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A longa luta da Rússia soviética para erradicar o analfabetismo

De 1920 a 1939, número de russos alfabetizados na União Soviética saltou de 44,1% a 89,1%. Por trás dos números, uma ampla campanha de alfabetização.
por Gabriel Deslandes | Revista Opera
A maioria dos analfabetos na Rússia eram mulheres.

Com o triunfo do Exército Vermelho na Guerra Civil Russa (1917-1923), o governo bolchevique se defrontava com os primeiros grandes desafios na implementação do projeto revolucionário vitorioso em outubro de 1917. Deparou-se com uma amarga realidade social herdada do Império Czarista: em 1920, apenas 44,1% dos russos entre 9 e 49 anos eram alfabetizados – 57,6% dos homens e 32,3% das mulheres. Nessa data, 73,5% da população urbana e somente 37,8% da população rural sabiam ler e escrever.

Em 1939, o quadro do analfabetismo na Rússia soviética havia mudado bruscamente: 89,1% dos russos de 9 a 49 anos da União Soviética estavam alfabetizados – 95,1% dos homens e 83,4% das mulheres. Agora, a taxa de alfabetização alcançava 94,2% da população urbana e 86,3% da rural.

Como, em 19 anos, uma massa tão expressiva de trabalhadores e trabalhadoras soviéticos passou a ler e a escrever? Tal feito se explica pela radical política de instrução pública, promovida pelos bolcheviques, sem a qual é impossível compreender o sucesso da revolução socialista. Ela estaria na base do desenvolvimento sociocultural dos povos que habitavam o vasto território soviético e teve como um de seus alicerces a chamada campanha de Liquidação do Analfabetismo – a Likbez.

Fundamental para o desenvolvimento do sistema educacional soviético nas primeiras décadas da URSS, a Likbez é filha de seu tempo histórico: 1920 foi precisamente o ano de criação da Comissão Extraordinária da Rússia de Combate ao Analfabetismo – Cheka Likbez. É também o ano em que Lênin profere seu discurso para o III Congresso da União Comunista da Juventude sobre o papel estratégico da educação para a construção da sociedade socialista. Nesse discurso, ele traçou as linhas mestras sobre a disciplina e o ativismo pedagógico que os comunistas deveriam ter para a transformação do padrão não só material, mas também cultural das velhas estruturas.

Foi diante de tal cenário que, em 1923, a seção de esclarecimento político (Glavpolitprosvet) do Comissariado do Povo para Educação (Narkompros) e a Cheka Likbez deram início à pioneira campanha bolchevique de alfabetização, tendo como ênfase primordial as associações sindicais soviéticas, com foco tanto nos empregados como nos desempregados. A empreitada tinha meta definida: os sindicatos deveriam ser alfabetizados até 1º de maio de 1925. Após essa data, a Cheka likbez se concentraria inteiramente nos trabalhadores não sindicalizados e no campesinato. Assim, os 17 milhões de adultos analfabetos da Rússia deveriam estar totalmente alfabetizados até 7 de novembro de 1927, o 10º aniversário da Revolução de Outubro.

Sindicatos russos à frente da alfabetização

O foco primordial das campanhas de alfabetização se justificava na visão dos bolcheviques de que o analfabetismo seria mais facilmente superado dentro dos sindicatos. Também acreditavam que na relação direta entre a aceleração da industrialização da Rússia soviética e a formação de uma força de trabalho alfabetizada.

De toda forma, segundo o historiador da Universidade de Wisconsin-Stevens Point e especialista nas fases iniciais do processo revolucionário soviético, Charles E. Clark, os sindicatos russos já dispunham de uma taxa de alfabetização relativamente alta em comparação com o campesinato e os trabalhadores não sindicalizados. Durante a Nova Política Econômica (NEP), os bolcheviques também esperavam associar a prática alfabetizadora por parte de sindicalistas mais experientes com uma expansão do nível de consciência política e social. Portanto, tudo levaria a crer que o setor sindical soviético era o espaço no qual o sucesso da campanha de alfabetização não só se fazia mais necessário, mas parecia ser o mais provável de acontecer.

Adultos analfabetos aprendiam a ler jornais, escrever cartas ou administrar fábricas.

