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O primeiro debate dos Presidenciáveis foi uma sabatina de comadres

O debate foi uma “sabatina de comadres”, meio “capenga”. O eleitorado sai com mais dúvidas que certezas desse primeira rodada.
por Fabiano Post | Revista Opera
(Foto: Cacá Meirelles)

Assisti ao primeiro debate dos candidatos à Presidência, promovido pela TV Bandeirantes – em parceria com o Google – no última quinta-feira, dia 9. Pela internet o revi em loop, durante dois dias, para absorver, digerir e tentar compreender a fala daqueles que cobiçam a tão sonhada faixa de Presidente da República cruzada no tórax no próximo 1 de janeiro de 2019. Os temas giraram basicamente em torno das contas públicas, economia e corrupção.

Frente a frente houve, por parte dos postulantes ao Planalto, uma razoável “economia” verbal – o contrário do que acontece nas redes sociais, onde o “pau come”. Houve uma certa dificuldade  também para exporem suas ideias (em alguns casos pela sua falta) e ausência de disposição para embates mais acalorados.

Talvez o “freio estratégico”, seja o medo da “patrulha da internet” – que será, dizem, decisiva – afinal, cada um tem a sua, e sua repercussão subsequente. Perder votos, nem pensar, melhor não arriscar! Tem dedo de marqueteiro aí!

Foi um encontro quase “cordial, desajeitado e um tanto monótono”. Os candidatos da direita “pelejaram” mais entre si. A esquerda se manteve equânime. O objetivo era o resguardo, um “empate” estaria de bom tamanho para quase todos, nesse primeiro momento.

A falta do Partido dos Trabalhadores, principal partido da esquerda brasileira, se fez ressentir nesse primeiro debate. O PT no estúdio teria feito muito bem ao encontro.

Lula, candidato do PT, havia sido convidado para participar, mas foi impedido pelo TRF4, em Porto Alegre. O ex-presidente considerou uma censura. Fale o que quiser, mas a presença de Lula elevaria e muito o nível do debate. Sem dúvida alguma tudo teria sido diferente. O ex-presidente tem a capacidade de “mobilização dos humores”, do olho no olho, gosta do choque, da resistência, da oposição de ideias, apanharia muito, sem dúvida. Se esguiaria de alguns golpes duros, e desferiria alguns bons contra golpes.

Chancelaria a sua inegável dimensão e relevância, para o bem e para o mal, no atual cenário político brasileiro. O PT no entanto fez seu próprio debate paralelamente, através da internet, no mesmo dia.

Os “melhores” momentos de cada candidato.

Guilherme Boulos (PSOL), foi o diferencial, tendo o melhor desempenho entre todos os candidatos, até onde lhe foi permitido. Começou com “sangue nos olhos”, típico de quem tem muito a dizer e pouco tempo para dizê-lo. Sem papas na língua disparou que naquele estúdio haviam “50 tons de Temer”, em alusão direta não somente ao candidato do MDB, Henrique Meirelles, mas a os outros 6 participantes que votaram a favor do impeachment de Dilma em 2016.

Antissistêmico, pode ser considerado o grande “sniper” do debate. Representou bem “a esquerda mais à esquerda” e pulsante do país, com um discurso confrontador e desafiador. Foi sensato, manteve uma postura bastante dura contra PSDB e MDB.

Conciliador, saudou o ex-presidente Lula dizendo que ele deveria estar ali naquele debate, e sem se preocupar com resultados eleitoreiros imediatos seguiu o roteiro mais enérgico e popular do PSOL e seu eleitorado que não vê no PT uma opção. Não poupou ninguém, nem mesmo a esquerda.

Desmontou Bolsonaro, que para ele “representa a velha política corrupta…farinha do mesmo saco.” Parlamentar carreirista há 27 anos e com quase nada a declarar, “tem mais casas (5) do que projetos aprovados no parlamento (2)”, desencantou até uma funcionária fantasma do ex-capitão, a Wal – Walderice Santos da Conceição. Rebateu Meirelles, de forma magistral, sobre a questão do aborto, dizendo que “ninguém é a favor do aborto, é a favor de não ser considerado crime”, e disse que no governo do PSOL aborto não será tema do código Penal, será tema do SUS (Sistema Único de Saúde).

O veterano Ciro Gomes (PDT) apostou na boa temperança. Foi objetivo, trabalhou com números como é de seu feitio, colocou algumas de suas propostas na mesa, como a retomada de obras públicas, aprovação de uma nova reforma trabalhista, sentou o pau no SPC – Serviço de Proteção ao Crédito – “a ratoeira sem fundo dos bancos”, assunto com grande apelo popular. Apesar de reconhecer o golpe sofrido por Dilma, fez críticas a sua politica econômica. Criticou o juíz Sergio Moro pelo recebimento de auxílio moradia – já que o magistrado tem casa própria, porém, enalteceu o mesmo por serviços prestados ao Brasil – foi interessante ver Ciro, ser tão “cordial” em relação ao Moro. Aproveitou para dar umas alfinetadas em Geraldo Alckimin sobre a reforma trabalhista. Particularmente esperava um Ciro mais implacável com os adversários.

O tragicômico candidato Cabo Daciolo (Patriota) – “um auto-declarado servo de Deus”– protagonista às avessas do debate, saiu esbravejando contra tudo que minimamente se movesse no estúdio, como um pastor doutrinando seu rebanho.

Daciolo é praticamente um fósmeo personificado no sistema eleitoral brasileiro – já que participou do debate graças aos 5 míseros membros do seu partido na Câmara – ao interpelar um visivelmente constrangido e incrédulo Ciro Gomes – sempre astuto nessas horas, conteve sua visceralidade, foi até “gentil” com o “amigo”.

