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EUA privam Cuba de seringas necessárias para o combate à Covid-19

Apesar de Cuba ser o primeiro país da região a desenvolver vacinas contra a Covid-19, carece de seringas em função do bloqueio dos EUA.
Apesar de Cuba ser o primeiro país da região a desenvolver vacinas contra a Covid-19, carece de seringas em função do bloqueio dos EUA. Por WT Whitney Jr | People’s World – Tradução de Vinícius S. Morais Provazzi para a Revista Opera, com revisão de Rebeca Ávila 
(Foto: mary abq)

Cuba, o primeiro país da América Latina a desenvolver vacinas próprias contra a Covid-19, atualmente carece de seringas para imunizar sua população contra o vírus. Não é viável para Cuba fabricar suas próprias seringas, e o embargo imposto pelos Estados Unidos impede a ilha de importá-las do exterior. 

A maioria dos países está enfrentando uma escassez de seringas. O New York Times estima uma demanda geral entre “8 bilhões e 10 bilhões de seringas apenas para as vacinações contra a Covid-19”. As capacidades de produção estão aumentando, porém, por causa do embargo, a situação de Cuba não melhora.

De acordo com a Global Health Partners, “Cuba precisa de aproximadamente 30 milhões de seringas para sua campanha de vacinação em massa e lhe faltam 20 milhões”. Organizações solidárias vêm arrecadando fundos para comprar seringas e enviá-las ao país.

A escassez de seringas gera enorme sofrimento ao povo cubano. E isso não é novidade. Ao apelar pelo bloqueio econômico em 1960, o funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Lester Mallory, estava confiante de que fazer os cubanos sofrerem os levariam a derrubar seu governo. 

O embargo dos EUA causa escassez de materiais básicos. Os ônibus não têm combustível e peças para reparos; rotas de ônibus foram abandonadas. O abastecimento de alimentos é precário. Apesar da pequena oferta de reagentes e materiais laboratoriais, os laboratórios cubanos e as instalações de produção desenvolveram cinco tipos de vacinas para a Covid-19.

Cuba não pode comprar respiradores necessários para pacientes infectados pela Covid-19 em estado crítico. Dois fabricantes suíços pararam de vender respiradores para o país depois que uma empresa estadunidense comprou todas as unidades. Contudo, os técnicos cubanos desenvolveram seu próprio modelo de respirador, que já entrou em produção. 

O impacto do embargo não é, de forma alguma, um acidente. Os processos institucionalizados que visam afirmar o domínio dos Estados Unidos envolvem leis, decretos administrativos, regulamentos, interpretações dos regulamentos por parte dos funcionários e cautela por parte de comerciantes e financiadores de outros países. 

A autoridade para proibir a venda de produtos de origem estadunidense para Cuba deriva de leis acumuladas ao longo de muito tempo. A Lei de Democracia Cubana de 1992 “amarrou” as empresas estrangeiras ao sistema do embargo. Essa lei deu ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos a autoridade para licenciar as subsidiárias de corporações estadunidenses para a exportação de mercadorias para Cuba. Na prática, isso significou a criação de um sistema onde praticamente todos os pedidos de licenciamento são negados. 

Desde então, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro, executor do embargo, obteve margem de manobra para regulamentar inclusive as empresas estrangeiras. Não importando seu país de origem, qualquer empresa que contemple realizar comércio com Cuba terá que enfrentar sanções dos EUA, caso tenha filiais nos Estados Unidos, seja associada a empresas norte-americanas ou faça transações em dólares estadunidenses. 

A maioria das seringas no mundo é fabricada por três empresas estadunidenses e cinco de outros países. Cada uma dessas empresas estrangeiras mantém vínculos com alguma entidade dos Estados Unidos, portanto estão proibidas de exportar seringas para Cuba.

Por exemplo, a alemã B Braun Melsungen Corporation tem parceria com a Concordance Healthcare Solutions, “uma das maiores distribuidoras independentes da área da saúde dos Estados Unidos”. A Terumo Corporation, sediada em Tóquio, tem um escritório em Nova Jersey, nos EUA.

A Nipro Corporation, sediada em Osaka, recentemente “anunciou a criação de uma Divisão Vascular nos EUA”. A Healthcare heavyweight Cardinal Health está sediada na Irlanda e nos Estados Unidos. 

Na Índia, a Hindustan Syringes and Medical Devices entrou no alcance do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros em janeiro de 2021, ao associar-se à Envigo Global Products como sua “parceira de marketing digital”. A Envigo está sediada em Indianápolis, nos EUA. 