O diferencial da campanha bolchevique não se restringia apenas ao número de cidadãos russos passíveis de serem considerados alfabetizados. Isso porque, nas sociedades mais tradicionais da época, era classificado como alfabetizado quem fosse apto para exercer uma única tarefa: a capacidade de escrever o nome de alguém. Por esse critério, até Rússia Imperial havia reconhecido, na década de 1890, a relação entre educação e desenvolvimento econômico nacional e promoveu suas próprias campanhas de alfabetização. Paralelamente, quase um terço dos professores na Rússia pré-revolucionária eram pagos por comunidades de camponeses, que assumiam, por conta própria, a responsabilidade por sua educação. O número de matrículas nas escolas rurais aumentou quatro vezes entre 1885 e 1914, e o de professores de ascendência camponesa cresceu de 7.369 para 44.607 entre 1880 e 1911.[1]

Todavia, a concepção dos bolcheviques sobre alfabetização era mais complexa que a mera escrita de um nome. A Cheka Likbez entendia que, ainda que um indivíduo pudesse frequentar uma escola de alfabetização (likpunkt) por quatro meses, esse tempo de instrução oferecia somente, na melhor das hipóteses, uma “chave” inicial. A comissão considerava que os alunos que viessem a terminar o curso inicial de três meses eram apenas “semialfabetizados” e que a alfabetização integral só acontecia após seis a oito meses adicionais na escola de semialfabetização, com algo entre seis e oito horas de aulas por semana.

Para avaliar os níveis de alfabetização dentro dos sindicatos, a Cheka Likbez solicitou relatórios por parte organizações de trabalhadores para averiguar se eles estavam maduros para uma campanha bem-sucedida. Tudo indicava para a comissão que era possível atingir a plena alfabetização dos sindicalistas no curto prazo, como, por exemplo, nos planos de trabalho apresentados por duas fábricas têxteis em Vitebsk, no nordeste da Bielorrússia. Nelas, a Cheka Likbez constatou que, dos 906 trabalhadores da fábrica de Dvina, 120 eram analfabetos. Assim, o sindicato planejou duas escolas de alfabetização nessa fábrica, cada uma delas atendendo 30 trabalhadores em períodos de quatro meses. Já a fábrica de estocagem Karl Marx tinha 27 trabalhadores analfabetos entre uma força de trabalho de 201 pessoas. Dessa forma, ambas as fábricas tinham níveis de analfabetismo considerados administráveis e poderiam atingir a meta de alfabetização de maio de 1925, estabelecida para todos os sindicatos. Os sindicatos ainda não haviam experimentado a inundação de novos trabalhadores analfabetos vindos do campo, e não previam a chegada deles.

“Mulher, aprenda a ler e escrever! Oh, mãe! Se você fosse alfabetizada, poderia me ajudar!” (Pôster de 1923)

Os bolcheviques encaravam o analfabetismo como um oponente capaz de ser superado no curto prazo e, para isso, contavam não só com todos recursos e a estrutura organizacional dos sindicatos, mas também com o próprio sistema educacional cívico. Em um exemplo evocado pelo historiador Charles E. Clark, quando uma célula sindical local específica tinha um ou dois membros analfabetos, a filial da comissão provincial de alfabetização de Moscou (Gubgramcheka) fornecia a esses sindicatos informações sobre escolas do bairro para que tais trabalhadores comparecerem. O prédio da fábrica e dos sindicatos ligados à fábrica também fortaleceram a política de alfabetização, já que os operários dispunham de jornais, clubes e bibliotecas. A proximidade entre a classe de alfabetização e o local de trabalho era uma realidade comum.

Sindicatos dos transportes como prioridade

O papel estratégico de um sindicato para a Rússia soviética era determinante para que seu programa de alfabetização fosse bem-sucedido. No final de 1924, 12 ferrovias russas registravam uma taxa média de sucesso de 90% na alfabetização dos membros do sindicato e suas famílias. Entre os trabalhadores da linha ferroviária Moscou-Bielorrússia-Báltico, a taxa era de 80% em 1925.

A relação entre a política de alfabetização e o trabalho no sistema ferroviário se tornou significativa graças à busca do governo pela superação de problemas como corrupção e crimes no setor de transportes. Por isso, o sindicato dos transportes passou a contar com uma administração educacional própria, que investiu mais de 40 milhões de rublos de 1926 para 1927 e mais de 50 milhões de 1927 para 1928 em todas as formas de educação. Dentro da administração educacional do sindicato, também havia uma subcomissão de alfabetização, a Trans-Cheka likbez, composta pelo presidente e o vice-presidente do comitê central do sindicato e representantes do sindicato da educação, o Komsomol (organização juvenil do Partido Comunista) e a Sociedade de Alfabetização Voluntária (ODN).

