Carlos Marighella foi um homem heróico, estóico, íntegro e extremamente humano, que doou a própria vida por uma causa, para entrar para história, pela porta de frente, como símbolo máximo da resistência ao autoritarismo assassino do Estado brasileiro.
“Os brasileiros estão diante de uma alternativa. Ou resistem à situação criada pelo golpe de 1º de abril, ou se conformam com ela. O conformismo é a morte, no mínimo viver de joelhos”, disse.
Após o seu assassinato covarde e brutal pelas mãos da infame ditadura brasileira, em 4 de novembro de 1969, um longo processo pela busca de justiça e reparos foi percorrido, até o desfecho no ano de 1996, onde o bom senso triunfou na disputa pela sua memória, quando a Comissão Sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos abriu caminho para ressignificar seu status, destruindo por completo a narrativa “oficial” dos militares. Os nobres elementos que norteavam sua luta, o conduziram merecidamente de “inimigo público número um” a herói nacional.
Na quinta-feira passada (14), Wagner Moura lançou seu filme “Marighella” no Festival de Berlim. Sob aplausos, foi recebido calorosamente pelo público. Porém, parece não ter agradado a crítica de alguns veículos da imprensa alemã, que, com seu olhar quase xenofóbico sobre nós latinos, optou em transformar a crítica estética em política; aproveitando a deixa para sentar o pau na esquerda latino-americana, deixando claro que não entendem absolutamente nada sobre Marighella e sua inabalável cruzada contra a ditadura homicida, diminuindo a revolução armada de Marighella – ou não sabendo diferencia-la – a relés ato de violência terrorista despropositada (talvez aí criou-se um vínculo emocional com traumas passados domésticos, não superados, com a RAF, exatamente como faz a turma reaça brasileira com relação à resistência armada).
Com o passar dos anos o número de homenagens a Marighella – o filme de Moura, ainda que seja um tributo, é mais uma resposta artística ao atual cenário político no Brasil – tem se multiplicado por todo país, ao mesmo tempo que o ódio a sua figura também avança. Em 2009 recebe da cidade onde tombou o título de cidadão paulista. Em 2014, o governo da Bahia, de forma emblemática e irônica – em verdade uma reivindicação da comunidade -, rebatizou o nome da Escola Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici, em Salvador, para Escola Estadual Carlos Marighella.
O ciclo de tributos ao mártir revolucionário brasileiro parece se reinventar e amplificar de tempos em tempos. São biografias, documentários, peças teatrais, nome de ruas, poesias e músicas. Mano Brown fez a letra do rap “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)”, para o documentário “Marighella” (2012), de Isa Grsipum Ferraz, sobrinha do revolucionário. Talvez seja a mais conhecida homenagem musical ao guerrilheiro.
É justamente poesia e música que motivam esse artigo. Vale lembrar que Carlos Marighella era afeito à poesia, onde demonstrava grande erudição. Portanto, queria aqui registrar o belo poema “PARA QUE VOCÊ ME ENTENDA”, homenagem direta ao guerrilheiro, do poeta rio-grandino Alvedes Aguiar, a Marighella. Posteriormente, musicado e recitado pelo baterista Glauco Caruso e a artista Ananda Kuhn, primeira faixa do álbum “Desassossego” ,(2014), da anarquista, primal e “barulhenta” banda carioca Turba – com quem já tive o prazer de conversar anos atrás para uma publicação.
Caruso já conversou comigo, também, sobre suas “tretas” de vida. Em uma passagem de nosso bate-papo, anos atrás, Glauco contou que se voluntariou, em Londres, no ano de 2003, para servir – acreditem – de escudo humano em Bagdá, contra as agressões bélicas estadunidenses naquele país. Apesar da missão não ter se concretizado – segundo ele as condições para tal ação eram um tanto nebulosas -, lhe serviu como um enorme aprendizado de vida.
Sem mais delongas e causos:
PARA QUE VOCÊ ME ENTENDA.
“Para que você me entenda vou morrer amanhã à noite numa tocaia urbana, em uma branca alameda. Não olharei mais Clara com seu alvo sorriso e seu amor em tempos de guerra, não verei mais meus meninos empunhando ferros quentes pra revolução que não virá, não procurarei estilhaços de rimas nos versos que compus falando de rosas e fuzis. Para que você me entenda não ocultarei mais sussurros por essas crianças inocentes descalças de sonhos e quimeras, não vou colorir a dor numa esperança inconsequente de derramar uma lágrima encantada, só não quero que minha alma descanse, quero que ela paire sobre suas cabeças com a leveza de um beija-flor.”
– Alvedes Aguiar