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Três lições que aprendi ao visitar Cuba

A resiliência da revolução cubana oferece lições fundamentais, especialmente frente ao nível de cinismo e pessimismo de alguns setores da esquerda mundial
Amanda Yee
“Revolução é defender valores nos quais se crê”, placa às margens de uma estrada em Cuba. (Foto: STML / Flickr)

Em maio, visitei Cuba integrando uma delegação de 20 pessoas para entregar 60 mil dólares em medicamentos contra o câncer e suprimentos médicos essenciais para salvar vidas em dois hospitais pediátricos do país. Essa delegação foi organizada pelo Projeto Hatuey, uma organização dirigida por voluntários que leva regularmente ajuda médica e humanitária a Cuba. Como parte da viagem de dez dias, nos reunimos com representantes de diferentes organizações e instituições cubanas e até mesmo com membros do Parlamento. Por meio desses intercâmbios, aprendemos sobre como o povo de Cuba está engajado em seu processo revolucionário em andamento, seu projeto de construção do socialismo e os impactos da política dos EUA na vida cotidiana da ilha.

Aqui estão as três principais lições que tirei de nossa missão.

Toda a sociedade cubana foi afetada pelo bloqueio dos EUA

O bloqueio dos EUA a Cuba, em vigor desde a década de 1960, é um ato de guerra econômica. As motivações políticas por trás dele são claras desde o início: tornar a vida tão miserável na ilha que o povo cubano direcione suas frustrações contra o Partido Comunista e o derrube, abrindo caminho para que os interesses comerciais dos EUA voltem a se estabelecer. Essa tem sido a política dos EUA em relação a Cuba há mais de 60 anos.

Como enfatizaram os parlamentares com quem conversamos, não há nenhum setor da sociedade que não seja afetado pelo bloqueio. As condições agora estão piores do que nunca: o bloqueio levou a uma escassez extrema de alimentos, farinha e combustível. Os apagões elétricos estão se tornando cada vez mais frequentes.

Enquanto isso, os agricultores não podem cultivar alimentos em grande escala, pois o bloqueio lhes nega os pesticidas, fertilizantes e equipamentos necessários. Muitos dependem de países como o México, que doam tratores, enxadas e outros suprimentos agrícolas.

Ao receber nossa entrega de medicamentos, um médico de um hospital infantil em Santa Clara nos disse que os medicamentos são os mais necessários e, ainda assim, os mais afetados pelo bloqueio. O bloqueio não apenas impede que medicamentos essenciais cheguem à ilha, mas também as matérias-primas, a ciência e a tecnologia necessárias para produzi-los. E como os tratamentos mais eficazes contra o câncer geralmente são produzidos nos EUA e os médicos não têm acesso a eles, eles geralmente buscam tratamentos alternativos que não são tão eficazes. Isso tem um impacto óbvio na taxa de sobrevivência.

Os médicos também lamentaram que a escassez de combustível torna extremamente difícil para as famílias dos pacientes viajarem de casa para o hospital. Além disso, a escassez de alimentos cria ainda mais dificuldades para essas famílias. Como pudemos entender, o bloqueio não afeta apenas produtos individuais isoladamente; ele cria crises sobrepostas com as quais os cubanos precisam lidar todos os dias.

Esse é o preço cruel que o povo cubano continua pagando por seu projeto socialista.

Cuba nos mostra que outro mundo é possível

Cuba é um exemplo de que existe um futuro além do capitalismo, e vale a pena lutar por esse futuro.

O governo de Cuba representa uma democracia praticamente desconhecida para nós, norte-americanos. Em nosso último dia de viagem, nos reunimos com vários membros do Parlamento, ou Assembleia Nacional do Poder Popular – o mais alto órgão político do país. Diferentemente dos EUA, esses representantes do governo não recebem salário nem representam grupos com determinados interesses políticos. Eles também não têm campanhas eleitorais nem recebem financiamento de campanha.

Como nos disse um membro da Assembleia, “a política não é um negócio. É uma responsabilidade do projeto revolucionário que construímos”.

A consulta popular entre funcionários do governo e membros da comunidade é um importante princípio democrático em Cuba. Toda nova lei em potencial é debatida e refinada por meio desse processo, inclusive o novo Código da Família aprovado em 2022. O alto nível de participação política entre o povo cubano provavelmente pode ser atribuído à sua fé nesse processo democrático de consulta.

E, apesar do bloqueio, Cuba mobiliza os escassos recursos de que dispõe a serviço de seu povo, especialmente dos mais vulneráveis. Ficamos constantemente admirados com o quanto Cuba faz com tão pouco. Nos hospitais que visitamos, nossa delegação – acostumada a navegar pelos bizantinos sistemas de saúde e de seguros dos EUA com fins lucrativos –, ficou imensamente impressionada com a dedicação da equipe em oferecer atendimento abrangente e de qualidade aos pacientes, apesar das dificuldades extremas causadas pelo bloqueio.