Como resultado, graças à atenção especial que o sindicato dos transportes recebeu do governo, a campanha de alfabetização foi relativamente bem-sucedida. No final de 1924, as ferrovias desfrutavam de taxas de alfabetização de até 99% e conseguiram matricular os poucos membros analfabetos restantes. Com elevados níveis de matrícula, o sindicato ferroviário tinha a opção de manter esse baixo grau de analfabetismo em suas fileiras e até fazer um esforço para atrair para suas escolas mais familiares analfabetos dos membros dos sindicatos.

“Se você não ler livros, logo esquecerá como ler e escrever.” (Pôster de 1925)

Estruturalmente, o sindicato dos transportes, que incluía o transporte ferroviário e aquaviário, gozava de uma posição de força. Os próprios cruzamentos ferroviários forneciam uma localização conveniente para o estabelecimento escolas, salas de leitura e bibliotecas. Assim, o sindicato não só alcançou a meta de 1927 entre seus trabalhadores, como também assumiu a responsabilidade por educar os 93 mil familiares analfabetos entre as idades de 16 e 35 anos – desses, 82,5 mil eram mulheres.

O trabalho intensivo de alfabetização de determinados sindicatos também foi decisivo, mesmo antes da Cheka Likbez, para a redução do nível de analfabetismo na Rússia. Os sindicatos de metalúrgicos e de impressão – dois sindicatos de forte tradição urbana – tinham baixos índices de analfabetismo. O sindicato dos metalúrgicos, por exemplo, contava com 14% de analfabetos entre seus membros. Em setembro de 1926, o mesmo índice caiu para somente 3,6%.

Entretanto, havia um fator levado previamente em conta pelos formuladores da Cheka Likbez em relação à composição social dos sindicatos: a migração de mão de obra para as cidades e sua entrada nas organizações sindicais. Nesse quesito, o ano de 1926 foi marcante pela massiva entrada de trabalhadores analfabetos migrantes do interior da Rússia que se uniram aos sindicatos, mantendo assim o nível de analfabetismo ainda alto. Em 1926, os migrantes representavam 49% da população urbana da URSS, e os sindicatos da província de Moscou contavam com 60 mil filiados analfabetos em 1925 e 1926, o que representava 5,4% dos membros do sindicatos. Desses, 40 mil trabalhadores analfabetos estavam nos sindicatos da indústria têxtil, agropecuária, alimentícia e de construção.

“Camponesa, consolide a unidade dos trabalhadores e camponeses.” (Pôster de 1925)

Nesse contexto, em decorrência de tal influxo de migrantes, o analfabetismo permaneceu crônico no sindicato têxtil. Em abril de 1924, na província de Moscou, o sindicato têxtil contava 15.620 membros analfabetos com menos de 35 anos, o que representava 12% do total de membros. Em maio de 1925, o sindicato havia reduzido o número de analfabetos em mais da metade – havia apenas 7.180. Em outubro do mesmo ano, esse número havia crescido novamente para 12.269 adultos analfabetos à medida que mais trabalhadores ingressavam. Assim, esses sindicatos serviam para absorver os menos instruídos da população rural.

Essa crescente presença de trabalhadores analfabetos nas cidades consistia no trajeto contrário ao visto na década anterior. Após o levante revolucionário de 1918 e a subsequente Guerra Civil, houve uma fuga massiva de mais de 1/3 da população urbana russa para o campo. Agora, anos depois, o êxodo se invertia: a Nova Política Econômica (NEP) renovou a força de trabalho urbana, alcançando e até superando os níveis de migração sazonal para as cidades anteriores à Guerra Civil.

Desses migrantes, entre oito a 19 milhões eram trabalhadores sazonais e sem-terra (otkhodniki), a maioria deles camponeses pobres que, tais quais seus predecessores pré-revolucionários, não tinham condições de competir no mercado livre da NEP com seus concorrentes mais ricos. Nos centros urbanos russos, esses trabalhadores sazonais pobres se aproximavam dos meios sindicais. Apenas o sindicato dos construtores da província de Leningrado recebeu entre 40 a 50 mil trabalhadores sazonais.

O êxodo rural não era novidade na história russa. Os camponeses raramente estavam envolvidos unicamente na agricultura, ocupando seu tempo também com artesanato, como a confecção de roupas e sapatos. Nos anos 1920, tal qual durante as gerações anteriores, essa prática se repetia. Havia quase três milhões de artesãos domésticos (kustari) nas regiões rurais em 1925.[2] O artesanato era um trabalho complementar que não necessariamente gerava renda. Porém, servia para que os camponeses russos adquirissem uma habilidade comercializável passível de ser aproveitada nas zonas urbanas. Quando confrontados com o excedente de mão de obra no campo, esses trabalhadores rurais se deslocavam para as cidades e lá se integravam à expansão das atividades sindicais, beneficiando-se dos programas educacionais.