Diretores de empresas estrangeiras procuram aconselhamento jurídico. Um grupo de advogados afirma que “O OFAC há muito tempo sustenta que se uma empresa estrangeira se envolver em transações comerciais em dólares americanos, ela estará se valendo do sistema financeiro dos Estados Unidos e, portanto, torna-se sujeita às leis de sanções dos Estados Unidos.” 

Outro grupo indica que as sanções são prováveis se “a parte estrangeira tiver um determinado nível de contatos com os EUA, como envolvimento [com] produtos, software ou tecnologia dos EUA”.

A National Law Review, uma revista de direito estadunidense, recomenda que “as empresas estrangeiras […] precisam estar cientes sobre quais membros do conselho, diretores ou funcionários possuem cidadania estadunidense ou green cards dos EUA.”

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afrouxou muitos dos regulamentos do embargo e restabeleceu as relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba. Porém, ele nunca pressionou pelo fim do embargo.

O governo Biden opta por não priorizar a melhoria das relações com Cuba. Biden recentemente manteve a decisão do governo Trump de adicionar Cuba à lista de países patrocinadores do terrorismo. 

A Lei Helms-Burton de 1996 institucionalizou, pela primeira vez, o papel do Congresso estadunidense em determinar o destino do embargo. Exceto por uma lei de 2000 que permite a exportação de produtos alimentícios dos Estados Unidos para Cuba, o Congresso continua a proteger essa política.

Em fevereiro deste ano, o senador democrata de Oregon, Ron Wyden, apresentou sua “Lei de Comércio Estados Unidos-Cuba de 2021”, que encerraria o embargo. O projeto de lei tem quatro co-patrocinadores. Os senadores Amy Klobuchar, de Minnesota, Jerry Moran, do Kansas, e Patrick Leahy, de Vermont reintroduziram a “Lei de Liberdade de Exportação para Cuba” em 20 de maio.

Esse projeto de lei facilitaria as exportações dos Estados Unidos a Cuba, especialmente de produtos agrícolas, e permitiria que alguns produtos cubanos entrassem nos Estados Unidos. Contudo, conserva as sanções impostas a Cuba por suas supostas violações dos direitos humanos. 

Em março, 80 congressistas enviaram uma carta ao presidente Biden, encorajando-o a usar seu poder executivo para reverter as restrições impostas pelo ex-presidente Trump.

O embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba é calculado, sistemático, abrangente e feroz. Seus oponentes oferecem argumentos variados. Para alguns, o embargo é cruel e ilegal. Outros defendem Cuba por acreditarem que ela é um modelo de solidariedade humana e de promoção da saúde e educação. Muitos insistem no respeito à soberania cubana. 

Esses argumentos estão desconectados uns dos outros. Os críticos do embargo parecem carecer de um foco central na raiz do problema. Isso seria essencial, ao que parece, para a formulação de uma estratégia coesa. Caso isso existisse, poderiam surgir novas possibilidades de recrutamento e unidade. A luta antirracista nos Estados Unidos exibe uma dinâmica semelhante, e talvez ofereça lições. 

Reagindo a vários sintomas de opressão, os defensores da igualdade racial foram de um ponto a outro, opondo-se aos homicídios policiais, ao sistema de justiça criminal injusto e às altas taxas de pobreza e mortalidade da população negra. 

Agora, cada vez mais, os analistas associam as manifestações contra a opressão racial aos sistemas estruturais de repressão envolvendo o capitalismo em si. Escrevendo sobre uma notória firma de comércio de escravos, o historiador Joshua Rothman captura essa associação no título de seu novo livro, The Ledger and the Chain [A Contabilidade e a Corrente”, em tradução livre].

De forma similar, caso a campanha contra o embargo dos EUA prestasse especial atenção na longa história da ambição dos Estados Unidos em dominar Cuba, poderia adquirir mais substância e ganhar força. 

A premissa seria de que as potências europeias e os Estados Unidos há muito buscam trazer Cuba e outros territórios latino-americanos dependentes para dentro de sua órbita capitalista.

O caso das seringas remete aos esquemas dos Estados Unidos no século 19 para absorver Cuba, o controle dos EUA sobre a ilha após a partida da Espanha em 1902 e a determinação dos Estados Unidos, depois de 1959, em restaurar a hegemonia perdida para a Revolução.

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