aos acordos assinados pelos respectivos presidentes, Vladimir Putin e Miguel Díaz-Canel em outubro de 2019, durante a visita deste a Moscou e a próxima reunião da “Comissão Intergovernamental Russo-Cubana para a cooperação econômico-comercial e científico-técnica” que ocorrerá na Rússia. Os interesses pela área energética estão na agenda, assim como a cooperação cultural. Em um gesto simbólico, Lavrov rendeu honras a Fidel Castro na visita a sua tumba em Santiago de Cuba.

México

O México é o segundo sócio comercial da Rússia na ALC, depois do Brasil. Esta viagem serviu para reativar a “Comissão Mista Russo-Mexicana para a cooperação econômica, comercial, científico-técnica e de navegação marítima” que estava paralisada desde 2011. Lavrov reuniu-se com o chanceler mexicano, Marcelo Ebrad, e destacou que além da cooperação militar, existe a vontade de avançar na cooperação no “setor energético, automobilístico, indústria naval, aeronáutica, química, farmacêutica, transporte ferroviário e o setor agrícola”.

O México ocupa a Presidência da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), o que abriu as expectativas sobre sua reativação também para a Rússia. Moscou espera que a presidência mexicana permita superar as contradições e restabelecer o mecanismo de diálogo Rússia-CELAC para retomar a cooperação “aeroespacial, a prevenção e eliminação das consequências de desastres naturais”, além de ativar um “sistema regional de monitoramento antimicrobial” (com a participação do Instituto Russo-Nicaraguense de biotecnologia ‘Mechnikov’).

Lavrov enfatizou que o México e a Federação Russa defendem a soberania da Venezuela e a busca para uma saída negociada da crise política, para que “os problemas da Venezuela se solucionem não com base na doutrina Monroe, como Washington deseja fazer, nem tampouco com intenção de provocar um confronto que sirva de pretexto para uma intervenção armada, mas sim exclusivamente com métodos pacíficos, através do diálogo entre todas as forças políticas”. Um diálogo que “deve ser iniciado sem condições prévias” para que seja uma “mediação” e não um “ditado”.

O apoio do governo russo à candidatura do México ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) para o período de 2020-2021, que foi anunciado durante a visita, se enquadra na lógica de buscar aliados nos organismos multilaterais para a defesa da não-interferência. A Federação da Rússia se destacou por ser um dique para conter os ataques à Venezuela no Conselho de Segurança, o único que pode autorizar o uso da força na ONU e onde a Rússia tem poder de veto, com a forte defesa da legitimidade do governo de Nicolás Maduro. A presença do México no Conselho, um país que se destaca pela presidência de Andrés Manuel López Obrador na defesa da soberania do governo da Venezuela e Bolívia, sem dúvidas somaria votos ao grupo que se opõe à postura dos Estados Unidos, ajudando a neutralizar os ataques atuais contra a Venezuela e os eventuais ataques a outros países do mundo não alinhados com a política norte-americana.

Venezuela

Com a República Bolivariana da Venezuela, seu principal aliado geopolítico na área, a Rússia firmou mais de 50 acordos de cooperação estratégica ao longo dos últimos anos. A cooperação entre os dois países é decidida através da Comissão Intergovernamental de Alto Nível Rússia-Venezuela, que se reunirá em Caracas em maio de 2020.

Aparentemente, a visita de Lavrov foi projetada para sustentar seus aliados na região, especialmente para mostrar o respaldo de Moscou a Caracas e à sua estratégia de diálogo com certos setores da oposição, assim como com a celebração de eleições parlamentares esse ano. A presença de Lavrov na Mesa de Diálogo Nacional durante sua visita em Caracas, e a coincidência com o ex-presidente espanhol e mediador da mesa, José Luiz Rodríguez Zapatero, pode ser interpretada como um aval russo a essa nova rodada de negociações entre o Governo e a oposição. Uma clara mensagem aos Estados Unidos, justamente no meio das últimas ameaças de Donald Trump ao governo de Maduro durante o discurso perante o Congresso, ao qual Juan Guaidó foi convidado.

A Federação Russa também quer denunciar a política unilateral e intervencionista dos Estados Unidos com o bloqueio e as sanções à Venezuela e Cuba (“as sanções ilegítimas que os Estados Unidos seguem recrudescendo”) que atentam contra a Carta das Nações Unidas e as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), nas palavras de Lavrov. O chanceler também assinalou as sanções à Venezuela como uma política de “mudança de regime” orquestrada pelos EUA com graves implicações econômicas e sociais: “A recessão econômica que se está vivendo na Venezuela procede de intenções, através de campanhas executadas, para derrubar o governo legítimo, inclusive utilizando a força. É ultrajante que as ações unilaterais dos Estados Unidos afetem a sociedade”.

Um tour político

Com este tour da Federação Russa, ela quis seguir aprofundando os laços com seus aliados estratégicos e sócios comerciais na região, em uma estratégia de expansão da influência e dos interesses russos na ALC. Entretanto, o resultado mais importante não é medido no número de convênios firmados ou reativados, mas sim na busca de consensos políticos da lógica da construção de uma geopolítica alternativa àquela comandada pelos Estados Unidos para o hemisfério ocidental e, por extensão, para o conjunto do sistema internacional. A defesa da legitimidade do Governo de Nicolás Maduro e o respaldo a seu processo de diálogo para garantir a sua sobrevivência está no centro dessa postura política. A Rússia aposta, assim como os países visitados, em um sistema internacional pluricêntrico e multipolar, em que o equilíbrio entre potências está no centro da agenda política e no qual o Direito Internacional seja respeitado. Um ambiente de paz em que as empresas russas possam continuar com seus investimentos nos países da ALC, e que a cooperação tecnológica e militar com seus aliados possa se desenvolver sem acusações de intervencionismo. Um cenário em que a Rússia freia o unilateralismo norte-americano para aumentar sua influência política, militar e espiritual, segundo o estabelecido em sua Estratégia de Segurança Nacional, a fim de fortalecer sua soberania e sua capacidade de influenciar nessa transição para uma nova ordem geopolítica que ainda está em construção.

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