Também visitamos o Acampamento Agrícola de Quisicuaba, na província de Artemisa, um centro de vida assistida para os sem-teto, bem como para os idosos que precisam de apoio em seus últimos anos. Como o regime de propriedade foi abolido em Cuba após a revolução, as condições que levam à falta de moradia são diferentes das dos EUA. Em Cuba, a falta de moradia geralmente é causada por problemas de saúde mental, alcoolismo ou perda de apoio familiar, não por despejos.

Quisicuaba oferece aos residentes acomodação, tratamento clínico e psicológico, três refeições por dia, além de oficinas e programação diária. Há uma fazenda no acampamento onde, juntos, os residentes cultivam bananas, batata-doce e mandioca, além de criar gado. O acampamento promove um ambiente comunitário entre os residentes, e seu objetivo principal é a proteção e a reabilitação para que eles sejam reincorporados à sociedade. Centros de vida assistida como Quisicuaba são subsidiados pelos governos de suas províncias.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, mais de meio milhão de pessoas ficam sem teto sem nenhum apoio do governo e, diante das condições precárias da maioria dos abrigos para sem-teto, muitas vezes optam por permanecer nas ruas em vez de buscar refúgio. Essa é uma realidade inconcebível de se viver nos EUA – nosso governo gasta bilhões de dólares em guerras e para financiar o genocídio de Israel em Gaza, enquanto a falta de moradia dispara, as pessoas não têm condições de arcar com as necessidades básicas e a infraestrutura desmorona.

Mas não precisa ser assim. Cuba nos mostra que outro mundo é possível, um mundo que privilegia a humanidade e a dignidade da vida em detrimento do lucro.

Devemos rejeitar com firmeza o desespero na luta por esse novo mundo

No entanto, apesar das dificuldades criadas pelo bloqueio, ficamos impressionados com a cordialidade com que o povo cubano nos recebeu, com o orgulho que exalava ao falar sobre sua revolução e com seu firme compromisso de não se ajoelhar diante da política dos EUA. Uma das minhas partes favoritas da missão foi uma viagem ao Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia, um instituto de pesquisa em Havana.

O cientista com quem conversamos lembrou que um dos momentos de maior orgulho de sua vida foi contribuir para a vacina cubana contra a COVID-19. Eles batizaram essa vacina de “Abdala”, em homenagem a um poema escrito pelo herói nacional cubano José Martí, no qual o personagem titular defende sua terra natal, a Núbia, contra os ocupantes espanhóis. Martí escreveu esse poema durante a Guerra dos Dez Anos de Cuba contra a Espanha. A luta pela soberania e pela libertação nacional está sempre em primeiro plano na mente das pessoas.

O cientista nos disse: “Quando sua ideia está correta, você deve lutar até o fim”.

Essa foi uma lição importante para mim, que moro nos EUA, especialmente devido ao nível de cinismo e pessimismo de alguns setores da esquerda daqui. O bloqueio dos EUA já está em vigor há mais de 60 anos. A maioria dos cubanos que estão vivos agora passaram a vida inteira sob o bloqueio. Se o povo cubano continua tão determinado a defender as conquistas de sua revolução, se ele mantém seu senso de otimismo revolucionário mesmo sob as condições mais severas, que desculpa temos para nos desesperar com o que estamos enfrentando, com a luta contra o imperialismo dos EUA?

Acredito que esse tipo de pessimismo é um luxo que nos é concedido, mas devemos rejeitá-lo. O desespero é uma fuga do trabalho. O desespero é uma fuga de nossa responsabilidade coletiva como aqueles que vivem no coração do império. Nosso próprio governo roubou muito do povo cubano ao longo de séculos, desde a ocupação até o atual bloqueio. É nossa responsabilidade combater as políticas cruéis dos EUA. Somente quando o imperialismo norte-americano for derrubado, países como Cuba poderão respirar e se desenvolver em todo o seu potencial. Fazemos isso, em primeiro lugar e acima de tudo, por meio da organização, para que possamos desenvolver a capacidade de enfraquecer o imperialismo por dentro. Essa é uma responsabilidade que todos nós compartilhamos como aqueles que vivem no ventre da besta. Devemos isso às pessoas em lugares como Cuba.

(*) Amanda Yee é uma jornalista e organizadora que vive no Brooklyn. É editora-chefe do Liberation News, e seus artigos já foram publicados na Monthly Review Online, The Real News Network, CounterPunch e Peoples Dispatch. Siga-a no X @catcontentonly.

(*) Tradução de Raul Chiliani

Globetrotter O Globetrotter é um serviço independente de notícias e análises internacionais voltado aos povos do Sul Global.

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