Enquanto os cientistas continuam pesquisando a origem da pandemia da COVID-19, um fato fica claro: o desmatamento está ligado ao aparecimento de novas doenças. Quando os seres humanos destroem as florestas para abrir terras para uso humano, seja para agricultura, mineração, exploração madeireira, desenvolvimento de infraestrutura ou expansão urbana, a biodiversidade é reduzida. E, à medida que algumas espécies são extintas, as que permanecem e até mesmo florescem em ecossistemas florestais degradados – como morcegos, ratos e pássaros – são aquelas que têm maior probabilidade de serem hospedeiras de vírus mortais que podem saltar para os seres humanos.
A COVID-19, a SARS e o Ebola – três doenças infecciosas que ultrapassaram as fronteiras nacionais desde 2002 – têm uma coisa em comum: foram transmitidas aos seres humanos por animais selvagens que vivem em florestas tropicais, que estão perdendo mais de 100 árvores por segundo devido ao desmatamento desenfreado e insustentável. Também é importante observar que o corte de árvores afeta negativamente não apenas a biodiversidade e a saúde humana, mas também o clima: o desmatamento é responsável por 30% das emissões globais de carbono.
A atividade humana está criando reservatórios de doenças zoonóticas
Pesquisadores da Inglaterra examinaram mais de 6,8 mil comunidades ecológicas em seis continentes e descobriram tendências que ligam surtos de doenças a regiões onde a biodiversidade foi reduzida devido à atividade humana. O estudo, publicado na revista Nature em agosto de 2020, concluiu que “as mudanças globais no modo e na intensidade do uso da terra estão criando crescentes interfaces perigosas entre pessoas, gado e reservatórios de doenças zoonóticas selvagens”.
Alguns cientistas vinham soando esse alarme há muitos anos, mas ele não foi ouvido. “Temos alertado sobre isso há décadas”, disse Kate Jones, ecologista da University College London, que foi uma das autoras do estudo. “Ninguém prestou atenção.”
Apelos para manter as florestas saudáveis
Agora é a hora dos governos prestarem atenção à ciência: para evitar a próxima pandemia, é preciso fazer esforços para controlar o desmatamento desenfreado. Em um ensaio publicado na revista Science em julho de 2020, um grupo de cientistas argumentou que a redução do desmatamento e do comércio de animais silvestres resultaria em um menor risco de futuras pandemias. “A clara ligação entre o desmatamento e o surgimento de vírus sugere que um grande esforço para manter a cobertura florestal intacta teria um grande retorno sobre o investimento, mesmo que seu único benefício fosse reduzir os eventos de surgimento de vírus”, escreveram eles.
O epidemiologista Ibrahima Socé Fall, que dirige as operações de emergência da Organização Mundial da Saúde em Genebra, na Suíça, concorda com esse apelo. “O desenvolvimento sustentável é crucial”, disse ele. “Se continuarmos a ter esse nível de desmatamento, mineração desorganizada e desenvolvimento não-planejado, teremos mais surtos.”
Desenvolvimento sustentável significa meios sustentáveis de subsistência
Investir em soluções sustentáveis também significa investir em meios sustentáveis de subsistência. Portanto, parte da redução do desmatamento é entender as necessidades das comunidades rurais que vivem nas florestas ou ao próximo delas, incluindo a oferta de incentivos econômicos para proteger os ecossistemas naturais ao seu redor. Conceder aos grupos indígenas direitos legais sobre suas terras é uma maneira de fazer isso. Em 2009, no distrito de Narmada, na Índia, por exemplo, os moradores conseguiram garantir direitos legais sobre suas terras e recursos, o que levou a um gerenciamento mais sustentável da terra.
“O fato de saberem que são donos de suas terras significa que essas comunidades têm um incentivo para protegê-las e melhorá-las para o futuro”, escreve Edward Davey, diretor de engajamento internacional da Food and Land Use Coalition, uma iniciativa para melhorar os sistemas mundiais de alimentação e uso da terra. “Os moradores agora podem investir em ações como terraplanagem, terraceamento e irrigação de terras agrícolas para aumentar a produtividade. Alguns vilarejos também estão tomando medidas para evitar o desmatamento ilegal e os incêndios florestais, patrulhando a floresta e estabelecendo acordos comunitários para controlar o fogo.”
Além disso, pesquisas indicam que a melhoria da saúde rural pode levar a uma redução da extração ilegal de madeira. Em um estudo conduzido por pesquisadores dos Estados Unidos e da Indonésia, os moradores da zona rural de Bornéu receberam descontos em consultas médicas, o que compensou os custos médicos que muitas vezes eram pagos por meio da extração ilegal de madeira. “As maiores reduções na exploração madeireira foram adjacentes aos vilarejos mais engajados”, escrevem os autores do estudo. “Os resultados sugerem que essa solução derivada da comunidade melhorou simultaneamente o acesso à assistência médica para as comunidades locais e indígenas e conservou de forma sustentável os estoques de carbono em uma floresta tropical protegida.”
Organizações de defesa pedem ação
No início de 2021, vários grupos ambientalistas e organizações de defesa de direitos co-patrocinaram uma petição pública – assinada por mais de 87 mil pessoas em julho de 2023 – solicitando ao governo Biden e ao Congresso dos EUA que reduzissem o desmatamento em um esforço para diminuir o risco de uma próxima pandemia. Especificamente, a petição pede 2,5 bilhões de dólares no próximo projeto de lei de auxílio à COVID para “apoiar a assistência médica e o treinamento para empregos para os povos indígenas em todas as comunidades de florestas tropicais e apoiar as nações empobrecidas para a construção de sistemas de saúde para interromper os surtos antes que eles se espalhem”.
Os patrocinadores da petição, que incluem o Brazilian Rainforest Trust, a Endangered Species Coalition e a Mighty Earth, argumentam que “[acabar com o desmatamento é nossa melhor chance de conservar a vida selvagem, uma das maneiras mais rápidas e econômicas de conter o aquecimento global e absolutamente crucial para evitar a próxima pandemia global mortal”.
“Estamos todos interconectados”, disse a famosa primatologista Jane Goodall ao PBS NewsHour. “E se não aprendermos essa lição com essa pandemia, talvez nunca aprendamos.”
(*) Reynard Loki é cofundador do Observatory, onde é editor de meio ambiente e direitos dos animais. Ele também é redator do Independent Media Institute, onde atua como editor e correspondente-chefe do Earth | Food | Life. Anteriormente, atuou como editor de meio ambiente, alimentação e direitos dos animais na AlterNet e como repórter da Justmeans/3BL Media, cobrindo sustentabilidade e responsabilidade social corporativa. Ele foi nomeado um dos 50 principais jornalistas de saúde e meio ambiente a serem seguidos pela FilterBuy em 2016. Seu trabalho foi publicado pela Yes! Magazine, Salon, Truthout, BillMoyers.com, Asia Times, Pressenza e EcoWatch, entre outros. Ele é voluntário na New York City Pigeon Rescue Central.
(*) Tradução de Raul Chiliani