Ainda segundo o historiador Charles E. Clark, não há consenso na historiografia sobre a Revolução Russa sobre se a oportunidade de alfabetização nas cidades serviu de motivador para a migração, ou seja; se camponeses migraram para uma área culturalmente mais desenvolvida em busca da chance de aprender a ler e escrever. Outra leitura plausível considera que os camponeses se mudaram para a cidade à procura de melhores condições de vida e trabalho, e a alfabetização em si não foi determinante nessas migrações.

O fim da campanha

A Cheka Likbez começa a perder o fervor de campanha em 1925, diminuindo a rigidez nas metas de alfabetização. A campanha teve seu encerramento estendido para 1933, prazo final determinado pelo Narkompros (Comissariado do Povo de Educação) para o cumprimento de seu plano para o ensino médio obrigatório. Ao mesmo tempo, os esforços educacionais dos sindicatos passaram a ser mais flexíveis. Por exemplo, antes de 1926, a campanha estipulava o início e o término de seus semestres de aulas com base em datas comemorativas, como de 21 de janeiro (o aniversário da morte de Lênin) até 1º de maio (Dia do Trabalhador), com os sindicatos arcando com os custos. A partir de 1926, os novos acordos entre a Cheka Likbez e os sindicatos direcionaram cada fábrica a selecionar um número específico de alunos durante um período específico de nove meses para analfabetos e seis meses para semialfabetizados. Não havia mais ordens gerais para dar cabo do analfabetismo em alguma data simbólica.

A Cheka Likbez e os sindicatos não assumiriam mais uma quantidade de alunos correspondente ao número total de trabalhadores analfabetos na fábrica. Agora, o número proposto de alunos corresponderia ao contingente possível para ser educado no ano letivo de 1926-1927. A remoção da mentalidade da campanha fez com que os sindicatos adotassem uma abordagem mais realista das matrículas e da capacidade dos trabalhadores de conciliarem trabalho, família, escola e lazer.

Os líderes culturais dos sindicatos e das Sociedade de Alfabetização Voluntária (ODN) também monitoravam a participação dos trabalhadores analfabetos para descobrir por que eles não estavam frequentando as escolas. Assim, promoveram pesquisas entre os membros de cada sindicato. Além de perguntar sobre a capacidade de ler e escrever, as pesquisas indagavam sobre a quantidade de crianças em casa, os cuidados infantis recebidos quando a mãe estava no trabalho, a distância de casa para a escola e a saúde do potencial aluno. Em suma, os sindicatos e a ODN queriam entender quais fatores estavam impedindo o trabalhador de participar do processo de alfabetização. Tais obstáculos, como assistência à infância, a distância da escola e a saúde do trabalhador, não haviam mudado significativamente desde o estabelecimento da indústria têxtil de larga escala na Rússia. As fábricas tentaram ir além da simples pesquisa e recomendaram a criação de creches para os filhos dos trabalhadores analfabetos, para que os pais pudessem assistir às aulas.

Um relatório sobre o trabalho realizado nas fábricas de Arzhensk e Rasskazov em 1924/25 e 1925/26 elucida por que a taxa de matrícula poderia ser alta, mas a de conclusão era baixa. Nos meses de inverno, a falta de aquecimento impedia que muitos retornassem à fábrica para as aulas ou simplesmente comparecessem a elas nos dias de trabalho. Além disso, a desigualdade de gênero era notória: as tarefas domésticas faziam com que as trabalhadoras mulheres tivessem maior probabilidade de abandonarem os cursos do que os homens. Nesse contexto, organizações como a ODN, Komsomol e comissões culturais sindicais não havia feito o bastante para promover uma maior participação.

Mulheres aprendendo a ler e escrever, na cidade de Tcheboksary, nos anos 1930.

Outros fatores que ajudam a explicar a fraca participação das mulheres era a capacidade de uma mulher recém-alfabetizada em manter seu emprego. Durante o VII Congresso Sindical de 1926, uma delegada relatou que, caso se tornasse alfabetizada, seu empregador a demitiria.[3] Uma estratégia utilizada por duas fábricas de Tambov para manter suas trabalhadoras estudando era estabelecer trabalhos de grupo em casa, realizados em círculos de costura. Essa medida fez com que o número de matrículas nos cursos de alfabetização aumentasse de 30 matrículas iniciais para, após a formação dos pequenos grupos de estudo, 337 matrículas. O sindicato contou com a ajuda de 105 funcionários do Estado, membros do Komsomol e estudantes do ensino médio para trabalharem junto a esses grupos.