O cabo atacou-o com uma resenha lunática e desconecta sobre a fundação do Foro de São Paulo por Ciro, Ursal – que diabos é isso?! -, conspiração comunista na América Latina, etc. Disse que “era a hora da transformação – com fé, esperança e amor – estava chegando”. Tudo em nome das costas largas de Deus e seu filho. Se referiu a Bolsonaro como “irmão”, dizendo que ele não estava só.

Geraldo Alckmin (PSDB), não muito a vontade, tomou uns “tapas”, criticou a “incoerência” de Marina que saiu do Partido Verde (PV) alegando incompatibilidade e criou a Rede Sustentabilidade, para depois se coligar ao PV. Representante do establishment, nessa eleição foi moderado, as vezes falando quase como “presidente eleito”, explicando os porquês – aprovar reformas “importantes” para o país ano que vem – da sua coalizão com o chamado “centrão”. Enviou mensagens diretas sobre segurança jurídica para acalmar o seu affair, o “mercado”.

Jair Bolsonaro (PSL), estrategicamente, tentando passar uma imagem “outra”, “ponderada”, contrário ao seu verdadeiro eu – o homem da pós-verdade, obtuso e radical, pescador de desavisados iludidos abertos à doutrinação falaciosa, conservadora, caduca, ufanista, e de direita extrema – ficou na dele, tentando ser invisível. Não fosse por Boulos – que o chamou de “racista, machista e homofóbico” – teria conseguido.

Defendeu algumas de suas ideias atrapalhadas e abrutalhadas na Segurança Pública, falou dos tais “cidadãos de bem” que foram desarmados, criticou a política de direitos humanos, acenou para os empresários falando sobre redução de direitos trabalhistas.

Não deixou Boulos sem resposta quando o candidato do PSOL perguntou se ele “não tinha vergonha na cara de ter acumulado cinco moradias em 27 anos de mandato e apenas dois projeto aprovados.” Bolsonaro indiretamente deixou clara sua visão distorcida sobre movimentos sociais como o MTST, de Boulos, sem dar nomes ao bois, dizendoo considerar “vergonha maior os ‘desocupados’ invadirem propriedades privadas…levando terror às cidades”.

Bolsonaro não desceu até as sombras do tártaro. Como de costume, dessa feita, deixou um pouco de lado seu impolido caráter selvático e preferiu abraçar o “limbo” da intangibilidade para não comprometer sua falta de conteúdo costumeira. Talvez a estratégia tenha dado certo; foi o nome mais procurado no Google durante o debate. Mas não deve ter angariado mais asseclas.

Marina Silva (Rede Sustentabilidade) foi a velha incógnita de sempre, fugindo das perguntas pela tangente – quanto à questão do aborto bastante em voga atualmente, disse “que defende a forma que a lei entende, e considerou um plebiscito sobre o tema junto à população”. Disse que “não compactua com as práticas políticas tradicionais” – mas não apresentou alternativas. Contrária a alianças, “condenou” indiretamente o acordo de Alckmin com o centrão para “angariar tempo de televisão”.

Vale lembrar que na segunda-feira dia (6), em entrevista para o pastor evangélico Caio Fábio, ao ser questionada por outro pastor “sobre como ela pretende conciliar sua fé e a presidência”, Marina é contundente: “Graças a Deus o Estado é laico”.

O senador Álvaro Dias (Podemos), um quase desconhecido no cenário nacional entre os presidenciáveis presentes – só não menos que o “anão” Cabo Dalciolo -, atacou de fã número um da Operação Lava-Jato – “será a tropa de elite do meu governo” -, e fez campanha “Sérgio Moro meu ministro da Justiça”. Sem muito a dizer, parou por aí.

O economista Henrique Meirelles (MDB), disse ser um candidato “sem processo, competente e honesto”, alfinetou Alckmin sobre críticas do seu partido ao Bolsa Família, arriscou se lambuzar com o “seu sucesso” na gestão Lula, sem querer se comprometer, lógico – porém foi lembrado disso em alguns momentos, de forma pejorativa.

Criticou a gestão Dilma, porém esqueceu que vaselinou o governo ilegítimo de Temer até pouco tempo, como ministro mais “crível” do “ex-chefe”. Dias foi certeiro fazendo o colega não esquecer desse fato. Henrique, que não é um expert diante das câmeras, acabou se embananando ao tentar explicar sua política econômica; falou de dívida que cresce com déficit, seguidos de juros, inflação, desemprego e crise. Se autodeclara “o candidato do emprego”, falou em baixar juros e inflação, só não explicou exatamente como.

Nesse primeiro embate ficou notório o desguarnecimento quase que total de ideias, objetivas e claras, para a construção de um país verdadeiramente soberano através do Estado de bem estar e mobilidade social, desmantelado nos últimos dois anos. Que deve ser garantido pelo “princípio da dignidade humana”, que significa a “reafirmação e manutenção” do Estado democrático de direito, nesse país. Creio que mais à frente essa percepção comecem a ser esboçada. Não se engane, sem ela não haverá administração que se sustente.

Até lá, é esperado que o imbróglio envolvendo a candidatura petista esteja esclarecida, com candidatura própria “viável” ou unção de outro candidato da esquerda. Isso já bastaria para esquentar e apimentar os próximos debate.

Hoje Lula, mesmo preso, é o preferido percentualmente. Em uma recente pesquisa do Datafolha, 30% dos eleitores disse que votaria em candidato indicado por Lula, 17% disseram talvez e 51% jamais. O fator PT será determinante nesse pleito, em todos os quadro possíveis.

Foi uma “sabatina de comadres”, meio “capenga”. O eleitorado sai com mais dúvidas que certezas desse primeira rodada.

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