Em outubro de 1926, o presidente do comitê central do sindicato têxtil, Mel’nichansky, e o chefe da seção cultural do sindicato, Rishchev, frisaram a importância de que o trabalho em grupo se tornasse uma circular que atingisse todas as unidades do sindicato. O objetivo de Mel’nichansky e Rishchev era que tal circular utilizasse líderes de grupos voluntários no lugar de professores remunerados e enfatizasse a eficácia do trabalho em grupo e individual para mulheres analfabetas, responsáveis ​​por 70% de toda a força de trabalho analfabeta naquele sindicato.

A circular Mel’nichansky-Rishchev representou uma resposta a uma situação como a ocorrida um ano antes em Smolensk, quando houve número de matrículas e boas taxas de frequência – cerca de 1.300 alunos – devido à capacidade do sindicato têxtil de pagar seus membros para frequentarem a escola. Já em novembro de 1925, os fundos culturais não existiam mais para tal extravagância. Sem incentivo salarial, os trabalhadores não queriam mais viajar para as aulas à noite. No ano letivo seguinte, Mel’nichansky autorizou não mais que 8% dos fundos culturais do sindicato para cursos de alfabetização e semialfabetização.

Essa mudança para o estudo em grupo foi útil especialmente para as mulheres. Os círculos de costura domésticos que ministravam aulas de alfabetização eram mais agradáveis ​​que aulas formais. É provável que mulheres com crianças se sentissem mais confortáveis ​​em levar seus filhos para essas sessões de grupo na casa de um vizinho do que levá-los para as aulas em fábricas ou em salas de leitura da vila.

Desejo e capacidade dos russos para estudar

Ainda para o historiador Charles E. Clark, o sucesso ou fracasso da Cheka Likbez não foi necessariamente determinado pela quantidade de dinheiro que um sindicato ou localidade tinha disponível para promover a alfabetização. A despeito do exemplo do sindicato têxtil de Smolensk, onde o suporte financeiro aos alunos foi crucial, contava também o interesse genuíno dos trabalhadores analfabetos em participar dos cursos. Uma pesquisa feita com 336 trabalhadores têxteis da província de Moscou no fim de 1926 ou no início de 1927 perguntou os trabalhadores se eles queriam estudar. Os resultados refletiam não só o desejo de aprender a ler e escrever, mas também a capacidade real de assistirem às aulas (ver tabela abaixo).

Nesse sentido, a Cheka Likbez não alcançou alfabetização sindical total no dia 1º de maio de 1925, nem em 7 de novembro de 1927, nem no final da década de 1920. O analfabetismo entre a classe operária permaneceu como problema da Rússia soviética no decorrer da década em consequência, em especial, do êxodo rural. Em 1929, as recomendações para a construção de berçários dentro das fábricas foram ouvidas, o que evidencia a intensificação dos esforços para alfabetizar as mulheres russas. As fábricas continuaram a estabelecer aulas para analfabetos e creches para que as mulheres estivessem livres para estudar.[4]

Se a proposta dos bolcheviques de forjar uma população adulta universalmente alfabetizada na Rússia até o final de 1927 fracassou, a mobilização dos sindicatos para promover a alfabetização não significou um “raio em céu azul”. O processo remonta a uma tradição antiga de países europeus de utilizar um braço do Estado para levar a educação à população adulta analfabeta. Além do mais, por sua própria natureza, sindicatos e fábricas constituíam organizações e estruturas sobre as quais os esforços de alfabetização poderiam ser impostos pelo governo revolucionário.

Dessa forma, os sindicatos soviéticos, com suas próprias seções culturais, continuaram desempenhando esse papel educativo mesmo com o término da campanha alfabetizadora em 1926. Por meio da Cheka Likbez, os bolcheviques semearam as bases para que a União Soviética tivesse, na década de 1950, uma geração inteira que havia concluído algum grau de ensino formal e atingisse uma taxa de alfabetização de 100% da população, como era a ambição política de Lênin.

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Notas:

[1] – Arcadius Kahan, ‘Determinants of the Incidence of Literacy in Rural Nineteenth-Century Russia’, em Anderson & Bowman (eds), pp. 298-302.

[2] – Pethybridge, The Social Prelude to Stalinism, p. 231.

[3] – Carr & Davies, Foundations of a Planned Economy, 1926-1929, vol. 1, parte II, 471.

[4] – Susan M. Kingsbury & Mildred Fairchild, Factory, Family and Woman in the Soviet Union (Nova York: G.P. Putnam’s Sons, 1935), p. 170.

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